Atividades essenciais no contexto da Pandemia da Covid-19 e a centralidade do trabalho digno

AutorMaíra Guimarães Araújo de la Cruz, Renata Queiroz Dutra
CargoMestranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Juíza do Trabalho do TRT da 5ª Região. / Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Professora Adjunta de Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Brasília.
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2021.79437
1414 – 40
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Atividades essenciais no contexto
da pandemia da Covid-19 e a
centralidade do trabalho digno
Maíra Guimarães Araújo de la Cruz
Renata Queiroz Dutra
Resumo
A pandemia da covid-19 ocasionou uma crise sanitária global, com graves desdobramentos para a
vida humana e para a economia mundial. Para a satisfação de necessidades básicas da coletividade,
algumas atividades, por força da sua essencialidade, continuaram a ser exercidas. A indetermina-
ção do conceito jurídico de atividade, historicamente relevante para o direito coletivo do trabalho,
mas que passou a adquirir novos sentidos com a pandemia, favoreceu uma desenfreada edição de
normas jurídicas durante a pandemia, que são problematizadas nesse artigo. A análise considera o
paradoxo da racionalidade neoliberal, que, embora lastreada na suposta perda da centralidade do
trabalho humano, aliou-se, no caso brasileiro, a uma política de governo que reputou essenciais
para o bem-estar da coletividade inúmeras atividades, sem, contudo, prestigiá-las com a contrapar-
tida suciente para o risco que os prossionais nelas engajados enfrentam.
Palavras-chave: Trabalho. Dignidade. Atividades Essenciais. Coletividade. Pandemia.
1 Introdução
A pandemia da covid-19 ocasionou uma crise sanitária global, com
graves desdobramentos para a vida humana e para a economia mundial.
Entre as medidas de enfrentamento à pandemia, uma das mais eca-
zes, e, por isso, adotada em quase todos os países do mundo, é o isolamen-
to social, com determinação de permanência das pessoas em suas casas,
a m de se evitarem aglomerações e, portanto, focos de contaminação.
O seu sucesso está associado à capacidade de o Estado assegurar e exigir
dos empregadores que garantam rendimento aos trabalhadores, a m de
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 20 - Nº 48 - Mai./Ago. de 2021
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tornar viável a subsistência destes durante o período de restrição da circu-
lação pública, o que encontra grandes desaos em sociedades nas quais a
precarização das relações de trabalho, com crescimento da informalidade e
insegurança nos vínculos de emprego, é elevada.
Tais medidas, ainda que necessárias à preservação da vida – bem jurí-
dico maior a ser preservado –, implicaram inevitáveis impactos econômi-
cos para a sociedade, com fechamento de estabelecimentos empresariais,
dispensas em massa e redução das atividades econômicas.
Para a satisfação de necessidades básicas da coletividade, algumas ativi-
dades, por força da sua essencialidade, continuaram a ser exercidas. Dentro
dessa chave, abrem-se inúmeros debates relevantes, relacionados ao con-
ceito de essencialidade e às contrapartidas necessárias aos trabalhadores
cujo engajamento em atividades essenciais implica não apenas restrições ao
exercício do direito de greve, à fruição de domingos e feriados, à limitação
de jornada, passando a se confundir com a imperatividade de exposição da
própria saúde – e de seus familiares – no contexto da pandemia.
Diante dessas questões, a necessidade de se denir quais são as ativi-
dades efetivamente essenciais à sociedade consiste no objeto desse artigo.
A excepcionalidade do contexto pandêmico e das medidas necessárias
para contê-lo, bem como o trato político do Poder Executivo com a crise
não encontraram respaldo no marco legal brasileiro para as atividades es-
senciais. O que se viu, nos últimos meses, foi uma grande produção legisla-
tiva, classicando inúmeras atividades como essenciais, com o propósito de
se legitimar tanto a imprescindibilidade da sua execução, como a própria
exposição ao risco de contaminação desses trabalhadores que atuam, dire-
tamente, no enfrentamento da covid-19.
A indeterminação do conceito jurídico de atividade essencial favo-
receu, pois, uma desenfreada edição de normas jurídicas durante a pan-
demia, desnudando o paradoxo da racionalidade neoliberal que lhes tem
conferido sustentação, já que, embora lastreada na perda da centralidade
do trabalho humano, no discurso do empreendedorismo em substituição
ao trabalho regulado, na valorização do individualismo em detrimen-
to da solidariedade, classica, por outro lado, como essenciais inúmeras

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