As estratégias de comunicação dos coordenadores do prosavana para a legitimação do programa de cooperação

AutorFernanda Maria Baraúna de Freitas Aragão - Elsa Sousa Kraychete
CargoUFBA
Páginas482-516
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 245, p. 482-516, set./dez., 2018 | ISSN 2447-861X
AS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DOS COORDENADORES DO
PROSAVANA PARA A LEGITIMAÇÃO DO PROGRAMA DE
COOPERAÇÃO
The Communication strategies of the ProSAVANA coordinators to legitimize the
Cooperation Program
Fernanda Maria Baraúna de
Freitas Aragão (UFBA)
Elsa Sousa Kraychete (UFBA)
Informações do artigo
Recebido em 19/07/2018
Aceito em 18/08/2018
doi>: 10.25247/2447-
861X.2018.n245.p429-463
Resumo
O Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana
Tropical de Moçambique (ProSAVANA) tem sido analisado sob diferentes aspectos.
Neste artigo, a proposta é refletir sobre as estratégias de comunicação desenvolvidas
pelos coordenadores do programa com o intuito de legitimá-lo. Criado sob a
justificativa de promover o desenvolvimento agrícola sustentável para melhorar as
condições de vida da população do Corredor de Nacala (norte moçambicano), o
ProSAVANA, celebrado entre Japão, Brasil e Moçambique revela, em essência,
favorecer a expansão do agronegócio na África. Ao incentivar o aumento da
produtividade da produção de alimentos por meio da mecanização e utilização de
agrotóxicos, mostra-se fiel ao projeto de desenvolvimento econômico que é próprio do
sistema capitalista com suas contradições. Desde 2012, estratégias de comunicação e
engajamento têm sido utilizadas para garantir a legitimidade do programa de
cooperação. Em contrapartida, por meio de diferentes ações, cuja maior expressão é a
campanha Não ao ProSAVANA a articulação formada por camponeses movimentos
sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e acadêmicos tem oferecido
resistência. Entretanto, no percurso de luta para propor alternativas e barrar a
concretização do ProSAVANA com benefícios especiais ao agronegócio, os grupos têm
enfrentado problemas como a cooptação de lideranças e a falta de transparência.
Palavras-chave: ProSAVANA. Desenvolvimento. Articulação Social. Sociedade Civil.
Comunicação.
Abstract
The Tripartite Cooperation Program for Agricultural Development of the Tropi cal
Savannah of Mozambique (ProSAVANA) has been analyzed under different aspects. In
this article, the proposal is to reflect on the communication strategies developed by the
coordinators of the program to legitimize it. Created under the rationale of promoting
sustainable agricultural development to improve the living conditions of the Nacala
Corridor (northern Mozambican), ProSAVANA, signed between Japan, Brazil and
Mozambique reveals, verily, favoring the expansion of agribusiness in Africa. By
encouraging the increase of food productivity t hrough the mechanization and use of
pesticides, it is faithful to the project of economic development that is characteristic of
the capitalist system with its contradictions. Since 2012, communication and
engagement strategies have been used to ensure the legitimacy of the cooperation
program. On the other hand, through different actions, whose expression is the
campaign "No to ProSAVANA", the articulation formed by peasants, social
movements, Non-Governmental Organizations (NGOs) and academics has offered
resistance. Meanwhile, in the struggle to propose alternatives and bar the
implementation of ProSAVANA with special benefits to agribusiness, the groups have
faced problems such as cooption of leaders and lack of transparency.
Keywords: ProSAVANA. Development. Social articulation. Civil society.
Communication.
Este artigo é parte da dissertação Vozes de Nacala: uma análise sobre as potencialidades e limites da
articulação contra o Pro-Savana, defendida no Mestrado de Relações /UFBa. A pesquisa empre endida para a
escrita da dissertação foi desenvolvida ao abrigo do projeto de pesquisa O Brasil na coo peração Sul-Sul: a
América do Sul, África e BRICS (FAPESB/CNPQ - 009/2014).
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As estratégias de Comunicação dos Coordenadores do ProSAVANA... | Fernanda Maria B. F. Aragão e Elsa Sousa Kraychete
Introdução
O Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana
Tropical de Moçambique (ProSAVANA ) foi criado sob a justificativa de promover o
desenvolvimento agrícola sustentável, visando melhorar as condições de vida da população
do Corredor de Nacala (norte moçambicano). Celebrado entre Japão, Brasil e Moçambique,
o programa revela, em essência, favorecer a expansão do agronegócio na África. No entanto,
há cerca de cinco anos, uma articulação tem apresentado resistência a essa empr eitada. Por
meio de diferentes ações cuja maior expressão é a campanha Não ao ProSAVANA a
articulação, formada por movimentos sociais, ONGs e sindicados rurais principalmente dos
três países cooperantes tem questionado a estrutura e os objetivos do programa. Defende,
principalmente, a garantia do uso e aproveitamento da terra, a produção agroecológica e a
participação democrática dos pequenos agricultores moçambicanos nas decisões que
afetarão seus modos de vida.
O ProSAVANA foi inspirado no Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o
Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) que, na década de 1970, tran sformou o Centro
Oeste brasileiro em uma das regiões do mundo com maior produção de grãos. Ao mesmo
tempo, contribuiu com a grilagem de terras e a dispersão da população rural que habitava a
área. De forma geral, a proposta do ProSAVANA é promover mudanças na agricultura
moçambicana em uma área de mais de 700 km de extensão entre a cidade d e Nacala Porto
(na costa do Oceano Índico) e os países vizinhos: Zâmbia e Malaui. O ProSAVA NA começou
a ser idealizado em 2009 e teve o primeiro dos três projetos que o comp õem (ProSAVANA
PI, ProSAVANAPD e ProSAVANA-PEM) lançado em 2011. Receosas de que a expulsão da
população, ocorrida no Brasil, na implantação do PRODECER, se repetisse em Moçambique,
as organizações que c ompõem o movimento buscaram informações sobre o projeto,
especialmente, no que toca à ocupação da terra e ao destino dos moradores.
Desde 2012, porém, a busca por compreensão por par te da articulação e dos
camponeses principalmente misturou-se à exper iência de ser alvo das estratégias de
comunicação e engajamento que têm sido usadas para garantir legitimidade para o
ProSAVANA. Por meio da aná lise de documentos oficiais, entrevistas, publicações do
movimento contrário ao programa, além de documentários e produções acadêmicas,
observa-se como a força do discurso sobre o desenvolvimento e a cooptação de lideranças
move, mas também limita a articulação contra o ProSAVANA. Além disso, como a aliança
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com outras lutas contra-hegemônicas e a exigência de acesso à informação têm
potencializado o movimento transnacional.
O objetivo deste artigo é, então, analisar as estratégias de comunicação e
engajamento desenvolvidas pela coordenação do programa para, em nome da participação,
legitimá-lo, sem esquecer, no entanto, que os mecanismos utilizados no caso do ProSAVANA
têm raízes históricas.
Desenvolvimento e participação social
A convocação da sociedade civil organizada para participar da agenda internacional
do desenvolvimento, sobretudo entre as décadas de 1980 e 1990, tem um aspecto que
precisa ser observado: o jogo político envolvendo a influência das ONGs em resoluções de
grandes organizações internacionais. Nesse contexto, é importante pensar como se dá tal
participação e em que medida ela contribui com a construção de consensos em torno das
estratégias de desenvolvimento econômico. Observar o que ocorre no âmbito do Banco
Mundial e da Organização das Nações Unidas (ONU) é importante nesse processo.
O informe da ONU, d e 1994, sobre Desenvolvimento e Cooperação Econômica
Internacional anuncia, claramente, a necessidade de construção de um entendimento
comum sobre o desenvolvimento:
Para fazer frente à tarefa mundial de desenvolvimento é preciso criar uma
consciência comum das múltiplas dimensões do desenvolvimento e uma
melhor apreciação da importância dos distintos protagonistas. Ao criar uma
maior consciência e um consenso mundial se contribui para estabelecer o que
poderia chamar-se cultura do desenvolvimento A definição de uma
cultura do desenvolvimento acarreta mais que o acesso universal a redes de
informação compartilhadas. Como observado, uma cultura do
desenvolvimento faz com que toda ação se considere em sua relação com o
desenvolvimento. Sobre a base desta cultura universal do desenvolvimento,
que está evoluindo rapidamente nos últimos anos do século XX, as Nações
Unidas se convertem em um foro cada vez mais eficaz para estabelecer normas
de conduta universais. (tradução nossa) (NACIONES UNIDAS, 1994, p.30,
grifo nosso)
No entanto, Aragão (2010) chama atenção para o fato de o espaço de participação, no
âmbito das Nações Unidas, não ter sido exclusivo para essas organizações de defesa dos
direitos humanos. Há, no mesmo período, uma aproximação, principalmente por parte de
agências que tinham um direcionamento para o desenvolvimento com o setor privado 
com vistas a uma melhor cooperação e financiamento de suas atividades, tanto por parte dos

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