A Base Epistemológica da Ação Administrativa nas Organizações Substantivas e a Formação do Gestor Social

AutorJosé Francisco Salm - Maria Ester Menegasso
CargoDoutor em Administração Pública pela Universidade do Sul da Califórnia - Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas63-78
Artigo recebido em: 10/10/2014
Aceito em: 16/05/2015
http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2015v17nespp63
Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.
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A BASE EPISTEMOLÓGICA DA AÇÃO ADMINISTRATIVA NAS
ORGANIZAÇÕES SUBSTANTIVAS E A FORMAÇÃO DO GESTOR
SOCIAL
The Epistemological Basis of Administrative Action in
Substantive organizations and the Formation of Social Manager
José Francisco Salm
Doutor em Administração Pública pela Universidade do Sul da Califórnia. Professor do Centro Universitário Internacional – UNINTER.
Curitiba, PR, Brasil. E-mail: joséfrancisco.salm@gmail.com
Maria Ester Menegasso
Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora do Curso de Administração Pública
da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC/CESFI. Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: menester@uol.com.br
Resumo
A base epistemológica da ação administrativa em
prática nas organizações substantivas é distinta daquela
que ocorre nas organizações burocráticas, conforme
se depreende da Teoria da Delimitação dos Sistemas
Sociais proposta por Alberto Guerreiro Ramos. A ação
administrativa praticada nas organizações burocráticas
sustenta-se na racionalidade instrumental, na ética
da responsabilidade, na unidimensionalidade do ser
humano e nos ditames da esfera privada. A ação
administrativa praticada nas organizações substantivas
sustenta-se na racionalidade instrumental e substantiva,
na ética da responsabilidade e da convicção, na
multidimensionalidade humana e nos primados da
esfera pública. Neste artigo, pretende-se descobrir se as
organizações substantivas realizam seus propósitos por
meio de ação administrativa própria, cujo escopo vai
além daquela praticada nas organizações burocráticas.
Palavras-chave: Base Epistemológica. Ação
Administrativa. Organização Substantiva. Formação
do Gestor Social.
Abstract
The epistemological basis of administrative action in
substantive organizations practice is distinct from that
which occurs in bureaucratic organizations, as seen from
the Theory of Social Systems Delimitation, proposed
by Alberto Guerreiro Ramos. The administrative
action taken in bureaucratic organizations is sustained
by instrumental rationality, responsibility ethics,
human one-dimensionality, and dictates of the private
sphere. The administrative action taken in substantive
organizations is sustained by instrumental and
substantive rationality, responsibility and conviction
ethics, human multidimensionality, and excelled in the
public sphere. Substantive organizations accomplish
their purposes through their own administrative action,
whose scope goes beyond that practiced in bureaucratic
organizations.
Keywords: Epistemological Basis. Administrative
Action. Substantive Organization. Social Manager
Formation.
64 Revista de Ciências da Administração • v. 17, Edição Especial, p. 63-78, 2015
José Francisco Salm • Maria Ester Menegasso
1 INTRODUÇÃO
As mudanças que ocorrem na sociedade ocidental
desde o final da década de 1960 são responsáveis pelo
desenvolvimento de novos arranjos políticos, sociais
e econômicos que, no seu conjunto e dada a sua es-
pecificidade, não têm precedentes na história. Já no
começo da década de 60, em diversos países, deu-se
início a um processo de maior participação do cida-
dão na esfera pública. Essa participação ocorreu, em
maior escala, nos grupos poliárquicos (DAHL, 2005),
nas associações e na comunidade, entidades que, a
partir de então, passaram a ter maior relevo na esfera
pública (CALEGARE; SILVA JUNIOR, 2009). Também
surgiu um sem-número de organizações sociais, no seu
conjunto, denominadas terceiro setor. O mercado, por
seu turno, incorporou a ideia da responsabilidade social
e teve sua atuação delimitada por meio de algumas
poucas restrições, principalmente aquelas relacionadas
com a exploração do meio ambiente natural ou biosfe-
ra. No âmago dessas e de mercado, da massificação das
pessoas em sociedade e dos limites que são postos ao
exercício da liberdade dos cidadãos, além das questões
ligadas à preservação da natureza e à prática da ética
(CATLAW, 2007). Todas essas mudanças e questiona-
mentos tiveram seus reflexos na ação administrativa
em prática nas organizações.
A ação administrativa que ocorre no âmbito das
organizações formais é uma modalidade de ação social
que se consagra pela prática da racionalidade e pela
responsabilidade no alcance de objetivos. No contexto
das mudanças em curso, a ação administrativa cria cor-
po porque a sua prática nessas organizações está tanto
a serviço da esfera pública, quanto da esfera privada,
embora com propósitos distintos. Em uma esfera, ela
promove o interesse público; em outra, o interesse
privado. Esse fato tem relação direta com os questio-
namentos que estão no centro das mudanças pelas
quais estamos atravessando, haja vista os conflitos de
interesses entre essas duas esferas (ARENDT, 2014).
Esses conflitos de interesse ganham vulto à me-
dida que se discute a necessidade de maior eficiência
ou racionalidade no uso de recursos e maior respon-
sabilidade na produção de bens e serviços pelo estado
(DICKINSON; SULLIVAN, 2014). Na busca da maior
eficiência e responsabilidade, surgiram rearranjos nas
estruturas, tecnologias e teorias das organizações de na-
tureza burocrática, produtoras de bens e serviços. Esses
rearranjos ocorreram com mais agilidade nas organi-
zações da esfera privada do que nas da esfera pública,
em parte, também, por causa dos encaminhamentos
legais que constrangem a velocidade das mudanças nas
organizações burocráticas públicas. Como consequên-
cia, as organizações burocráticas que prestam serviços
na esfera pública não proporcionaram respostas para
a sociedade na velocidade em que ela as demandava,
fato que abriu espaço para as organizações do terceiro
setor. Tal fato também deu oportunidade para que as
organizações burocráticas da esfera privada passassem
a produzir o bem público em maior escala, mas esse
não é o foco da discussão neste momento. É importante
destacar que o bem público passou a ser produzido
tanto pelas organizações de natureza burocrática, man-
tidas só pelo poder público, quanto por organizações
mais flexíveis e menos burocráticas, mantidas ou não
pelo poder público. As primeiras são burocracias públi-
cas, espaço em que se exerce a administração pública
(DENHARDT; CATLAW, 2014; MATIAS-PEREIRA,
2010), as segundas são organizações do terceiro setor,
espaço em que se exerce a gestão social (CANSADO;
SAUSEN; VILLELA, 2013); ambas, porém, realizam
as suas ações na esfera pública.
Muitas dessas organizações, que realizam as suas
ações na esfera pública, podem ser denominadas
organizações substantivas pelo tipo de ação adminis-
trativa que nela se pratica, por serem mais flexíveis
e menos burocráticas, pela possibilidade objetiva de
autorrealização que oferecem aos seus membros e
pela singularidade de propósito das pessoas que delas
participam, já que, usualmente, elas não estão motiva-
das apenas pelo ganho econômico imediato (RAMOS,
1981; SERVA, 1997).
É importante esclarecer que essa não é uma
concepção heurística de organização substantiva, uma
vez que “não se espera de nenhuma situação existente
na vida social que coincida com esses tipos ideais.
No mundo concreto, só existem sistemas sociais mis-
tos” (RAMOS, 1981). Ademais, de acordo com o que
preceitua a “Lei Cíclica da Decadência e da Queda”
(VOEGELIN, 1963), uma concepção ideal, seja de so-
ciedade ou de organização, corrompe-se na proporção
em que passa a existir. Por via de consequência, uma
concepção ideal de organização substantiva também
perde, em algum grau, suas características e design à

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