A ascensão do plenário virtual: nova dinâmica, antigos poderes

AutorAna Laura Pereira Barbosa, Rubens Glezer
CargoDoutoranda em Direito do Estado e na Universidade de São Paulo (USP), mesma instituição em que obteve a graduação em direito e o mestrado em direito do estado. Pesquisadora do projeto Supremo em Pauta, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. E-mail: laura.barbosa@fgv.br. ORCID: https://orcid. org/0000-0003-1244-6619....
Páginas64-104
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e90220
6464 – 104
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está licenciado sob uma Licença Creative
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atribua a autoria da obra, forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
A ascensão do plenário virtual:
nova dinâmica, antigos poderes
Ana Laura Pereira Barbosa1
Rubens Glezer2
Resumo
O ambiente virtual é uma arena na qual o plenário e as duas turmas do STF realizam julgamentos
assíncronos e remotos. Desde março de 2020, as competências dos ambientes físico e virtual são
idênticas. A expansão das competências dessa arena afetou a dinâmica do STF, e inaugurou uma
nova era no tribunal. Este artigo discute possíveis implicações dessas mudanças para a dinâmica
do tribunal, sobretudo na denição da pauta de julgamento, e para a literatura que se dedica ao
estudo do STF, em três âmbitos: exposição do tribunal, organização dos gabinetes, e ordem de
agregação dos votos. Consideramos que qualquer pesquisa que se debruce sobre essas questões
sofrerá graves distorções caso desconsidere os impactos trazidos pelo ambiente virtual.
Palavras-chave: Plenário virtual; Supremo Tribunal Federal; Denição da agenda.
1. Introdução3
Em março de 2020, os ministros do STF se reuniram com um desao a en-
frentar: como compatibilizar a continuidade de suas atividades com o iso-
lamento social decorrente da pandemia de Covid-19? A solução foi aprovar
uma resolução que expandia as competências do ambiente virtual, conhe-
1 Doutoranda em Direito do Estado e na Universidade de São Paulo (USP), mesma instituição em que obteve a
graduação em direito e o mestrado em direito do estado. Pesquisadora do projeto Supremo em Pauta, da Escola
de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. E-mail: laura.barbosa@fgv.br. ORCID: https://orcid.
org/0000-0003-1244-6619.
2 Doutor em Teoria do Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito e Desenvolvimento
(FGV-SP). Professor da FGV Direito SP e Coordenador do Supremo em Pauta, da FGV Direito/SP. E-mail: rubens.
glezer@fgv.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4570-6280.
3 Agradecemos a Luiz Fernando Gomes Esteves pela leitura de versão preliminar deste artigo.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 21 - Nº 52 - Set./Dez. de 2022
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cido como “plenário virtual”4. Essa expansão de competências permitiu
que qualquer tipo de ação fosse julgado pelos colegiados do tribunal de
modo remoto, sem um encontro simultâneo e síncrono entre os ministros.
Mas a mudança, na verdade, foi o ápice de um processo de progressiva
expansão de competências do ambiente virtual que vinha acontecendo,
com menor repercussão na imprensa e na academia, desde 2016. O am-
biente virtual, que não se confunde com o julgamento por videoconferên-
cia, consiste em uma arena de julgamentos assíncronos e remotos que existe
paralelamente aos julgamentos físicos. Desde março de 2020, o ambiente
virtual possui competência para decidir as mesmas matérias que poderiam
ser pautadas e julgadas no ambiente físico. Na prática, essa equiparação
instituiu uma nova arena decisória que concorre com o ambiente físico,
mas que possui inovações procedimentais.
Este artigo pretende descrever essas inovações procedimentais e dis-
cutir quais são suas consequências para a agenda de estudos sobre STF.
Nos últimos anos, uma profícua literatura empírica e normativa se voltou
a estudar o desenho institucional do STF, sua dinâmica e seu processo
decisório. Esses estudos permitiram o diagnóstico de um tribunal com in-
tensa exposição midiática, individualizado, com uma jurisprudência pou-
co constante e pauta pouco previsível5. O ambiente virtual já chamou a
4 Este artigo utilizará o termo ambiente virtual em referência à ferramenta que viabiliza votações remotas nas tur-
mas e no plenário. O termo plenário virtual só será utilizado em referência específica às deliberações do plenário
em sessão virtual ou em referência ao ambiente virtual antes de 2016. Como será discutido, desde 2016, tanto
as turmas quanto o plenário possuem um ambiente virtual correspondente. Por isso, apesar de o termo plenário
virtual ser difundido, é mais adequado falar em ambiente virtual como expressão genérica que abarca tanto as
arenas virtuais das turmas quanto a do plenário.
5 Sobre o individualismo decisório na pauta do tribunal e nas monocráticas, cf. Arguelhes e Hartmann, 2017;
Arguelhes e Ribeiro, 2018a, 2018b; Oliveira, 2012; Dimoulis e Lunardi, 2008; Godoy, 2021a; Gomes Neto, Lima
e Oliveira, 2019; Hartmann e Ferreira, 2015; Pereira, Arguelhes e Almeida, 2020; Esteves, 2022; Barbosa, 2020;
Dos Reis e Meyer, 2021. Sobre individualismo decisório no tribunal, de modo geral, cf. Almeida e Bogossian,
2016; Godoy, 2021b; Klafke e Pretzel, 2014; Mendes, 2013; Silva, 2015, 2013. Para o perfil decisório do tribu-
nal, a expansão de seu poder e a judicialização da política, cf. Arantes, 2005, 2015; Arguelhes e Ribeiro, 2016;
Canello, 2016; Da Ros, 2007; Falcão, Cerdeira e Arguelhes, 2012; Glezer, 2020; Oliveira e Madeira, 2021; Taylor,
2008; Taylor; Da Ros, 2008; Verissimo, 2008; Vieira, 2008. Sobre a agregação de votos individuais e previsão de
posicionamentos, cf. Oliveira, 2012; Martins, 2018; Silva, J.M., 2018. Sobre a dificuldade de formação de prece-
dentes no tribunal, cf. Barboza, 2014; Leal, 2015; Santana e Langenegger, 2014; Vojvodic, Machado e Cardoso,
2009. A respeito da exposição do tribunal, cf. Arguelhes, Oliveira e Ribeiro, 2014; Falcão e Oliveira, 2013. Para
a relação entre o tribunal e a opinião pública, cf. Falcão e Oliveira, 2013. Para um panorama mais aprofundado
das pesquisas envolvendo STF, cf. Da Ros, 2017.
A ascensão do plenário virtual: nova dinâmica, antigos poderes | Ana Laura Pereira Barbosa, Rubens Glezer
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atenção da literatura desde seu surgimento6. Mas sua expansão dá outros
contornos aos diagnósticos da literatura7, ao moldar uma nova dinâmica
para que atores conhecidos exerçam poderes que também já existiam.
O artigo está dividido em cinco seções. A primeira delas é a intro-
dução. Na segunda seção, descrevemos a expansão das competências do
6 Antes do início da expansão das competências do ambiente virtual, destaca-se o trabalho de Medina (2014).
7 Desde 2016, diversos acadêmicos vêm mapeando as regras e antecipando possíveis implicações da progressiva
ampliação do ambiente virtual. Logo no início da expansão, vale mencionar o trabalho de Passos (2016sob o
viés do meio eletrônico de \njulgamento e do fenômeno de incremento dos poderes do relator, a partir do \
ndesenho institucional vigente do plenário virtual e da gradativa ampliação de sua \ncompetência. Estrutura-se
numa análise do perfil consolidado pelo tempo do instituto \nda repercussão geral vigente no Brasil. Observa-
-se de modo crítico o desenho do \nplenário virtual, as emendas regimentais que o regulam e as inovações
introduzidas \npelo Código de Processo Civil de 2015 sobre o tema. Busca-se apurar as raízes e a \ntendência
de mitigação do princípio do julgamento colegiado e a ampliação dos \npoderes do relator. Estudam-se os
poderes concedidos ao relator pelo Código de \nProcesso Civil de 2015 e o movimento interno no Supremo
no sentido da diminuição \ndas competências do Plenário presencial, com a consequente transferência de-
las ao \nplenário virtual. A metodologia utilizada foi a revisão da bibliografia atinente ao tema.”,”event-plac
e”:”Brasília”,”genre”:”Dissertação de mestrado”,”language”:”por”,”license”:”Open Access”,”note”:”Accepted:
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progressiva concentração de poderes do relator no Supremo Tribunal Federal diante do desenho institucional e
da ampliação de competência do plenário virtual”,”title-short”:”Repercussão geral da questão constitucional e
o meio eletrônico de julgamento”,”URL”:”https://repositorio.idp.edu.br//handle/123456789/2908”,”author”:[{
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o viés do meio eletrônico de \njulgamento e do fenômeno de incremento dos poderes do relator, a partir do \
ndesenho institucional vigente do plenário virtual e da gradativa ampliação de sua \ncompetência. Estrutura-se
numa análise do perfil consolidado pelo tempo do instituto \nda repercussão geral vigente no Brasil. Observa-
-se de modo crítico o desenho do \nplenário virtual, as emendas regimentais que o regulam e as inovações
introduzidas \npelo Código de Processo Civil de 2015 sobre o tema. Busca-se apurar as raízes e a \ntendência
de mitigação do princípio do julgamento colegiado e a ampliação dos \npoderes do relator. Estudam-se os
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las ao \nplenário virtual. A metodologia utilizada foi a revisão da bibliografia atinente ao tema.”,”event-plac
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progressiva concentração de poderes do relator no Supremo Tribunal Federal diante do desenho institucional
e da ampliação de competência do plenário virtual”,”title-short”:”Repercussão geral da questão constitucional
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”:[[“2016”]]}}}],”schema”:”https://github.com/citation-style-language/schema/raw/master/csl-citation.json”}e
declarações de Damares Medina (CANÁRIO, 2016). Analisando modificações mais recentes, cf, dentre outros,
Alvim, 2020; Barbosa e Esteves, 2020; Bastos, 2021; Glezer e Barbosa, 2022; Godoy, 2021b; Godoy e Araújo,
2020; Passos, Santos e Oliveira, 2021; Pereira e Arguelhes, 2020; Seifert, 2021b; Seifert e Castro, 2021.

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