Como as pessoas decidem (ou como é formada a vontade)

Páginas11-30
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COMO AS PESSOAS DECIDEM
(OU COMO É FORMADA
A VONTADE)1
3.1 MODELOS NORMATIVOS E MODELOS DESCRITIVOS DE
TOMADA DE DECISÕES
Boécio elaborou célebre def‌inição de pessoa como “substância
individual de natureza racional”, que predominou durante toda a
Idade Média e ainda hoje reverbera2.
Como já dito, apesar de permear o próprio conceito de ser hu-
mano, não há def‌inição unívoca do que seria a “natureza racional”.
É fato que os seres humanos são capazes de deliberar sopesando
custos e benefícios melhor do que outras espécies animais em vários
aspectos, mas isso levou a uma aposta muito alta na racionalidade
como base de um modelo adequado da forma como as pessoas tomam
decisões em geral.
Haidt recorda que a f‌ilosof‌ia sempre endeusou a razão como
símbolo da divindade, em oposição à emoção, signo da bestialidade
de que deveriam se afastar os seres humanos. Conquanto no século
XVIII alguns f‌ilósofos ingleses e escoceses, em especial David Hume,
tenham proposto alternativas ao racionalismo, sugerindo que a razão
serviria às emoções, o predomínio da ética kantiana impediu por
muito tempo o desenvolvimento de estudos nessa direção3.
1. Esta seção foi adaptada de artigo que escrevi em coautoria com o orientador Brunello
Stancioli, submetido para publicação na Revista Direito GV sob o título “É preciso dar
um nudge no ‘homem médio’”.
2. BOÉCIO. Escritos (Opuscala Sacra). Trad., intr. e notas Juvenal Savian Filho. São Paulo:
Atlas, 2005, p. 168.
3. HAIDT, Jonathan. The Emotional Dog and Its Rational Tail: A Social Intuitionist
Approach to Moral Judgment. Psychological Review, v. 108, n. 4, p. 815-816. 2001.
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NEURODIREITO E NEGÓCIOS JURÍDICOS •
LudmiLa OLiveira e BruneLLO StanciOLi
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Apostando na prevalência da racionalidade, foram desenvolvi-
dos modelos normativos da tomada de decisão, que propunham que
os indivíduos buscavam maximizar seus benefícios e minimizar seus
custos considerando todas as informações disponíveis, como valores,
probabilidades e utilidades”4. Entre tais modelos, podem ser citadas
a “Teoria do valor esperado”, do matemático Blaise Pascal, e a “Teo-
ria da utilidade esperada”, do matemático John von Neumann e do
economista Oskar Morgenstern, que buscavam determinar critérios
objetivos para retratar o processo decisório humano5.
Entretanto, no cotidiano, dif‌icilmente são encontradas situa-
ções em que é possível identif‌icar todas as opções viáveis e atribuir
utilidade a suas características para então ordená-las em termos de
preferência. Ou seja, nas deliberações diárias, dif‌icilmente os seres
humanos utilizam um modelo normativo para a tomada de decisão6.
Ademais, estudos realizados desde o século passado em várias
áreas vêm revelando que esse modelo de agente racional via de regra
não corresponde à forma como as pessoas deliberam. A partir dessas
constatações, começaram a ser desenvolvidos modelos descritivos,
que visam compreender a forma como de fato seres humanos tomam
decisões, baseados em tendências, inf‌luências e vieses diversos.
Seguindo a divisão proposta no relatório do Banco Mundial
(2015) “Mind, Society, and Behaviour”, pode-se dizer que três ten-
dências orientam, na prática, a tomada de decisões: pensar (e decidir)
automaticamente, socialmente e com modelos mentais7.
4. KLUWE-SCHIAVON, Bruno; GUIMARÃES, Isabela Sallum; MALLOY-DINIZ, Leandro
Fernandes; GRASSI-OLIVEIRA, Rodrigo. Julgamento e tomada de decisões: conceitos
gerais. In: MALLOY-DINIZ, Leandro Fernandes; KLUWE-SCHIAVON, Bruno; GRAS-
SI-OLIVEIRA, Rodrigo (Org.). Julgamento e tomada de decisão. São Paulo: Pearson
Clinical Brasil, 2018, p. 29.
5. KLUWE-SCHIAVON, Bruno; GUIMARÃES, Isabela Sallum; MALLOY-DINIZ, Leandro
Fernandes; GRASSI-OLIVEIRA, Rodrigo. Julgamento e tomada de decisões: conceitos
gerais. In: MALLOY-DINIZ, Leandro Fernandes; KLUWE-SCHIAVON, Bruno; GRAS-
SI-OLIVEIRA, Rodrigo (Org.). Julgamento e tomada de decisão. São Paulo: Pearson
Clinical Brasil, 2018, p. 29-33.
6. KLUWE-SCHIAVON, Bruno et al. Julgamento e tomada de decisões: conceitos gerais.
In: MALLOY-DINIZ, Leandro Fernandes; KLUWE-SCHIAVON, Bruno; GRASSI-O-
LIVEIRA, Rodrigo (Org.). Julgamento e tomada de decisão. São Paulo: Pearson Clinical
Brasil, 2018, p. 34.
7. WORLD BANK. World Development Report 2015: Mind, Society, and Behaviour. Washin-
gton: World Bank, 2015. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/publication/
wdr2015. Acesso em: 26 dez. 2019.
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