Lesão nos contratos

AutorAlessandra Cristina Furlan/Marcos Marcelo Watzko/Rafael Henrique Torres
CargoMestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) Campus Londrina/Arapongas/Acadêmicos do 4º ano de Direito, voluntários do Programa de Iniciação Científica da UNOPAR/Acadêmicos do 4º ano de Direito, voluntários do
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1 Introdução

O homem é um sujeito de necessidades e são estas necessidades que irão determinar o seu comportamento no meio em que vive, uma vez que elas o impulsionam a praticar atos tendentes a satisfazê-las. É na procura por bens e serviços aptos à satisfação de suas necessidades que as pessoas trocam, compram e vendem, constroem, trabalham e até mesmo roubam, no intuito de satisfazerem seus anseios.

Ocorre que muitas das necessidades inerentes ao ser humano não podem ser por ele próprio cumpridas, são necessidades que encontram sua satisfação somente em outra pessoa. No livro Ética a Nicômaco, Aristóteles (2000) explica que a união dos homens ocorre em razão da procura por bens, afirmando que não haveria associação se não houvesse troca.

Assim sendo, o negócio jurídico nada mais é do que um instrumento de trocas econômicas apto a satisfazer necessidades concretas.

Outrossim, é possível perceber quão útil é o contrato para a sociedade: se por um lado, permite a satisfação de necessidades, operando a circulação de riquezas, por outro lado, constitui um instrumento privilegiado por seu modo de formação, uma vez que se aperfeiçoa com o encontro de duas ou mais vontades, permitindo que as pessoas possam livremente estipular o conteúdo de suas transações.

O contrato não deve ser tutelado pelo Direito somente porque ele desenvolve uma função socialmente útil ou porque garante a liberdade dos indivíduos. Para merecer o amparo legal, deve estar em conformidade com os ditames da justiça, a qual está na igualdade entre as prestações.

Já dizia Aristóteles que a justiça nas transações é uma espécie de igualdade e a injustiça nessas relações é uma espécie de desigualdade. Perda e ganho procedem das operações efetuadas entre patrimônios. (ARISTÓTELES, 2000, p. 1132b15-1132b20).

A esta espécie de justiça, que incide nas trocas efetuadas entre patrimônios, Aristóteles deu o nome de Justiça Comutativa ou Corretiva, a qual determina que aquele que retira um valor do patrimônio de outrem ao adquirir-lhe um certo objeto deve restituir o equilíbrio, repondo o equivalente, para que se mantenha ou restabeleça valor o estado de coisas preexistente entre ambos sobre uma base de igualdade.

É este o sentido que deve ser atribuído à justiça contratual: de que o contrato não venha a ferir o equilíbrio que havia anteriormente entre os patrimônios, de modo que cada qual receba o equivalente ao que tenha dado. À justiça comutativa, submetem-se todos os contratos bilaterais, pois têm como fundamento a idéia de reciprocidade de prestações, o sinalagma, e por conta disso é da própria essência dos mesmos que sejam rescindidos quando as prestações se apresentem desiguais.

A eqüidade deve reinar nas convenções, donde se segue que nos respectivos contratos em que um dos contratantes dá ou faz qualquer coisa para receber em troca qualquer outra coisa como prêmio do que dá ou faz, a lesão que sofre um dos contratantes, mesmo quando o outro não tenha recorrido a nenhum artifício para enganar, é suficiente só por si para tornar os

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contratos viciosos. Porque a eqüidade em matéria de comércio consiste na igualdade, e desde que a igualdade é ferida e que um dos contratantes dá mais do que recebe, o contrato é vicioso porque infringe a eqüidade que nele deve reinar (RIPERT, 2002, p. 121).

Para a consecução deste ideal, consiste a lesão contratual em um recurso técnico para o restabelecimento da justiça contratual. E restabelecer a justiça contratual é o objetivo da previsão do instituto no ordenamento pátrio.

2 Conceito

A lesão contratual nasceu sob o signo da eqüidade e por todo lugar onde ocorre afirma, sobretudo regra moral, a equivalência de prestações. Foram estes os ideais que determinaram o surgimento e desenvolvimento deste instituto e que continuam inspirando a mente daqueles que vêem na igualdade entre as prestações uma condição objetiva para a validade do próprio contrato.

Dois são os princípios que dão forma e conteúdo ao instituto:

1) o princípio da boa-fé objetiva, que consiste no dever de lealdade mútua entre os contratantes, devendo as partes proceder de maneira idônea, sem a intenção de lesar o patrimônio da contraparte (dever moral de não enganar a outrem);

2) o princípio da equivalência, que se refere ao equilíbrio material das prestações intercambiadas. Ante estas alegações, é possível, preliminarmente, conceituar a lesão como a desproporção objetiva entre as prestações de um contrato bilateral, ou a perda patrimonial experimentada por uma das partes (ocasionada por uma), devida a uma falta de equivalência existente entre as prestações intercambiadas. Trata-se de uma definição centrada no elemento objetivo do instituto, que vê na desigualdade entre as prestações o único elemento necessário para fazer cair o contrato.

Nesse sentido, Pereira (1994 apud VENOSA, 2003, p. 507) conceitua a lesão como "o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes".

Ocorre, para Becker (2000, p. 85), porém, que um conceito de lesão apoiado unicamente em um elemento objetivo, a mera desproporção entre as prestações, pode prestar-se a deturpações não condizentes com o escopo do instituto, pois permite que seja invocada, em regra com má-fé, por quem não tenha sido explorado pela contraparte, perturbando, assim, a segurança e a lealdade que devem ser observadas no tráfico jurídico.

Em virtude dos inconvenientes trazidos por uma concepção estritamente objetiva, constata-se uma certa tendência nos ordenamentos jurídicos de incorporar ao conceito de lesão um elemento novo, subjetivo, o qual consiste no aproveitamento, por parte do contratante beneficiado, da situação de inferioridade vivida pela outra parte.

Adotando uma concepção subjetiva, Rizzardo (1983, p. 69) conceitua a lesão como: O negócio defeituoso em que uma das partes, abusando da inexperiência ou da premente necessidade da outra, obtém vantagem manifestamente desproporcional ao proveito resultante da prestação, ou exageradamente exorbitante dentro da normalidade.

Não basta pois, o elemento objetivo, sendo necessário o elemento de índole subjetiva, o qual se configura na exploração do estado de fraqueza da parte prejudicada, que pode ser expressa pela leviandade, inexperiência ou pela necessidade contratual.

3 Lesão: Pressuposto, Elemento e Requisito

Quando se trata da caracterização da lesão, os autores costumam usar de forma indiscriminada os termos elemento e requisito. Theodoro Júnior (2000, p. 31), por exemplo, estabelece a existência de dois "elementos", um objetivo e outro subjetivo.

Becker (2000, p. 85-129), por sua vez, coloca cinco "requisitos" para a lesão nos contratos:

  1. desproporção entre as prestações deve ser concomitante à formação do contrato;

  2. negócio jurídico cuja natureza jurídica pressuponha relação de equivalência entre prestações;

  3. falta de equivalência entre as prestações;

  4. o aproveitamento da situação de inferioridade pelo contratante beneficiado;

  5. a situação de inferioridade do contratante prejudicado.

Não haveria problemas em utilizar o termo requisito ou o termo elemento. Surgiria, no entanto, certa imprecisão, no caso de se colocar todos estes requisitos ou elementos num mesmo nível. Ora, alguns são de maior importância para a existência da lesão, fazendo parte da própria essência do instituto; por outro lado, outros aparecem apenas na lesão qualificada e mesmo dentro da lesão qualificada, há diferenciação entre as legislações, com requisitos diferentes para sua caracterização. Ainda, outros destes "requisitos ou elementos" não fazem parte do instituto, sendo somente condição para que a lesão possa se formar.

Assim, embora não haja maiores problemas em denominá-los todos requisitos ou elementos, é preciso que se atente ao fato de que não seria correto colocar todos num mesmo plano. Por tal razão, neste trabalho, em nome de uma maior clareza e precisão técnica, diferenciar-se-ão pressuposto, elemento ou requisito.

Por amor à precisão técnica, diferenciam-se pressuposto, elemento e requisito. O "pressuposto" está ligado à existência de algo; o "elemento" à matéria-prima, aquilo que forma algo (tanto que os filósofos pré-socráticos denominavam elemento àquilo que dava origem às coisas) e, enfim, requisito traz a noção do que se exige para atingir certo fim e certos efeitos.

Em suma, é possível diferenciar: pressuposto de existência, o que permite a formação da lesão sem que, no entanto, faça parte dela; elemento de formação ou elemento objetivo, o que essencialmente forma a lesão; e requisitos para a caracterização ou requisitos subjetivos - as demais exigências que, fazendo parte da lesão, não são elementos essenciais.

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Analisa-se, enfim, cada um destes itens nos tópicos seguintes: pressuposto de existência, elemento objetivo e requisitos subjetivos.

3. 1 Pressuposto de existência

Somente a partir de um pressuposto, pode-se discutir se a lesão existe ou não em um...

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