Avaliacao de acoes e numeros contabeis: aplicacao dos modelos Zhang (2000) e Zhang & Chen (2007) no mercado brasileiro.

AutorCaio Galdi, Fernando
CargoTexto en Portuguese
  1. Introdução

    A relevância dos números contábeis no processo de avaliação de empresas é abordada em trabalhos acadêmicos publicados tanto no Brasil quanto no exterior. Durante a década de 60, os trabalhos de Ball & Brown (1968) e Beaver (1968) foram os primeiros a abordar a relação entre as informações contábeis e os preços das ações. Esses trabalhos foram pioneiros na chamada abordagem positiva na pesquisa em contabilidade. A partir de então, a contabilidade ganhou um novo foco e passou a ser vista como fonte de informação para o mercado, sendo analisada dentro do paradigma econômico tradicional e não mais isoladamente.

    Penman (2007) apresenta diferentes métodos de avaliação de ações que utilizam como input números contábeis, tais como: avaliação por múltiplos, avaliação por lucros residuais (Residual Income Valuation) e avaliação com base no crescimento anormal dos lucros (Abnormal Earnings Growth).

    Palepu et al (2004) também destacam a relevância das variáveis contábeis em seu modelo proposto para avaliação de empresas, que consiste em quatro etapas: avaliação estratégica, avaliação contábil, avaliação financeira e avaliação prospectiva. Na análise contábil, é realizada uma avaliação da qualidade contábil por intermédio da avaliação das políticas e das estimativas contábeis. Na avaliação financeira, é realizada a análise dos demonstrativos contábeis ou a análise de balanços, objetivando identificar o desempenho histórico da empresa por meio de índices e de indicadores.

    No contexto da investigação da utilidade das informações contábeis e de sua relação com o valor das empresas, surgiram diversos estudos empíricos e modelos teóricos sobre o tema. Entre eles, estão os modelos teóricos desenvolvidos por Zhang (2000) e os testes empíricos de Zhang & Chen (2007) para o mercado americano. O modelo proposto leva em consideração não somente o lucro, mas também a rentabilidade, o capital investido, a oportunidade de crescimento e a taxa de desconto. Zhang & Chen (2007) utilizaram técnicas econométricas para comparar os modelos propostos e os modelos tradicionais baseados em lucro. Os resultados encontrados no mercado americano apontam que o modelo desenvolvido por Zhang (2000) e testado por Zhang & Chen (2007) possui maior poder explicativo que o modelo baseado somente nos lucros.

    Este artigo tem como objetivo principal analisar a relevância das informações contábeis no retorno das ações no mercado brasileiro, de acordo com o modelo proposto e testado por Zhang & Chen (2007) no mercado norte-americano. Com isso, serão analisados os resultados encontrados no mercado brasileiro, de forma a avaliar se as diferenças entre os ambientes institucionais nos quais operam os mercados de capitais brasileiro e norte-americano podem refletir em diferentes níveis de relevância das variáveis contábeis como fatores que explicam o retorno das ações.

    Acredita-se que a aplicação desse modelo torna-se relevante devido ao fato de que suas relações empíricas são oriundas de uma fundamentação teórica que relaciona as informações financeiras à variação do retorno das ações. Considerando as afirmações de Beaver (1998) sobre a pouca eficiência (1) dos mercados emergentes em relação às informações contábeis, este estudo visa contribuir com a literatura demonstrando de maneira consistente que determinadas variáveis apresentam relacionamento com o retorno das ações e, portanto, deveriam ser consideradas como fundamentais no processo estimação do valor das empresas. Quanto às diferenças entre os mercados, Galdi (2008) enfatiza que a análise da utilidade das demonstrações contábeis de empresas atuantes no mercado brasileiro torna-se um exercício interessante de ser investigado e comparado com resultados encontrados em outros países.

    Sarlo (2004) destaca que as informações contábeis para atingir seus objetivos e realizar as suas atividades como meio de informação devem estar inseridas em um determinado ambiente. Dessa forma, é importante conhecer esse ambiente, sua estruturação, sua forma social, econômica, política, comercial e jurídica.

    Dentre as características que diferenciam o mercado brasileiro do mercado norte-americano onde o modelo foi previamente testado podem-se destacar:

    (i) A estrutura legal baseada no direito codificado (code law)--Este modelo adotado no Brasil, valoriza mais a forma em contraposição a essência dos fatos econômicos (Lopes, 2005). Diferentemente, o modelo common law adotado nos Estados Unidos, Reino Unido e outros países anglos saxões, apresenta estruturas gerais e menos regulamentadas. A literatura documenta alguns efeitos diferenciados em países nessas estruturas. Como exemplo, pode-se citar o trabalho de Pincus et al (2007) que mostra evidencias de que a anomalia dos accruals ocorre principalmente em países que adotam o regime common law e não em países com o regime code law;

    (ii) Emissão da normatização contábil pelo governo ou órgãos ligados ao governo: Lopes (2005) relatam que no Brasil existe uma grande influência do governo ou órgãos ligados ao governo nas normas contábeis. Segundo Galdi (2008), a normatização contábil das Sociedades Anônimas no Brasil é dada originalmente pela Lei 6.404/76 (Lei das S/A), recentemente complementada e alterada pela Lei 11.638/07eLei 11.941/09, cabendo à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) normatizar assuntos específicos para as companhias abertas. O autor ressalta que o processo de normatização da contabilidade brasileira diferia consideravelmente dos países anglo-saxões até o ano de 2008. Galdi (2008) ainda lembra que outro ponto relevante sobre a influência governamental na qualidade contábil no período analisado se refere à atuação da Secretaria da Receita Federal (SRF). Todas as empresas brasileiras devem seguir as normas da SRF para a apuração e recolhimento dos impostos. Muitas vezes a influência das leis fiscais nos procedimentos contábeis distorciam a realidade econômica das empresas. Finalmente o mesmo autor lembra que já houve casos de intervenção governamental de maior escala, como a ocorrida no episódio da maxidesvalorização do Real em 1999. Naquele ano, o Ministério da Fazenda autorizou o diferimento das perdas com a variação cambial (este procedimento não era permitido sob as regras da CVM, que abriu exceção para este episódio específico). Conforme apresentado em Ali e Hwang (2000) as características apontadas tendem a reduzir a relevância dos números contábeis no Brasil;

    (iii) Concentração de capital; A literatura aponta que a concentração acionária funciona como substituta para mecanismos de governança para um ambiente de pouca proteção aos investidores (Shleifer & Vishny, 1997), considerandose que diminuí o conflito de agência. De acordo com dados do Economatica (Gazeta Mercantil, 2000), identificou-se que 95% das empresas das brasileiras listadas na Bovespa possuem três ou menos acionistas com mais de 50% direitos de voto, fato que pode levar a uma perda de relevância da contabilidade como quebra da assimetria informacional (Galdi & Lopes, 2007);

    (iv) Baixo nível de enforcement; Durnev & Kim (2005) citam em seu trabalho o baixo nível de enforcement do mercado brasileiro;

    (v) Fontes de financiamento: Historicamente as empresas brasileiras não dependem do mercado de capitais para financiar suas atividades. (2) A Tabela 2 apresentada por La Porta et ai. (1997, p.l 138), mostra isto. O Brasil tem um índice de capitalização externa em relação ao PNB de 0,18 enquanto este índice é de 0,58 nos Estados Unidos. O número de empresas listadas em Bolsa em relação à sua população também era bastante baixo no Brasil em 1994. Este indicador era 3,48 em relação a 30,11 nos Estados Unidos. Entre 1986 e 1996 não houve nenhuma oferta pública primária de ações no Brasil. A literatura indica que países que possuem fonte de financiamento advindo do mercado de capitais tendem a possuir modelos de evidenciação mais transparentes. Ali & Hwang (2000) identificaram que as informações contábeis possuem menor relevância em países onde a fonte de capital está concentrada em bancos.

    Neste estudo pretende-se verificar qual a relevância das variáveis contábeis como fonte de informação no retorno das ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) de acordo com os modelos propostos por Zhang (2000) e Zhang & Chen (2007). Partimos da hipótese de que as variáveis contábeis apresentadas no modelo teórico apresentam relação com o retorno das ações em um mercado com características específicas como o Brasil. Para essa investigação, testa-se a hipótese de que os retornos das ações negociadas na BOVESPA não podem ser explicados por variáveis contábeis conforme o modelo proposto por Zhang & Chen (2007).

  2. Referencial Teórico

    De acordo com Zhang & Chen (2007), um dos grandes propósitos da contabilidade é ajudar investidores a prever o fluxo de caixa futuro das empresas. Se as informações contábeis são informativas sobre os valores fundamentais e têm seus valores alterados, elas podem se correlacionar com a variação dos preços das ações.

    O modelo de avaliação de empresas desenvolvido por Zhang (2000), e posteriormente aperfeiçoado por Zhang & Chen (2007), é construído com base em opções reais e fornece uma representação contábil específica de acordo com a estabelecida noção da literatura de finanças de Miller & Modigliani (1961) de que a firma consiste no valor de seus ativos atuais mais oportunidades de crescimento. O modelo em questão mostra que o valor da empresa é igual à capitalização dos lucros provenientes dos ativos existentes mais o valor das opções reais que surgem da flexibilidade de ajustes nas tomadas de decisão de investimentos pelo abandono ou opção por crescimento.

    Segundo Zhang & Chen (2007), o modelo proposto difere dos modelos baseados em lucros por algumas razões mencionadas a seguir:

    * O modelo assume que as firmas tomam decisões racionais, optando somente por projetos que apresentam valor presente líquido positivo e realizam expansões apropriadas.

    * Os...

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