Balanço dos impactos da crise da Covid-19 sobre o mercado de trabalho brasileiro em 2020

AutorLauro Mattei - Vicente Loeblein Heinen
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Programa de Pós-Graduação em Administração, Florianópolis, SC, Brasil - Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Curso de Graduação em Ciências Econômicas, Florianópolis, SC, Brasil
Páginas43-61
DOI: https://doi.org/10.1590/1982-0259.2022.e82492 43
R. Katál., Florianópolis, v.25, n. 1, p. 43-61, jan./abr. 2022 ISSN 1982-0259
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Commercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins
comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.
ESPAÇO TEMÁTICO: TRABALHO, TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E
CONDIÇÕES DE VIDA
Balanço dos impactos da crise da COVID-19 sobre o
mercado de trabalho brasileiro em 2020
Lauro Mattei1
https://orcid.org/0000-0002-1270-8052
Vicente Loeblein Heinen2
https://orcid.org/0000-0003-1263-429X
1 Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Programa de Pós-
Graduação em Administração, Florianópolis, SC, Brasil
2 Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Economia e Relações Internacionais, Curso de Graduação em
Ciências Econômicas, Florianópolis, SC, Brasil
Balanço dos impactos da crise da COVID-19 sobre o mercado de trabalho brasileiro em 2020
Resumo: O objetivo deste estudo é analisar os impactos da crise associada à pandemia da Covid-19 sobre o mercado de trabalho
brasileiro até o final de 2020. Para tanto, são utilizados principalmente os dados da PNAD Contínua, visando identificar o
comportamento da força de trabalho, a dimensão do desemprego gerado, as principais características dos postos de trabalho
perdidos e os efeitos sobre a renda do trabalho no período. O mercado de trabalho nacional foi fortemente atingido a partir
de março de 2020, registrando quedas inéditas no nível de ocupação. Os trabalhadores mais prejudicados foram aqueles que
se encontravam em ocupações informais e mais flexíveis, com menor grau de proteção social. Com a contração da população
ocupada e do número de horas trabalhadas, houve uma intensa queda nos rendimentos do trabalho, destacadamente nas
menores faixas salariais. Com isso, a pandemia pode ter deflagrado a pior crise da história do mercado de trabalho brasileiro,
com impactos duradouros sobre os níveis de emprego e de renda.
Palavras-chave: Pandemia; Desemprego; Informalidade; Rendimentos do trabalho.
Balance of the impacts of the COVID-19 crisis on the Brazilian labor market in 2020
Abstract: This study aims to analyze the impacts of the crisis associated with the Covid-19 pandemic on the Brazilian labor
market until the end of 2020. Therefore, data from PNAD Contínua are analyzed in order to identify the behavior of the labor
force, the main characteristics of the jobs lost and the impacts on labor income in that period. The national labor market
was strongly hit from March 2020, with a historical slump in the level of occupation. The most affected workers were those
who were in informal and more flexible occupations, with a lower degree of social protection. With the contraction of the
employed population and the number of hours worked, there was an intense fall in labor income, especially in the lowest
salary ranges. As a result, the pandemic may have triggered the worst crisis in the history of the Brazilian labor market, with
lasting impacts on employment and income levels.
Keywords: Pandemic; Unemployment; Informality; Labor income.
Recebido em: 29.06.2021. Aprovado em: 31.08.2021. Revisado em: 06.09.2021.
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R. Katál., Florianópolis, v.25, n. 1, p. 43-61, jan./abr. 2022 ISSN 1982-0259
Lauro Mattei e Vicente Loeblein Heinen
Introdução
Ao final de 2019, a economia mundial apresentava nítidos sinais de desaceleração, encaminhando-se para
uma nova fase recessiva pela primeira vez desde o fim da crise de 2007-2008 (CORSI, 2020). Essa tendência
foi abreviada nos primeiros meses de 2020, quando a emergência global da pandemia da Covid-19 rompeu
as principais cadeias do comércio mundial, além de deflagrar uma série de medidas de distanciamento social
que derrubaram rapidamente os níveis de produção interna de diversos países.
No Brasil, logo foram sentidos os efeitos do fechamento de estabelecimentos, das restrições logísticas,
do encarecimento dos insumos e da queda generalizada na demanda sobre as atividades econômicas. Tais
impactos incidiram sobre uma economia já bastante deteriorada, que ainda não havia se recuperado plenamente
da crise econômica deflagrada em 2014. Assim, a pandemia sacramentou uma nova década perdida para o
país, fazendo com que o PIB per capita, que acumulava retração de 0,8% entre 2011 e 2019, fechasse a década
com queda de 5,5% (IBGE, 2021).
Em março de 2020, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou para os rápidos impactos
da crise da Covid-19 sobre o mercado de trabalho, dando ênfase a três dimensões: a quantidade de empregos
(com aumento súbito tanto da desocupação, quanto da subocupação); a qualidade do emprego (queda nos
rendimentos e no nível de proteção social); e a desigualdade (efeitos mais graves em grupos específicos que
são mais vulneráveis a retrações nos níveis de emprego e renda) (ILO, 2020).
No mercado de trabalho brasileiro, esses efeitos foram potencializados pelas tendências de elevado
desemprego, estagnação dos rendimentos do trabalho, queima da poupança das famílias e desproteção social
observadas nos anos anteriores à pandemia. Entre 2015 e 2016, a crise econômica prejudicou especialmente
a indústria de transformação, resultando em uma queda aguda das ocupações formais. Sem uma retomada
robusta nos níveis de investimentos, esses postos de trabalho não foram recuperados nos anos seguintes. Com
isso, uma massa de trabalhadores migrou para a informalidade, intensificando o processo de concentração do
emprego nos setores de comércio e serviços, sobretudo em atividades com baixas produtividade e remuneração
(MATTEI, HEINEN, 2019).
Para a classe dominante e seus representantes, a saída da crise passava por aprofundar as reformas
estruturais, facilitando a retomada das taxas de lucro pelo rebaixamento da remuneração direta e indireta
dos trabalhadores e pela intensificação do trabalho. Assim, os processos de ajuste cíclicos da crise foram
complementados por uma série de medidas voltadas a flexibilizar (ainda mais) as relações de trabalho no
país e reduzir o acesso à rede de proteção social, tendo como exemplos maiores as reformas trabalhista e da
previdência (ANTUNES; PRAUN, 2019; KREIN; COLOMBI, 2019). Como era de se esperar, tais medidas
deterioraram enormemente as condições de trabalho e de renda no país, mas não promoveram a retomada do
emprego para os níveis pré-crise (KREIN; OLIVEIRA; FILGUEIRAS, 2019). Na segunda metade de 2019, o
desemprego ainda se situava em patamares superiores aos da década de 1990, ao passo que 22% dos domicílios
brasileiros encontravam-se sem renda do trabalho (LAMEIRAS et al, 2019).
Partindo desse cenário, os ajustes da crise da Covid-19 tendem a pesar sobremaneira sobre os trabalhadores.
Por um lado, a crise levou ao encerramento ou à redução das atividades das pequenas e médias empresas, com
impactos mais severos justamente nos ramos mais intensivos em mão de obra, destacadamente os serviços
prestados às famílias. Por outro lado, empresas de grande porte de diversos segmentos responderam à crise
com a reestruturação de suas atividades, ampliando a produtividade pela redução do número de trabalhadores
empregados (VELOSO; MATOS; PERUCHETTI, 2020). Dessa forma, ainda que o nível de atividade econômica
prévio à pandemia seja recuperado, o mesmo não pode ser dito quanto ao emprego.
O objetivo deste artigo é fazer um balanço dos impactos da crise associada à Covid-19 sobre o mercado
de trabalho brasileiro em 2020, à luz de suas tendências recentes. Para tanto, serão utilizados principalmente
os dados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE. O artigo
conta com outras cinco seções, além desta introdução. A primeira delas examina as tendências recentes do
desemprego no Brasil e os impactos da pandemia sobre o comportamento da força de trabalho. A segunda
expande a medida tradicional de desocupação, buscando outras dimensões da corrente deterioração do mercado
de trabalho. A terceira seção, por sua vez, detalha o comportamento da população ocupada com base na sua
distribuição por setor de atividade econômica, posição na ocupação e categoria do emprego. Já a quarta aborda
os impactos da crise da Covid-19 sobre os rendimentos do trabalho, evidenciando os grupos de trabalhadores

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