Baianópolis - Vara cível

Data de publicação05 Março 2020
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Número da edição2571
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE BAIANÓPOLIS
INTIMAÇÃO

8000034-72.2020.8.05.0016 Curatela
Jurisdição: Baianópolis
Requerente: Edilene De Brito Borges Oliveira
Advogado: Victor Carvalho De Amarante (OAB:0061870/BA)
Requerido: Neuslir De Brito Borges

Intimação:

DECISÃO.

EDILENE DE BRITO BORGES OLIVEIRA, parte qualificada nos autos, ingressou com a presente ação visando a interdição de sua irmã NEUSLIR DE BRITO BORGES, pugnando para que lhe fosse deferido, em antecipação da tutela, a curatela provisória.

Afirma que é irmã da interditanda e que esta encontra-se acometida pela depressão (CID 10 F33) e esquizofrenia (CID 10 F20), sendo necessário utilizar diversos medicamentos de controle, como Cittá, Quetros, Citalopram e Olanzapina, bem como apresenta grande dificuldade para realizar atividades rotineiras, frequentes desorientações no tempo e espaço e incapacidade para atividades laborativas.

Alega que é pessoa de idoneidade moral e que está em pleno gozo de saúde física e mental, sendo, capaz de assumir todas as responsabilidades civis inerentes a requerida, tanto para acompanhar irmã em seus tratamento, como para representá-la junto ao INSS e demais acompanhamentos da vida civil.

Aduz que, por ser irmã da interditanda, possui vínculo que legitima ingressar com a presente ação. Ademais, os pais da interditanda possuem idade avançada, tornando-se inviável atribuir-lhes a curatela, em razão de diversas dificuldades para se deslocarem constantemente para cidades vizinhas a fim de acompanhar a realização de exames periódicos e tratamentos médicos, bem como ao INSS para a avaliação da continuidade dos benefícios.

Eis o relato. DECIDO.

Do estatuto da pessoa com deficiência.

A partir do ingresso da Convenção de Nova Iorque em nosso Ordenamento Jurídico, com força de norma constitucional, a qual fora regulamentada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146 de 6 de julho de 2015), um novo conceito de (in)capacidade foi construído e consagrado, qual seja: toda pessoa é legalmente capaz, ainda que para atuar na vida social se valha de um curador ou de um apoiador.

Assim, o conceito de capacidade foi reconstruído para uma perspectiva mais dignificante, visto que para o Estatuto a deficiência não é mais causa de incapacidade.

Neste diapasão, a Lei 13.146 de 6 de julho de 2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, alterou e revogou vários artigos do Código Civil relativos à capacidade da pessoa traduzindo em seu texto toda a evolução e noção de inclusão social. Agora, ainda que excepcionalmente possa se valer de institutos assistenciais e protetivos como o da curatela e o da tomada de decisão apoiada, doravante o deficiente é considerado pessoa capaz.

Assim, a pessoa com deficiência - aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, nos termos do seu art. 2º - não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, na medida em que os arts. 6º e 84, do mesmo diploma, deixam claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa[1]. Senão vejamos.

Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive[3] para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Sob a ótica do antigo ordenamento jurídico, toda pessoa natural possui o atributo da personalidade jurídica, mas nem toda pessoa ostenta o atributo da capacidade. A lei dividia as pessoas físicas em capazes e incapazes, sendo que as capazes podiam praticar atos e negócios jurídicos e as incapazes necessitavam do auxílio ou intervenção de mais alguém para praticar tais atos, assistindo os relativamente incapazes e representando os absolutamente incapazes.

Também, nosso Ordenamento Jurídico a divide em capacidade de fato e de exercício - que é a aptidão de exercer por si os atos da vida civil - e a capacidade de direito - possibilidade de ser sujeito de direito, de titularizar relações patrimoniais. Por tal distinção feita, certo é concluir que o EPCD, trouxe mudanças para o primeiro conceito, eis que a capacidade de direito toda pessoa que adquire a personalidade jurídica, possui.

Como o objetivo do novel diploma é desfazer a associação necessária entre deficiência e incapacidade, foram produzidas importantes mudanças no regime de incapacidades do Código Civil e, dentre estas, tem-se reestruturação dos artigos e , do Código Civil: o artigo 3º teve todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de incapacidade absoluta, a do menor impúbere (menor de 16 anos). Já a nova redação do art. 4º, do mesmo diploma legal, relacionou as hipóteses de incapacidade relativa, mantendo em seu inciso I, a previsão dos menores púberes (entre 16 anos completos e 18 anos incompletos); no inciso II, por sua vez, suprimiu a menção à deficiência mental, referindo, apenas, “os ébrios habituais e os viciados em tóxico”; o inciso III, passou a tratar, apenas das pessoas que, "por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade"; permaneceu, também, a previsão da incapacidade do pródigo, no inciso IV.

Ademais, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, somente disciplinou a curatela para os casos das pessoas relativamente incapazes, conforme pode se observar nas mudanças efetivadas nos arts. 1.767 e seguintes do Código Civil.

De outra banda, mesmo não havendo modificação na disciplina estabelecida pelo Código de Processo Civil, até porque este, embora tenha sido publicado primeiro, entrou em vigência depois do Estatuto em comento, resta saber se o novel diploma, ante ao novo conceito de capacidade, pôs fim ao processo de interdição.

Conceitualmente, interdição é o procedimento especial de jurisdição voluntaria por meio do qual se busca obter a certeza e o grau de incapacidade de uma pessoa, prevista no dispositivo do art. 1.767 do Código Civil e 747 e seguintes do Código de Processo Civil.

Diante da verificação no dito procedimento, de está a pessoa impossibilitada de gerir, por si só, sua vida e seus negócios e responder pelos atos que pratica em razão de suas limitações, fica privada legalmente no que diz respeito ao gozo e exercício de seus direitos, restando dependente dos cuidados de pessoa legalmente habilitada e encarregada deste mister por meio de nomeação no processo judicial para representa-la ou assisti-la, dependendo do grau da incapacidade constatada.

O novo diploma, em seu art. 85, diz que a curatela fica restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, passando a ser uma medida extraordinária:

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§ 1o A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

§ 2o A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

§ 3o No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. (grifo nosso).

Dessa forma, a curatela deve ser medida excepcional, adotada apenas quando o indivíduo necessitar de auxílio para realizar os atos da vida civil que não poderia realizar por si só. Tais atos, como deixa claro o EPCD, se restringe aos de natureza patrimonial.

Não há como se negar que a curatela passou a ser uma medida extraordinária e restrita a atos de natureza patrimonial e negocial. E, se é uma medida extraordinária, é porque existe uma outra via assistencial de que pode se valer a pessoa com deficiência - livre do estigma da incapacidade - para que possa atuar na vida social: a "tomada de decisão apoiada", processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade[2].

No entanto, dito instituto deverá ser aplicado para pessoas com deficiência dotadas de grau de discernimento que permita a indicação dos seus apoiadores. Assim, nesta situação, pessoas até então sujeitas a uma inafastável interdição e curatela geral, poderão se valer de um instituto menos invasivo em sua esfera existencial.

Merece atenção, todavia, a situação de pessoas totalmente incapacitadas para manifestar sua vontade e que, anteriormente, seriam tidas por absolutamente incapazes, eis que pela praxe forense, não é incomum ver processos de interdição em que a pessoa interditanda necessita de amplos cuidados e de substituição de vontades: tanto na vida patrimonial (administrar os bens), quanto pessoal (ministrar remédios, proceder com a higiene pessoal, etc).

Assim, existem dificuldades para adequar a legislação às situações em que pessoas comprovadamente sem condições de gerenciar...

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