Barreiras - 1ª vara dos feitos de relações de consumo, cíveis e comerciais

Data de publicação13 Dezembro 2023
Gazette Issue3471
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE BARREIRAS
INTIMAÇÃO

8001323-51.2022.8.05.0022 Petição Cível
Jurisdição: Barreiras
Requerente: Romana De Barros Oliveira
Advogado: Larissa Costa Andrade (OAB:BA60692)
Advogado: Jardimelia Cantuario Silva Bastos (OAB:BA53097)
Requerido: Banco Do Brasil S/a
Advogado: Eny Ange Soledade Bittencourt De Araujo (OAB:BA29442)

Intimação:

Vistos etc.

I – RELATÓRIO.

Cuida-se de ação declaratória de inexistência de débito, com pedido de indenização por danos e materiais, intentada por ROMANA DE BARROS OLIVEIRA em face do BANCO DO BRASIL S.A, todos qualificados nos autos.

Citado, o banco réu apresentou contestação com preliminares e, no mérito, sustentou serem legítimos os descontos, pois oriundos de operação de crédito consignado, voluntariamente contraído pelo reclamante.

Réplica da parte autora.

Intimadas para especificação de provas, a parte autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide e a parte ré nada requereu, de modo que fora anunciado o julgamento antecipado da lide, com fulcro no art. 355, I, do CPC.

Eis o breve relatório. Passo a fundamentar para ao final decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o art. 355, do Código de Processo Civil, o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência (inc. I).

A matéria envolvida no presente feito não exige maior digressão. Entendo que não há mais provas a produzir ou discussão sobre fatos que já não estejam comprovados documentalmente.

Quanto à tese preliminar, indefiro o pedido voltado à impugnação do beneficio da gratuidade de justiça (parcial ou integral) concedida em favor da parte autora, na forma perquirida pelo(s) réu(s) em sede preliminar, mormente por despontar a condição de hipossuficiência econômica do(a) Acionante, comprovada por intermédio dos elementos de convicção colacionados ao feito.

Os autos trazem a documentação suficiente, embasando cada um dos argumentos suscitados. Não há necessidade de se juntar novas peças ou de se ouvir pessoas, motivo pelo qual o julgamento antecipado da lide se impõe e não importará em cerceamento de defesa.

Antes de adentrar ao mérito, porém, oportuno mencionar o comentário feito no Código de Processo Civil dos autores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (Ed. RT, 4ª Edição, p.1806), o qual passo a transcrever:

“A inversão do ônus da prova dá-se ope judicis, isto é, por obra do juiz, e não ope legis como ocorre na distribuição do ônus da prova pelo CDC 333. Cabe ao magistrado verificar se estão presentes os requisitos legais para que se proceda à inversão. Como se trata de regra de julgamento, apenas quando o juiz verificar o non liquet é que deverá proceder à inversão do ônus da prova, fazendo-o na sentença, quando for proferir o julgamento de mérito (Watanabe, CDC Coment.,498; TJSP-RT 706/67)".

Pois bem, a presente lide cinge-se à responsabilidade do acionado pelas cobranças efetuadas à autora, oriundos de suposto contrato de empréstimo consignado.

Entendo que o direito constitutivo da parte autora não restou provado.

Por tratar-se de relação consumerista, foi deferida a inversão do ônus da prova em favor da parte hipossuficiente da relação, nos termos do art. 373, II do Código de Processo Civil. Porém, a parte demandada demonstrou, na contestação, que a dívida é proveniente de contrato de empréstimo consignado regularmente firmado pela parte autora por meio eletrônico, cujo acesso é realizado de forma pessoal mediante uso de senha instransferível a terceiros, seguindo os ditames legais.

Recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema 1.061, definiu que, nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a ela o ônus de provar a veracidade do registro. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO PROFERIDO EM IRDR. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DOCUMENTO PARTICULAR. IMPUGNAÇÃO DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA. ÔNUS DA PROVA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. Para os fins do art. 1.036 do CPC/2015, a tese firmada é a seguinte: "Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade ( CPC, arts. , 368 e 429, II)." 2. Julgamento do caso concreto. 2.1. A negativa de prestação jurisdicional não foi demonstrada, pois deficiente sua fundamentação, já que o recorrente não especificou como o acórdão de origem teria se negado a enfrentar questões aduzidas pelas partes, tampouco discorreu sobre as matérias que entendeu por omissas. Aplicação analógica da Súmula 284/STF. 2.2. O acórdão recorrido imputou o ônus probatório à instituição financeira, conforme a tese acima firmada, o que impõe o desprovimento do recurso especial. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (STJ - REsp: 1846649 MA 2019/0329419-2, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 24/11/2021, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 09/12/2021)

É importante trazer a lume que, acordo com o art. 5º do Código de Processo Civil, “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Portanto, para o regular desenvolvimento do processo e para preservar o instrumento da jurisdição enquanto veículo ético de resolução de controvérsias, avesso, portanto, à chicanas de qualquer ordem, o Código de Processo Civil prevê padrões de conduta a serem observados por todos os sujeitos processuais sob pena de lhe serem impostas penalidades de diversas naturezas.

Nesse sentido, a lei determina que as partes têm o dever de litigar de maneira proba, a qual se define no processo por exclusão, ou seja, atua de maneira ética todo aquele que não incide em uma das hipóteses previstas pela lei como de litigância de má-fé. O abuso do exercício de um direito processual manifesta-se das mais variadas formas ao longo de todo arco procedimental, porém duas delas cabem destaque: a ignorância (ou imperícia) e a má-fé dos litigantes.

Por tal razão, o exercício abusivo de um direito processual pode manifestar-se no conteúdo das alegações feitas por uma das partes litigantes ou na forma por meio da qual esta atua no processo, pessoalmente ou por seu procurador. Dessa forma, o conteúdo diz respeito, em síntese, à existência de um dever de dizer a verdade, do qual decorre naturalmente um dever de completude da verdade, ou seja, o dever de dizer toda a verdade; afinal de contas, meia-verdade é também meia-mentira. De outra banda, a forma está relacionada às “regras do jogo”, conceituadas, nas palavras de Barbosa Moreira, como sendo “o respeito aos direitos processuais da parte contrária e na abstenção de embaraçar, perturbar ou frustrar a atividade do órgão judicial, ordenada à apuração da verdade e à realização concreta da justiça” (“A responsabilidade das partes por dano processual no direito brasileiro”, p. 17).

Em resumo, o dever de se comportar de acordo com a boa-fé no processo significa, para além da lealdade e cooperação processual, a vedação à adoção de comportamentos contraditórios e à alteração da verdade dos fatos. Assim agindo, incumbe ao magistrado valorar a conduta da parte e não reconhecer a eficácia de tal conduta, embebecida de comportamentos distintos sem justificativa para tanto, de modo a tutelar assim a boa-fé e as legítimas expectativas criadas por comportamentos anteriores.

O caso em apreço é de causar estranheza, porquanto tratar-se de um empréstimo, cujas parcelas são/foram descontadas diretamente no benefício previdenciário da parte autora, e, somente meses após realizar os pagamentos das parcelas, esta resolve acionar o Judiciário, utilizando-se do processo para conseguir objetivo ilegal, consistente no seu enriquecimento ilícito, haja vista a própria parte autora haver juntado o contrato regularmente firmado perante a instituição bancária, por meio eletrônico, comprovando a existência do negócio jurídico válido e eficaz.

III - DISPOSITIVO.

Diante do exposto, e de tudo mais que dos autos consta, rejeitando as preliminares suscitadas pela parte demandada, REVOGO a decisão liminar de ID 199314187, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos constantes na inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) sobre o sobre o valor da causa, com fulcro no artigo 81 do CPC, cuja cobrança deve permanecer suspensa, em razão da pretérita concessão dos benefícios da gratuidade da justiça (art. 98, §3°, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se, pela imprensa.

Observem-se os pedidos específicos de publicações em nome dos patronos das partes.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.

Barreiras/BA, data da assinatura...

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