Art. 44º

AutorRafael A. F. Zanatta
Páginas404-422
404
Rafael A. F. Zanatta
Art. 44. O tratamento de dados pessoais será irregular quando deixar de
observar a legislação ou quando não fornecer a segurança que o titular dele
pode esperar, consideradas as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo pelo qual é realizado;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – as técnicas de tratamento de dados pessoais disponíveis à época em
que foi realizado.
Parágrafo único. Responde pelos danos decorrentes da violação da se-
gurança dos dados o controlador ou o operador que, ao deixar de adotar
as medidas de segurança previstas no art. 46 desta Lei, der causa ao dano.
INTRODUÇÃO
O capítulo sobre responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais (Lei 13.709/2018) é repleto de omissões, confusões conceituais e polêmicas
de natureza interpretativa. Não é sem razão que a interpretação dogmática1 deste
capítulo tem chamado atenção de uma ampla gama de doutrinadores contemporâ-
neos no Brasil.2
1. Por interpretação dogmática, ref‌iro-me ao conceito de dogmática jurídica e sua função pragmática na her-
menêutica jurídica, no sentido de interpretação que se dá em um espectro de possibilidades. Nesse sentido,
como há muito argumentou Tércio Sampaio Ferraz Junior, o jurista não faz mera interpretação do mesmo
que uma pessoa que busca entender a mensagem de alguém numa conversa. A interpretação dogmática
orienta-se à decidibilidade de conf‌litos e pressupõe o fornecimento de razões para agir de um certo modo
e não de outro, sendo que as razões se destinam a uma tomada de posição diante de diferentes possibilida-
des de ação nem sempre congruentes. Essa interpretação jurídica busca alcançar um sentido válido para
a comunicação normativa que manifesta uma relação de autoridade. Questões dogmáticas são diferentes
de zetéticas, pois têm uma função diretiva explícita e são f‌initas, ao passo que questões zetéticas (o que é
justiça?) abrem espaço para uma questão sobre a própria questão, em função especulativa. A interpretação
dogmática orienta-se por questões dogmáticas e apoia-se nessa dimensão de uma melhor orientação sobre
normas que incidem sobre conf‌litos futuros. Ver FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo
do Direito. São Paulo: Atlas, 2004.
2. Ver, apenas a título de exemplo, BIONI, Bruno; DIAS, Daniel. Responsabilidade civil na proteção de dados
pessoais: construindo pontes entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e o Código de Defesa do
Consumidor. Revista Civilistica, v. 9, n. 3, p. 1-23, 2020. CORDEIRO, António Barreto Menezes. Reper-
cussões do RGPD sobre a responsabilidade civil. In: TEPEDINO, Gustavo; FRAZÃO, Ana; OLIVA, Milena
Donato (Coord.). Lei geral de proteção de dados pessoais e suas repercussões no direito brasileiro. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2019. GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Regime de responsabilidade adotado
pela lei de proteção de dados brasileira. Caderno especial LGPD, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 167-
182, nov. 2019. BODIN DE MORAES, Maria Celina. LGPD: um novo regime de responsabilização civil dito
“proativo”. Civilistica.com, Rio de Janeiro, Editorial, ano 8, n. 3, 2019. Disponível em: http://civilistica.
EBOOK COMENTARIOS LGPD.indb 404EBOOK COMENTARIOS LGPD.indb 404 27/01/2022 09:23:0627/01/2022 09:23:06
ART. 44
RAFAEL A. F. ZANATTA
405
Atualmente, há um amplo dissenso sobre a responsabilidade civil,3 em especial
sobre a tese de existência de um regime específ‌ico, indo além das dicotomias clássi-
cas entre responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva. Fala-se, na doutrina
contemporânea de direito civil aplicada à proteção de dados pessoais, de um regime
de “responsabilidade civil subjetiva com alto grau de objetividade”4 ou uma “teoria
proativa da responsabilidade civil”5, na qual não haverá obrigação de indenizar
quando o agente de tratamento de dados demonstrar que “observou o standard
esperado e, se o incidente ocorreu, não foi em razão de sua conduta culposa”6. São
teses que iniciam novos debates e que estão longe de atingir consenso def‌initivo.
O artigo 44 da LGPD, aqui analisado, insere-se no capítulo VI da legislação (“Dos
agentes de tratamento de dados pessoais”), na Seção III (“Da Responsabilidade e
do Ressarcimento de Danos”), e é marcado por tais polêmicas e por uma orientação
preventiva do sistema jurídico, pensada como tal desde suas origens, como na obra
Elaboratorici Elettronici e Controlle Sociale, de Stefano Rodotà, trabalho pioneiro
sobre proteção de dados pessoais publicado em 1973 na Itália.7 Cumpre destacar
com/lgpd-um-novo-regime/. Acesso: 20 set. 2021. MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. Palestra no Webinar
IBERC #2 – A Responsabilidade Civil na Lei Geral de Proteção de Dados. Instituto Brasileiro de Estudos em
Responsabilidade Civil – IBERC, 19 set. 2019. TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo da Guia. Desaf‌ios da
inteligência artif‌icial em matéria de responsabilidade civil. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil,
Belo Horizonte, v. 21, jul./set. 2019, p. 61-86.
3. É possível encontrar visões distintas em um mesmo livro, como é o caso da coletânea sobre os 30 anos do
Código de Defesa do Consumidor, editado por Bruno Miragem, Claudia Lima Marques e Lucia Ancona Lopez.
Guilherme Martins sustenta que “a LGPD, em seu artigo 42, caput, adota um regime de responsabilidade
civil objetiva dos controladores ou operadores que, em razão do exercício ou atividade de tratamento de
dados pessoais, causarem a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legisla-
ção de proteção de dados pessoais”. MARTINS, Guilherme Magalhães. A Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais (Lei 13.709/2018) e a Proteção dos Consumidores. In: MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia
Lima; MAGALHÃES, Lucia Ancona (Coord.) Direito do Consumidor: 30 anos do CDC. Da consolidação
como direito fundamental aos atuais desaf‌ios da sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 431. No mesmo
livro, Bruno Bioni e Daniel Dias sustentam que “o regime de responsabilidade civil adotado pela LGPD é
mesmo subjetivo”. BIONI, Bruno; DIAS, Daniel. Responsabilidade civil na LGPD: construção do regime
por meio de interações com o CDC. In: MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; MAGALHÃES, Lucia
Ancona (Coord.). Direito do Consumidor: 30 anos do CDC. Da consolidação como direito fundamental aos
atuais desaf‌ios da sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 503.
4. BIONI, Bruno; DIAS, Daniel. Responsabilidade civil na LGPD: construção do regime por meio de interações
com o CDC. In: MIRAGEM, Bruno; MARQUES, Claudia Lima; MAGALHÃES, Lucia Ancona (Coord.).
Direito do Consumidor: 30 anos do CDC. Da consolidação como direito fundamental aos atuais desaf‌ios da
sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 513.
5. BODIN DE MORAES, Maria Celina. LGPD: um novo regime de responsabilização civil dito “proativo”.
Civilistica.com, Rio de Janeiro, Editorial, ano 8, n. 3, 2019. Disponível em: http://civilistica.com/lgpd-um-
-novo-regime/. Acesso: 20 set. 2021.
6. BODIN DE MORAES, Maria Celina; QUEIROZ, João Quinelato de. Autodeterminação informativa e res-
ponsabilização proativa: novos instrumentos de tutela da pessoa humana na LGPD. In: Proteção de dados
pessoais: privacidade versus avanço tecnológico. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, outubro
2019.
7. RODOTÀ, Stefano. Elaboratori elettronici e controllo sociale. Bologna: Il Mulino, 1973, p. 85-89.
EBOOK COMENTARIOS LGPD.indb 405EBOOK COMENTARIOS LGPD.indb 405 27/01/2022 09:23:0627/01/2022 09:23:06

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT