Avaliação do Dano e das Descapacidades Pós-trauma do Baço

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas337-359

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1 Tabela de consulta rápida

Valor conferido ao órgão 30% do total do corpo, que se desdobra da seguinte forma:

2 Introdução

Este capítulo pretende oferecer uma melhor avaliação do dano corporal resultante da lesão ou perda do baço, levando em consideração que, de acordo com os conhecimentos atuais sobre a fisiologia esplênica, até o momento nem sempre tem sido analisada adequadamente.

Para tanto, acompanhamos as opiniões de especialistas em Hematologia, Infectologia e Imunologia, e em especial com as constribuições da médica argentina Dra. Alicia Beatriz Verme, que é uma referência internacional sobre este tema.

Ainda que o baço não seja um órgão vital, o mesmo tem funções importantes, que assim podem ser divididas:

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1) As relacionadas com os elementos celulares do sangue;

2) As de natureza imunológica.

Consideramos relevante que tanto o médico-legista como o Médico Avaliador do Dano contem com conceitos que lhes possibilitem uma adequada avaliação da descapacidade resultante, quer da lesão, quer da perda do baço (já que a esplenectomia hoje pode ser, segundo a necessidade, parcial ou total). O perito deverá considerar a causa que levou à esplenectomia, seja ela parcial ou total, como, por exemplo, se o motivo foi um traumatismo ou a existência de uma doença hematológica.

Deve-se atentar, outrossim, para o estado anterior, porque mesmo no baço traumático é muito importante saber se este era normal ou se era patológico, e, se for o caso, qual a patologia esplênica.

3 Conceito

O baço é o maior órgão linfoide e o maior acúmulo de tecido linfóide do organismo. Com uma característica peculiar, ao menos nos humanos, é o único órgão linfóide interposto diretamente na circulação sanguínea.

Em razão dessa sua interposição na corrente circulatória, representa um importante “filtro” e, ao mesmo tempo, um órgão de defesa quando há germes que transitam pelo sangue circulante. É o principal órgão destruidor de eritrócitos alterados, patológicos ou desgastados pelo tempo e pelo uso. É dessa função que depende a vida média do eritrócito.

Pari passu, sua peculiar localização na corrente sanguínea lhe permite responder, com rapidez, contra os diversos antígenos que invadem o sangue e, outrossim, funcionar como órgão fagocitário e imune, por sua vez, em razão de sua função defensiva, por se tratar de um grande produtor de anticorpos.

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4 Origem embrionária

O baço se origina de um espessamento no mesogástrio dorsal, com contribuição do epitélio celômico.

A função hematopoética do baço durante a vida fetal inicia-se pela semeadura de polpa vermelha, com células-tronco, que migram pelo sangue. Primeiro, produz-se unicamente nos cordões esplênicos, mas logo mais pode ter lugar nos sinusoides.

5 Descrição anatômica

O baço possui uma cápsula de tecido conjuntivo denso, e este, por sua vez, possui dispersas na substância fundamental algumas células musculares lisas. A partir da cápsula se projetam vários septos ou tabiques ramificados, incompletos, que dividem o órgão em inúmeros compartimentos cavitários conectados entre si.

À semelhança do que acontece nos gânglios linfáticos, esses compartimentos contêm redes tridimensionais de fibras e células reticulares que nascem da cápsula e dos tabiques. As redes sustentam as células reticulares do tecido linfático do baço, que se conhece como polpa, e configuram uma grande parte do Sistema Reticuloendotelial (SRE).

A superfície do baço tem uma depressão medial – o hilo – por onde ingressam vasos sanguíneos, vasos linfáticos e nervos. Na região do hilo a cápsula é mais espessa, dando origen a septos mais largos do órgão, pelos quais transcorrem os vasos sanguíneos destinados à polpa.

Existem dois tipos de polpa:

  1. Polpa vermelha: que deve seu nome ao fato de que nos cortes de baços frescos possui uma cor vermelho escuro, devido à grande quantidade de sangue que contém.

  2. Polpa branca: formada por cordões e nódulos linfáticos esparsos em meio à polpa vermelha, chamados corpúsculos de Malpighi.

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O tecido linfático da polpa branca possui em suas bainhas periarteriais linfócitos T, equivalentes aos do córtex profundo dos gânglios linfáticos.

Localizado no hipocôndrio esquerdo, o baço constituiu a última linha de defesa do sistema imunitário, uma vez que os antígenos que ultrapassam a linha de defesa dos ganglios linfáticos caem no sangue e são filtrados pelo baço. Esse órgão se relaciona com as IX, X, e XI costelas, rim, pâncreas, estômago, e ângulo esquerdo (lienal) do cólon.

6 Fisiologia

Têm sido reconhecidas e descritas diversas funções do baço, como:

6. 1 Sequestro

Com relação aos eritrocitos, o baço realiza uma limpeza de grânulos de hemosiderina, corpos de Heinz e corpos de Howell-Jolly etc.; e hemácias anômalas, como na Talassemia, por exemplo. No interioir do órgão ocorre uma estase circulatória e, com a circulação lenta e a diminuição de oxigênio, se produz um aumento da deformabilidade dos eritrócitos, e, se as hemácias são malformadas (por exemplo, esferócitos), são captadas e destruídas.

6. 2 Fagocitose

É uma importante função exercida pelos macrófagos do Sistema Reticuloendotelial (SRE) do baço, os quais fagocitam as células normais não viáveis por envelhecimento ou as células jovens mas anormais (com complexos antígeno-anticorpos aderidos, ou deformadas por sequestros prolongados).

6. 3 Armazenamento ou “apooling”

Em condições normais, existe sangue armazenado no baço que se intercambia, constantemente, com o sangue circulante. O baço representa uma reserva de 5% da massa de eritrócitos e de 20% a 40% das

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plaquetas. E se aumenta o tamanho do baço (e.g., esplenomegalia), aumenta o apool retido.

6. 4 Função imunológica

O baço contém 25% do número total de linfócitos T (os retém durante 3-4 horas) e 15% dos linfócitos B (retidos durante 24 horas).

Os germes que resultam retidos no baço provocam um estímulo primário para a produção, no baço, de anticorpos humorais.

As células com complexos antígeno-anticorpos aderidos à sua superfície que chegam ao baço contatam com os receptores dos macrófagos esplênicos e se produzem perdas de material da membrana plasmática, com o que diminui a flexibilidade e capacidade de deformar-se dessas células, que são facilmente destruídas.

6. 5 Hematopoese extramedular

Como mencionamos no item “Embriologia”, o baço é um órgão hematopoético durante a vida fetal. Essa função desaparece depois do nascimento, mas pode ser retomada em determinadas circunstâncias fisiopatológicas: fibrose medular, metaplasia mieloide do baço, hemólise etc.

6. 6 Regulação da eritropoese

Por mecanismos ainda não bem conhecidos, o baço exerce um efeito estimulador ou supressor sobre a eritropoese da medula óssea.

6. 7 Variações no volume plasmático

O organismo contém uns 40-50ml/kg de plasma. Um baço normal não altera o volume plasmático. Um baço aumentado de tamanho (esplenomegalia) pode ensejar o aumento do volume plasmático, provocando até uma pseudoanemia (dilucional).

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6. 8 Aspectos imunológicos

O baço é o órgão responsável por captar as bactérias do sangue e, inclusive, pode eliminar até 60 vezes mais por unidade de peso que o fígado, este com suas células de Küpffer (SRE hepático).

Com uma esplenectomia pode expressar-se que o indivíduo se encontra, imunologicamente falando, em uma situação de desvantagem imunológica.

É indiscutível que se deve tratar de conservar o baço no caso de eventos traumáticos, sempre e quando se conte com a complexidade institucional que permita tal conduta.

Também se tem avançado para a esplenectomia por laparoscopia, reiterando-se que nos pacientes mais jovens estaria mais indicado o intento de conservação do órgão.

O baço desempenha um papel na depuração fagocítica de bactérias encapsuladas (destacando-se o Neumococo e o Haemophilus influenzae).

O primeiro contato do antígeno com células esplênicas imunocompetentes ocorre na zona marginal microvascular, com fluxo de sangue muito lento, permitindo assim um prolongado contato das partículas antigênicas com macrófagos especializados em presença de linfócitos B.

7 A tufsina

Produzida no baço, é uma gamaglobulina leucofílica que estimula a fagocitose por polimorfonucleares, agindo como opsonina. Nos pacientes esplenectomizados a tufsina desce, e diminui a fagocitose até em 50%.

Sob o ponto de vista químico, a tuftsina é um tetrapeptídio que se origina pela ruptura da cadeia pesada da molécula de IgG (gamaglobulina leucofílica). Estimula a atividade fagocítica dos leucócitos polimorfonucleares do sangue, em particular os neutrófilos. O peptídio está localizado na molécula de gamaglobulina.

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O baço é o maior órgão linfático especialmente involucrado na resposta imune a antígenos timo-dependentes tipo2 (Ti-2Ag); tais polissacarídeos são componentes da cápsula de bactérias encapsuladas (Streptococus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Neisseria meningitidis). Depois da esplenectomia a resposta é diminuída ou ausente...

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