A aurora da vida e a infância perdida? um breve estudo sobre as idades mínimas para o direito do trabalho

AutorHomero Batista Mateus da Silva
Páginas108-119

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Introdução

Celebra-se ainda hoje o avanço social representado pela fixação da idade mínima para ingresso no mercado de trabalho aos dezesseis anos, desde a Emenda Constitucional
n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que retificou patamares inferiores da redação original da Constituição Federal de 1988.

No entanto, há muito mais a ser feito em matéria de idades mínimas para o desenvolvimento de um contrato de trabalho e para o desempenho de algumas atividades particularmente penosas, insalubres ou perigosas.

Assim sendo, este artigo propõe um estudo diferenciado, em que o foco das atenções é deslocado para a questão das idades mais recomendadas para a inserção da criança e do adolescente numa relação de emprego.

Essa preocupação não passou despercebida à Organização Internacional do Trabalho. A Convenção n. 138 é, justamente, dedicada ao tema das idades mínimas, ao contrário da Convenção n. 182, que se concentra na necessidade da eliminação das formas degradantes de trabalho para todas as crianças e adolescentes, assim entendidos aqueles abaixo de dezoito anos.

Aliás, por essa última informação já se pode observar que a própria Organização Internacional do Trabalho reputa razoável que a proteção cesse aos dezoito anos, a partir de quando se considera natural que o trabalhador siga o curso dos acontecimentos. Mas há dúvidas a respeito.

Aos dezoitos anos, o trabalhador pode não haver concluído o ciclo fundamental dos estudos, em alguns ordenamentos, ou ainda pode estar em busca de uma qualificação mais apropriada para o setor de atividade, inclusive quanto ao que chamamos no país de ensino médio e de ensino superior.

Ademais, esse adulto recém-saído da adolescência pode também necessitar de proteção especial em determinadas ocupações especialmente agressivas ou arriscadas. Neste sentido,

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a legislação brasileira aponta exemplos de grau mais avançado de proteção em algumas atividades profissionais, não permitindo, por exemplo, o trabalho na vigilância armada para pessoas abaixo de vinte e um anos.

Na outra ponta, simultaneamente, há discussões a respeito da idade mínima para o exercício da atividade laboral, que a Organização Internacional do Trabalho entende flexível quando analisado o contexto social e econômico dos países em desenvolvimento e contato que a atividade se mantenha num padrão relativamente leve e sem maiores transtornos para o operário.

Vem a calhar a transcrição do art. 32 da Convenção da ONU sobre Direitos da Criança:

  1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou seja, nocivo para a sua saúde e para o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

  2. Os Estados-partes adotarão medidas legislativas, sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente artigo. Com tal propósito, e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais, os Estados-partes deverão, em particular:

  1. Estabelecer uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão ao emprego;

  2. Estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego;

  3. Estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do presente artigo.

Pela leitura do item 2, “b”, nota-se a preocupação das próprias Nações Unidas, no sentido de que talvez não haja realmente uma idade mínima a ser considerada idealmente, mas, sim, “idades mínimas”, apropriadas para cada atividade econômica, circunstâncias do trabalho e, quiçá, desenvolvimento socioeconômico do país.

Entender os critérios de fixação dessas duas extremidades e sua importância para o desenvolvimento do direito do trabalho é o centro das atenções deste artigo.

5 anos

Importância das estatísticas. A idade de cinco anos, por mais chocante que possa parecer, marca o início da inserção desse indivíduo nas estatísticas da maioria das metodologias, inclusive aquelas vinculadas à Organização Internacional do Trabalho (OIT). É claro que o trabalho é proibido nesta faixa etária, mas se ele existe deve ser documentado. Para as crianças de 5 a 12 anos, o serviço de estatística e monitoramento do trabalho infantil da OIT (SIMPOC, na sigla inglesa de Statistical Information and Monitoring Program on Child Labour), uma hora de trabalho semanal já é o bastante para a inserção dos

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dados, não se exigindo que o infante tenha cumprido a carga dos operários adultos. Essa estratégia se faz necessária, a fim de evitar que governantes maliciosos expurguem dos relatórios a atividade exercida por essas crianças, sob o singelo argumento de que não atuaram em tempo parcial ou em tempo integral. Para os adolescentes de 12 a 14 anos, a OIT considera a existência de trabalho quando verificada a duração até quatorze horas por semana. Somente a partir de 17 anos é que se passa a perquirir se o jovem cumpriu pelo menos 43 horas semanais, a fim de que seja considerada a existência de um trabalho.

Finalmente, para todos os adolescentes abaixo de 17 anos, uma única hora, por semana, de atividade laboral em ambiente perigoso, por sua natureza ou circunstância, também será considerada como ingresso no mercado de trabalho e constará da estatística das crianças trabalhadoras.

Consequências do aproveitamento da mão de obra infantil. O uso da mão de obra infantil é proibido por qualquer ângulo. O empregador não deveria se sentir tentado a burlar a norma, à espera da fiscalização trabalhista ou da atuação do Ministério Público do Trabalho ou do Poder Judiciário. As sanções poderiam ser repensadas, inclusive do ponto de vista não econômico, como a interdição do estabelecimento e a proibição de exercer o comércio, como ocorre com os crimes falimentares. Para os limites deste estudo, todavia, o foco é saber quais as consequências do aproveitamento da mão de obra do ponto de vista da criança ou do adolescente prejudicados. O fato de o trabalho ser proibido jamais deve ser utilizado como fundamento para lhes retirar qualquer direito trabalhista, como, aliás, concluiu a Súmula n. 5 do Conselho da Justiça Federal, em 25 de setembro de 2003: “A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários”.

Precedente Administrativo n. 68. Aprovado pelo Ato Declaratório n. 9, de 27 de maio de 2005, o Precedente Administrativo n. 68 (PA 68), do Ministério do Trabalho e Emprego, orienta os auditores fiscais do trabalho nos seguintes termos: “I — Improcede autuação por falta de registro de adolescente menor de 16 anos, uma vez que não se pode impor sanção ao empregador por descumprir formalidade de contratação de pessoa que, de acordo com disposição constitucional, não pode ser contratado como empregado. II — A infração, portanto, não ocorreu ao dispositivo que determina o registro de empregado, mas ao dispositivo que proíbe o trabalho de menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz e a partir dos 14 anos”. O PA n. 68 não cogitou de impor uma dupla sanção ao empregador, pelo aproveitamento da mão de obra e pela falta do registro legal, mesmo que esta segunda autuação fosse feita do ponto de vista abstrato, com o firme propósito de intimidar esse tipo de investida.

Agravamento da punição com indenizações suplementares. A possibilidade de uma indenização suplementar foi tratada pelo Enunciado n. 19, aprovado na Jornada de Direito do Trabalho do TST, em 2007: “A proibição de trabalho ao menor visa protegê-lo e não prejudicá-lo (exegese CF, art. 7º, caput e XXXIII e art. 227). De tal sorte, a Justiça do Trabalho, apreciando a prestação de labor pretérito, deve contemplá-lo com todos os

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direitos como se o contrato proibido não fosse, sem prejuízo de indenização suplementar que considere as peculiaridades do caso”.

Diferenciação entre meninos e meninas. A legislação normalmente evita diferenciar os trabalhadores pelo gênero, entendendo que a proibição de ingresso de crianças e de parte dos adolescentes ao mercado de trabalho deve ser geral. Os estudos que apontam amadurecimento intelectual mais célere das meninas e as pesquisas em torno da antecipação alarmante da puberdade na sociedade do consumo desenfreado não impactam na fixação da idade mínima para o direito do trabalho, porque muitos outros valores estão em jogo, especialmente no que diz respeito ao tempo indispensável para dedicação aos estudos.

Para esse tempo precioso e irrecuperável, é irrelevante saber o estágio da formação óssea ou intelectual do ser humano em desenvolvimento. Mas a vulnerabilidade maior das meninas, que serão aproveitadas em serviços domésticos ou...

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