Os atos unilaterais à luz da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça

AutorLeonardo Nemer Caldeira Brant, Bruno de Oliveira Biazatti
Ocupação do AutorDoutor em Direito Internacional pela Université Paris X Nanterre, com tese laureada com o Prix du Ministère de la Recherche. Jurista Adjunto na Corte Internacional de Justiça ? CIJ. Membro do Comitê Consultivo para Nomeações do Tribunal Penal Internacional ? TPI. Professor associado de Direito Internacional Público da Universidade Federal de ...
Páginas301-344
Os atos unilaterais à luz da
jurisprudência da
Corte Internacional de Justiça
Leonardo Nemer Caldeira Brant1
Bruno de Oliveira Biazatti2
INTRODUÇÃO
Diferente do Direito interno dos Estados, o Direito Internacional se
desenvolve num ambiente político-jurídico marcado pela inexistência
de um poder legislativo e administrativo central.3 Na sociedade interna-
1 Doutor em Direito Internacional pela Université Paris X Nanterre, com tese lau-
reada com o Prix du Ministère de la Recherche. Jurista Adjunto na Corte Inter-
nacional de Justiça – CIJ. Membro do Comitê Consultivo para Nomeações do
Tribunal Penal Internacional – TPI. Professor associado de Direito Internacional
Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Uni-
versidade Católica de Minas Gerais. Professor convidado na Université Paris X,
no Institut des Hautes Études Internationales da Université Panthéon-Assas Paris
II, na Université Caen Basse-Normandie, e no XXXVII Curso de Direito Interna-
cional da OEA. Visiting Fellow no Lauterpacht Center da Cambridge University.
Presidente e fundador do Centro de Direito Internacional – CEDIN. Editor Chefe
do Anuário Brasileiro de Direito Internacional – ABDI.
2 Mestre e Doutorando em Direito Internacional Público pela UFMG.
3 ROMANO, Cesare. “e shi from the consensual to the compulsory paradigm
in international adjudication: elements for a theory of consent”, International Law
and Politics, Nova York, Vol. 39, p.791-872, 2007, p.797.
302
Arno Dal Ri Júnior e Lucas Carlos Lima
cional, Estados e organizações internacionais convivem e cooperam de
forma horizontal, visando garantir sua coexistência, colaboração com
seus pares e efetivação de seus respectivos interesses. Nesse contexto, a
igualdade soberana dos Estados e a descentralização social dos sujeitos
que compõem a sociedade internacional têm como consequência prin-
cipal a não subordinação dos Estados a uma ordem institucional a eles
superior e deles não decorrente.4
À luz dessa conjuntura social única, o poder de produzir o Direito
está em larga medida difuso no conjunto do corpo social internacional,
de forma que o processo de criação das normas internacionais seja des-
centralizado e suas fontes sejam múltiplas e variáveis.5 Essa lacuna insti-
tucional na formação do Direito Internacional deu ensejo a um regime
de produção normativa no qual o Estado, o principal ator internacional,
seria o autor da norma e dirigiria esta, essencialmente a si próprio.6
Não é surpresa que os atos unilaterais emanados dos Estados sejam
capazes de gerar efeitos jurídicos.7 O sistema normativo internacional
admite que obrigações sejam contraídas pelos Estados através de uma
manifestação unilateral e inequívoca de vontade.8 Contudo, declarações
capazes de criar efeitos jurídicos são muito especícas9 e compreendem
apenas aquelas feitas publicamente, manifestando a intenção do seu au-
4 BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. “Fundamentos da existência e validade do
direito internacional”, Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizon-
te, n. 62, p.366-403, 2013, p.367-368[BRANT].
5 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar, 7ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 2000, p.1.
6 BRANT, nota supra 5, p.367-368.
7 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Humanização do Direito Interna-
cional, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2015, p.60.
8 Ibid.
9 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Caso dos Testes Nucleares, Austrália
v. França, C.I.J. Rec.1974, p.267 [Caso dos Testes Nucleares].
303
A jurisprudência da Corte Internacional de Justiça
tor de vincular-se ao conteúdo da declaração e cujos efeitos legais não
dependam da conduta de outros sujeitos internacionais.10 Esse conceito
demonstra que o principal efeito dos atos unilaterais é criar obrigações
juridicamente exigíveis ao seu autor, dispensado da necessidade de r-
mar qualquer acordo de vontade com outros sujeitos internacionais.11
A unilateralidade do ato se assenta na sua natureza essencialmente não
sinalagmática, de forma a criar efeitos obrigacionais ao Estado autor
vis-a-vis um Estado terceiro que não participou da sua formulação.12
Assim, os efeitos vinculantes dos atos unilaterais não estão condicio-
nados à participação, aceitação ou qualquer outra reação indicativa de
aprovação por este terceiro Estado.13
Nesse prisma, o presente estudo almeja identicar os elementos
constitutivos e os efeitos das declarações unilaterais dos Estados capazes
de criar obrigações jurídicas. Para tanto, dar-se-á destaque especial às
decisões da Corte Internacional de Justiça (CIJ) lidando com a matéria.
10 Denição criada principalmente a partir de duas fontes: COMISSÃO DE DI-
REITO INTERNACIONAL. “Princípios orientadores aplicáveis às declarações
unilaterais dos Estados, capazes de gerar obrigações jurídicas”, Yearbook of the
International Law Commission, 2006, vol. II, Parte II, p.370 [Princípios da CDI
Aplicáveis às Declarações Unilaterais dos Estados]; GONZÁLEZ CAMPOS, Julio
D. et al. Curso de Derecho Internacional Publico, Editorial Civitas: Madri, 1998,
p.130.
11 SKUBISZEWSKI, Krzysztof. “Les Actes Unilatéraux des Etats”, p.231. In BED-
JAOUI, Mohammed (org.). Droit International: Bilan et perspectives, Vol.1,
Paris: Pedone, 1991[SKUBISZEWSKI]; RIVIER, R aphaële. Droit International
Public, 2ª ed., Paris: Presses Universit aires de France, 2013, p.193.
12 COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL, “Quinto Relatório sobre Atos
Unilaterais dos Estados”, elaborado pelo Relator Especial Víctor Rodríguez Ce-
deño, UNDoc.A/CN.4/525, 4 e 17 de abril e 10 de maio de 2002, p.101[Quinto
Relatório da CDI sobre Atos Unilaterais].
13 Ibid.; DAILLIER, Patrick ePELLET, A lain. Droit International Public, 7ª ed., Pa-
ris: LGDJ, 2002, p.360[DAILLIER ePELLET].

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT