Democratização ou assimetria da representação: notas sobre os Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional

AutorJoana Tereza Vaz de Moura, Lorena Madruga Monteiro
CargoProfessora do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal). - Mestre e doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre).
Páginas115-150
Artigo
Democratização ou assimetria
da representação: notas sobre os
Conselhos Estaduais de Segurança
Alimentar e Nutricional
Joana Tereza Vaz de Moura*
Lorena Madruga Monteiro**
Resumo
Os conselhos são inovações institucionais que se estruturam de modo a
incorporar representantes da sociedade civil e do Estado. O objetivo desse
artigo é discutir a representação política de organizações sociais nesses
espaços. Trabalhou-se com a hipótese de que representantes, muitas vezes,
se distanciam tanto da base que podem acabar se transformando numa
espécie de elite. Questionou-se se apenas a estrutura e os mecanismos
democráticos formais desses espaços garantem por si só um padrão plural
aos representantes e às práticas de representação, ou se perpetua, através
dos recursos sociais e políticos desses representantes, uma representação
assimétrica entre as demandas das bases e as suas próprias atuações.
Palavras-chave: conselhos, elites, representação.
Introdução
Este estudo analisa a problemática da representação política em
dois conselhos estaduais a partir de um questionamento que
está presente em praticamente todos os estudos sobre os novos
espaços de participação social: se eles realmente “democratizam
a democracia1” ou se produzem uma assimetria na representação,
* Professora do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (Natal). Endereço eletrônico: joanatereza@gmail.com.
** Mestre e doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (Porto Alegre). Endereço eletrônico: lorena.madruga@bol.com.br.
1 Referencia-se aqui o título do famoso livro organizado por Boaventura de
Sousa Santos Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa,
editado em 2002, por realçar esses espaços como capazes de reconstruir a
116 p. 115 – 150
Volume 9 – Nº 16 – abril de 2010
seja caracterizada pela falta de comprometimento do representante,
seja pela discrepância entre interesses dos representantes e dos re-
presentados, ou pelas características dos representantes que podem
reproduzir uma relação de poder baseada em diferenças culturais,
políticas, sociais ou econômicas.
Acredita-se que a reflexão proposta seja pertinente para no-
vos estudos sobre representação política, já que procura entender
como os representantes atuam em favor dos representados e em
que medida essas ações estão em consonância com os interesses
destes ou se, ao contrário, existe a concentração do poder por
parte de um pequeno grupo no interior dos conselhos, gerando,
por vezes, certo distanciamento das demandas da base. Em outras
palavras, trata-se de trazer para o debate sobre os conselhos uma
nova problemática, considerando-os enquanto lócus de uma nova
forma de representação política, cujas características essenciais
são: a participação individual, coletiva e voluntária, e a escolha de
representantes através de processos variados – eleições, indicações,
fóruns (LUCHMANN, 2007).
Em outro momento (MOURA, 2009), já se havia apontado
para o fato de que, de forma geral, a representação política exerci-
da por atores da sociedade civil é coletiva e ocorre através de um
conglomerado heterogêneo de organizações, que atuam em nome
de segmentos específicos, diferindo da representação de interes-
ses pessoais ou de indivíduos. Essas entidades possuem formatos
organizacionais os mais variados e relações com seus públicos nem
sempre explícitas ou claras, por vezes apenas simbólicas.
Isso posto, uma hipótese que parece bastante razoável so-
bre o que acontece no espaço dos conselhos é que representantes
das diversas organizações que neles participam, muitas vezes, se
distanciam da base e podem acabar se transformando numa nova
elite política ou, mais que isso, muitas vezes, os conselhos são com-
postos por “personalidades”2 que não têm uma organização que
democracia participativa a partir da luta contra a trivialização da cidadania e
em prol de uma vida democrática de alta intensidade.
2 Os Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional são compostos pela
representação de especialistas, pesquisadores e profissionais que atuam na
117
p. 115 – 150
Joana Tereza Vaz de Moura Lorena Madruga Monteiro
Democratização ou assimetria da representação:
notas sobre os Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional
Artigo
as sustente, descaracterizando o conceito de representação. Nesse
sentido, é de se supor que em muitos conselhos acaba ocorrendo
um processo de assimetria da representação.
Como base empírica, tomaram-se como referência dois
Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional – o do
Rio Grande do Sul e o do Ceará – ambos criados em 20033 e tendo
como especificidade a composição majoritária de organizações
da sociedade civil (1/3 de representantes do poder público e 2/3
de representantes da sociedade civil), o que qualifica o debate em
torno da representação4. Trata-se, portanto, de uma análise crítica
do funcionamento desses conselhos, problematizando a questão
da representação através dos representantes das mais variadas
organizações que os compõem. Acredita-se, nesse sentido, que tal
esforço analítico permitirá compreender mais aspectos relacionados
à representação desenvolvida por atores da sociedade civil nesses
novos espaços de debate sobre políticas públicas.
A escolha por analisar os Conselhos de Segurança Alimentar
desses estados federativos deve-se ao fato de ambos apresentarem
certa consolidação na sua estrutura e dinâmica de funcionamento,
terem em sua composição membros com trajetórias diversas e apre-
sentarem algumas distinções que auxiliam no momento de proceder
a uma análise comparativa. Dessa forma, não se pretende estigma-
tizar a região Nordeste como atrasada e não participativa e um Sul
como participativo e moderno, uma vez que se encontram tanto
municípios pouco participativos no Sul, quanto municípios bastante
ativos no Nordeste do Brasil (AVRITZER, 2007). Entretanto, com
área temática específica. Isso chama a atenção porque se refere a indivíduos,
ou seja, dá-se ênfase a um atributo pessoal, que não necessariamente tem o
sentido de representação de entidades. Fere-se, assim, segundo teorias, o
princípio básico da representação social, que é a escolha de representantes
de instituições que devem ser eleitos entre seus pares.
3 O Consea Nacional foi criado em 1993, porém destituído em 1994 para dar
lugar ao Programa Comunidade Solidária, sendo recriado em 2003. Os Conseas
estaduais e municipais foram criados a partir de 2003, impulsionados pelo
Consea Nacional.
4 Com exceção dos Conselhos de Saúde, que têm a composição partilhada
entre usuários, técnicos e poder público, os demais conselhos são paritários,
ou seja, são compostos por ½ de representantes do poder público e ½ de
representantes da sociedade civil.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT