Barra da estiva - Vara cível

Data de publicação04 Novembro 2022
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Número da edição3212
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE BARRA DA ESTIVA
SENTENÇA

8000191-02.2021.8.05.0019 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Barra Da Estiva
Autor: Ana Santos Silva
Advogado: Carlos Roberto Rocha Aguiar (OAB:BA672-B)
Reu: Banco C6 Consignado S.a.
Advogado: Fernanda Rafaella Oliveira De Carvalho (OAB:PE32766)

Sentença:

Trata-se de AÇÃO, na qual a parte autora alegou, em síntese, que teve seu benefício previdenciário descontado em razão da existência de empréstimo consignado feito pelo réu. Alegou não ter feito empréstimo consignado.


Com base nisso, requereu a declaração de inexistência do contrato referente ao empréstimo e condenação da parte requerida à compensação pelos danos morais e materiais sofridos. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela.


Instruiu a inicial com documentos.

Citado, o banco-réu contestou, apresentando preliminares e, em seguida, argumentando que as partes firmaram validamente o contrato objeto da presente demanda e que o valor integral do contrato foi transferido para a conta da parte autora via TED. Defendeu a impossibilidade de repetição do indébito em dobro e inexistência de danos material e moral. Pugnou pela improcedência do pleito autoral e, alternativamente, pela compensação dos valores transferidos para a conta do autor. Juntou documentos, inclusive o contrato firmado entre as partes.


Em sede de réplica, a parte autora requereu o julgamento antecipado da lide.


São os fatos relevantes dos autos. DECIDO.


No caso em exame, infere-se que não há necessidade de produção de provas em audiência, tendo em vista que as partes requereram o julgamento antecipado da lide, o que deve ser feito, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC/15.


REJEITO a preliminar de incompetência do Juizado Especial Cível, ante a necessidade de perícia grafotécnica, notadamente porque a causa não se afigura complexa e os documentos juntados nos autos autorizam o julgamento da lide.

Outrossim, o requerido impugnou a assistência judiciária gratuita. Todavia, a presente ação tramita sob o rito da Lei nº 9.099/95, cujo artigo 55 prevê a ausência de cobrança de custas e honorários no âmbito do primeiro grau de jurisdição, pelo que se rejeita essa preliminar.

Em sede de contestação, a requerida arguiu preliminar de ausência de comprovação de residência, alegando em breve síntese, que a parte autora não juntou aos autos um comprovante de residência em seu nome, sendo este documento imprescindível para comprovação de competência e para que futuras intimações sejam devidamente cumpridas. A despeito, porém, da brilhante exposição defensiva, penso em princípio que há comprovação de residência pela parte autora. Compulsando-se os autos, verifica-se que, a comprovação de residência juntada aos autos, o endereço constante da procuração é o mesmo do comprovante de residência. Com efeito, a falta de comprovante de residência em nome próprio não é imprescindível ao processo. Neste sentido é o entendimento dos Tribunais, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA -EXTINÇÃO POR AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA EM NOME PRÓPRIO-IMPOSSIBILIDADE. A ausência de apresentação de comprovante de endereço, em nome próprio, não implica no indeferimento da inicial. Não compete ao Judiciário, à revelia do CPC e do princípio da boa-fé, exigir documentos não elencados como essenciais, a exemplo da comprovação de endereço. (TJ-MG - AC: 10079140037445001 MG, Relator: Newton Teixeira Carvalho, Data de Julgamento: 14/09/2017, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/09/2017) E mais: GRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇAO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇAO POR DANOS MORAIS. DECISÃO QUE DETERMINA A JUNTADA DE COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA ORIGINAL EM NOME DA PARTE AGRAVANTE. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO ENDEREÇO INFORMADO. 1. Desnecessidade da juntada do comprovante de residência, uma vez que a indicação na inicial é suficiente para o preenchimento do pressuposto processual relativo à qualificação da parte, princípio da boa fé. 2. Portanto, não há razão jurídica que obrigue a parte a apresentar o comprovante de residência original, pois a boa fé quanto à veracidade do teor da declaração prestada se presume, aliado ao princípio de prova escrita produzido com a cópia trazida ao feito. Presença dos requisitos dos artigos 282 e 283 do CPC. Dado provimento, de plano, ao agravo de instrumento. (Agravo de Instrumento Nº 70056768013, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 25/05/2015). (TJ-RS -AI: 70056768013 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 25/05/2015, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/05/2015).

Portanto, tenho que, a ausência de comprovante de residência em nome próprio não é documento indispensável ao processo. Desta forma, REJEITO A PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE RESIDÊNCIA.

A matéria controvertida restringe-se a perquirir a validade do contrato de empréstimo sob a forma de Reserva de Margem Consignável - RMC - e se são devidos os descontos verificados em sua remuneração; em caso negativo identificar se existem danos morais e materiais a serem reparados.


Em casos dessa natureza, cabe à instituição financeira demonstrar a existência e a validade do contrato. Confira o entendimento que corrobora essa conclusão:


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E REPETIÇÃO DE VALORES EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - TUTELA ANTECIPADA. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO. PROVA DA ORIGEM DA DÍVIDA. ATENDIMENTO DO ART. 373, II, DO CPC. LICITUDE DA COBRANÇA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. DIANTE DA NEGATIVA DA PARTE AUTORA QUANTO À CONTRATAÇÃO QUE TERIA GERADO O DÉBITO EM DISCUSSÃO JUNTO À ENTIDADE DEMANDADA, CABIA A ESTA COMPROVAR A CONTRATAÇÃO, ÔNUS DO QUAL SE DESINCUMBIU A CONTENTO, ATENDENDO AO QUE DISPÕE O ART. 373, II, DO CPC/15. 2. COMPROVADA A ORIGEM DA DÍVIDA, A COBRANÇA DOS VALORES MEDIANTE CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO, NOS TERMOS DO CONTRATO, SE CONSTITUIU EM EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO, SENDO LÍCITA, PORTANTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Apelação Cível, Nº 50003009120208210137, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em: 25-02-2022)


A demanda versa sobre relação de consumo e deve ser solucionada à luz do Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, pois as partes e o negócio jurídico estão inseridos nos conceitos normativos dos artigos e e seu §2°, todos da Lei 8078/90.


Cumpre ressaltar, a princípio, que cabe ao fornecedor prestar informação adequada e suficientemente precisa sobre seus produtos e serviços ofertados ao Consumidor, sob pena de nulidade do futuro contrato em razão de vício de consentimento.


Registre-se o entendimento Eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, em voto lapidar no REsp º 1.364.915/MG “A autodeterminação do consumidor depende essencialmente da informação que lhe é transmitida, pois esta, a informação, é um dos meios de formar a opinião e produzir a tomada de decisão daquele que consome. Logo, se a informação é adequada, o consumidor age com mais consciência; se a informação é falsa, inexistente ou omissa, retira-se-lhe a liberdade de escolha consciente”.


No caso em apreço, infere-se que a parte autora/consumidora procurou a instituição financeira ré (fornecedora) para realizar um contrato de mútuo mediante pagamento em consignação em benefício previdenciário (conhecido como empréstimo consignado), mas, em verdade, firmou contrato de cartão de crédito, sobre a sigla RMC.


Nessa modalidade de contrato, a instituição financeira realiza descontos mensais que correspondem ao valor mínimo do crédito rotativo do cartão, sem a definição de termo final, o que, ao mesmo tempo, onera excessivamente o consumidor, privando-o de chances reais de um dia quitar o saldo devedor, e representa vantagem desproporcional e exagerada para a fornecedora do serviço.


Não obstante tenha juntado aos autos o contrato assinado pela parte autora, deixou de comprovar que prestou declarações claras e precisas acerca dos termos e alcance da contratação, especialmente no que se refere às taxas de juros, demais encargos e quanto ao termo final da dívida. A ausência de informação e transparência afeta o ato volitivo, implicando, por conseguinte, vício de consentimento do negócio jurídico.


Conforme Princípio da Transparência, preconizado no artigo 6°, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, as informações devem ser prestadas ao consumidor de forma clara e precisa sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.


Entendo que a abusividade é clarividente, porquanto, se a parte ré cedeu o crédito no cartão na modalidade RMC, certamente poderia tê-lo feito por meio de...

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