Articulação rurais - urbanos e movimentos sociais no cenário baiano da 1ª década do séc. XXI

AutorJoaci de S. Cunha
CargoPós-doutor pelo Programa de Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador - UCSal (2020), onde é professor colaborador
Páginas455-488
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 257, p. 455-488, set./dez. 2022 | ISSN 244 7-861X
ARTICULAÇÃO RURAIS URBANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO
CENÁRIO BAIANO DA 1ª DÉCADA DO SÉC. XXI
Rural-urban articulation and social movements in the bahian scenario of the first decade of the
21st century
Joaci de S. Cunha
Centro de Estudos e Ação Social (CEAS);
Universidade Católica de Salvador (UCSAL), Salvador,BA,
Brasil
Informações do artigo
Recebido em 09/11/2022
Aceito em 09/12/2023
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2022.n257.p4 55-488
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CUNHA, Joaci de S. Articulação Rurais - Urbanos e
movimentos sociais no cenário baiano da 1ª década do
Séc. XXI. Cadernos do CEAS: Revista Crítica de
Humanidades. Salvador/Recife, v. 47, n. 257, p. 455-488,
set./dez. 2022. DOI: https://doi.org/10.25247/2447 -
861X.2022.n257.p455-488
Resumo
O artigo discute os movimentos sociais na primeira década do
século XXI, no cenário dos governos peti stas no Brasil (2003-
2010) -- e “carlista” na Bahia (2000-2010), seguido por governos
do PT --, a partir de uma caracterização socioeconômico baiana.
O objeto de discussão é recortado do contexto mais amplo das
mobilizações sociais, tendo como foco a experiência da
Articulação de Movimentos Sociais Rurais e Urbanos. Esta
Articulação conseguiu envolver em ações ma ssivas na capital e
no interior um conjunto de organizações do campo popular,
unificando pautas de reivindicações urbanas e rurai s; conformou
um sujeito social coletivo, de caráter horizontal, em período
marcado pela fragmentação dos atores sociais, e talvez por isso
teve sua existência abreviada.
Palavras-Chave: movimentos sociais. Sujeitos coletivos.
Governos petistas. Cenário baiano.
Abstract
The article discusses social movements in the fi rst decade of the
twenty-first century, in the context of the "petistas"
governments in Brazil (2003-2010) -- and "carlista" governments
in Bahia (2000-2010), followed by PT governments --, based on
a socio-economic characterization of Bahia. The object of
discussion is cut out from the broader context of social
mobilizations, focusing on the experience of the Articulation of
Rural and Urban Social Movements. This Articulation managed
to involve in massive actions in the cap ital and in the interior of
the state a group of organizations from the popular field,
unifying agendas of urban and rural claims; it formed a collective
social subject, of horizontal character, in a period marked by th e
fragmentation of social actors, and perhaps beca use of this, its
existence was shortened.
Keywords: social movements. Collective subj ects. “Petistas”
governments. Bahian scenario.
Os movimentos sociais são sujeitos políticos fundamentais da sociedade brasileira e
mundial, organizam e impulsionam pessoas para transformarem suas vidas e comunidades,
mobilizam e produzem ideias e conhecimentos, sendo reconhecidos por organizações
internacionais como fontes de inovações e mudanças sociais de reconhecido valor
civilizatório.
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Em nossa perspectiva, movimentos sociais são fo rmas organizativas que possibilitam
ações coletivas de caráter socioespacial e político cultural, viabilizando as diversas maneiras
dos grupos, comunidades e indivíduos expressarem seus pleitos frente ao poder instituído
(em temas como habitação, saúde, meio ambiente, cultura e lazer, econômicos etc.), e suas
visões de mundo ou mesmo responderem às suas demandas de forma auto gestionária em
busca da superação (ou manutenção)1 das desigualdades e injustiças socia is.
Para Pierre Bourdieu (2001, p.19): “A história social ensina que não existe política
social sem um movimento social capaz de impô-la, e que não é o mercado, como se tenta
convencer..., mas sim o movimento social que ‘civilizou’ a economia de mercado...” Ademais,
considera ainda Bourdieu, os movimentos orientam-se para objetivos concretos e
necessários à vida em sociedade, enaltecem a solidariedade (“encarregando-se de todos os
sem”), sendo este um valor fundamental para suas organizações, lutas e ações.
Em termos gerais, os movimentos sociais são vistos a partir de enquadramentos
históricos próprios ao desenvolvimento de uma dada sociedade. No Brasil, observam-se
distintos movimentos, conforme o período que se analisa, sendo os anteriores há 1964 em
muito distintos dos que sucederam ao golpe civil-militar de 64, enquanto os que antecederam
a redemocratização e a Constituição de 1988, também se mostram diferentes daqueles que
viriam em sequência. O mesmo se pode dizer dos movimentos sociais no século XXI, que
apresentam continuidades e mudanças em relação aos do século anterior. Ouso dizer que os
movimentos sociais são adaptáveis a quais circunstân cias e períodos históricos.
Neste artigo, abordamos, ainda que de forma sucinta, algumas questões político-
históricas relativas aos movimentos sociais na primeira década do século XXI. O objeto deste
estudo é a Articulação de Movimentos Sociais Rurais e Urbanos na Bahia, a partir da
conjuntura nacional e baiana no referido decênio, marcada pelos governos do Partido dos
Trabalhadores e pela atração por eles exercida sobre os movimentos sociais, que passaram a
conviver nos espaços institucionais que se abriram. Assim, a relação com o Estado, com as
1 O conceito de movimento social pode variar, conforme a orientação teórica que se adote. Os movimentos
sociais conservadores ou mesmo reacionários, embora tenham cresc ido nos últimos anos, não serão objeto
deste artigo; a respeito deles ver SO LANO, E. 2018, CRUZ, S; KAYSEL; A. CODAS, V. (Orgs.), 2015 e DELGADO,
L. (2005)
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demandas sociais e com as políticas públicas é um parâmetro a ser ressaltado nesta
abordagem.
O pressuposto é que o Estado, desde as últimas décadas do século anterior,
reorientou a sua atuação social para públicos específicos, camuflando ou explicitando
a substituição de políticas universais por políticas focadas, inclusive usando de forma
desvirtuada abordagens multifocais (como raça, etnia, gênero, geração etc.). Desse
modo, o poder púbico reposicionou temáticas essenciais, a exemplo da
‘desigualdade’, que foi deslocada do campo econômico para o social, deixando de
perseguir a sua redução; ou da ‘pobreza’, deixando de abordá-la em termos amplos para
destacar os mais pobres entre os pobres. Assim, estamos em linha com Maria da Gl ória Gonh
(2019), para quem, além disso, o princípio da ‘igualdade’ foi confinado em uma proposição
formal de ‘igualdade de direitos’, e em espaços de ‘participação social’, cujos limites e
alcances estavam dados pela política econômica comandada pelo capital financeiro,
sobretudo sua fração especulativa, em espaços inacessíveis à participação da sociedade.
O Estado, portanto, passou a aportar políticas direcionadas a públicos focados,
compensatórias, típicas do neoliberalismo hegemônico, o que continuou, em maior ou
menor intensidade, nas primeiras décadas do século atual. O resultado desse processo foi a
fragmentação do sujeito coletivo em inúmeras representações isoladas, frágeis ou
manipuláveis. Por esse caminho, o Estado passou a induzir o que cada movimento poderia
reivindicar, sendo as próprias pautas, em muitos casos, definidas a partir dos limites da
política pública neoliberal.
Neste contexto mais amplo é que se insere a Articulação de Movimentos Sociais
Rurais e Urbanos da Bahia, cuja originalidade está, justamente, em tentar romper a
fragmentação do sujeito coletivo, buscando em sua prática unir as inúmeras representações
isoladas, tornar os movimen tos sociais mais fortes e não manobráveis pelo poder institu ído.
Antes de passar à discussão desta experiência dos movimentos sociais baianos,
convém avaliar o cenário regional e histórico dessa atuação. Afinal, na primeira década do
século XXI, o contexto socioeconômico baiano manteve certas características que seguem
marcando as condições de sobrevivência dos trabalhadores, excluídos dos meios de
produção e reprodução da vida tanto no campo quanto nas periferias urbanas. Passemos,
pois, ao mapeamento desses traços específicos da trajetória regional baiana no contexto
mais amplo da sociedade capitalista brasileira.

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