Uma biblioteca: Leituras. A assinatura rasurada de Miltom Hatoum

AutorMilena Magalhães
CargoUniversidade Federal de Rondônia
Páginas113-129
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2012v12n18p113
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U
MA BIBLIOTECA
:
L
EITURAS
A
ASSINATURA RASURADA DE
M
ILTON
H
ATOUM
1
Milena Magalhães
Universidade Federal de Rondônia
milena_guidio@yahoo.com.br
Resumo: A violência que ocorre em toda constituição de arquivo se evidencia em torno da
assinatura de Milton Hatoum pela negatividade atribuída ao conceito de regionalismo.
Refletindo sobre a posição ambígua tanto do escritor, que lança mão de seu nome próprio
para refutar alguns dos traços atribuídos a sua obra, quanto da crítica que não se afasta dos
sentidos tradicionais do conceito, a questão, sempre mais de uma, como diria Jacques
Derrida, é apontar que essa tensão está mais bem resolvida no estabelecimento da aporia
presente em seus livros do que nas interpretações que se fazem deles. Para fazer derivar
essas quase-proposições, segue-se de perto a “letra” de Derrida acerca das noções de
arquivo, assinatura, nome próprio.
Palavras-chave: Arquivo; Milton Hatoum; Regional.
Abstract: The violence that occurs throughout the constitution of all archives is evidenced,
in the case of Milton Hatoum, by negativity attributed to the concept of regionalism.
Reflecting on the ambiguous position of both the author, who makes use of his own name
to refuse some of the traits attributed to his work, as the critics who don’t withdraw from
the traditional senses of the concept, the question, always more than one, as would say
Jacques Derrida, is to point that this tension is best resolved in the establishment of this
aporia in his books, but not in the interpretations on them. In a way to derive these quasi-
propositions, we follow very closely the “letter” of Derrida on the notions of archive,
signing and own name.
Keywords: Archive; Milton Hatoum; Regionalism.
A música se embala no possível,
no finito redondo, em que se crispa
uma agonia moderna.
Carlos Drummond de Andrade
1
“Uma biblioteca: leituras” é o título de um poema de Fabiano Calixto, que está no livro Música possível, de
onde retirei também os versos do poema de Drummond para comp or a epígrafe.
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1.
Este texto
2
caminha pela generalidade do conceito de arquivo e do conceito em geral,
próximo da “letra” de Jacques Derrida, em Mal de arquivo (e em outros livros), porém sem
pretender especificar o que é da ordem do filósofo e o que já é consequência do
movimento interpretativo. Prefere trabalhar com a indecidibilidade imposta pelo próprio
Derrida que, manejando o vocabulário da psicanálise, de Freud, opera uma torção no
conceito de arquivo, ao indicar a cena da artefatualidade e da ato-virtualidade, de modo
suficientemente sugestivo para nos levar a pensar como a técnica transforma não apenas
nossa relação com o presente, mas também com os saberes gerados no passado. Um
exemplo encontra-se no livro, quando Derrida aponta algumas das próteses que já nos
parecem obsoletas diante de outras que aparecem quase que diariamente (“...cartões
telefônicos, MCI ou ATT, de gravadores portáveis, computadores, impressoras, fax,
televisão, teleconferências e sobretudo correio eletrônico (E-mail))”
3
. Que outros gadgets
seriam acrescentados e como influenciariam na leitura feita pelo filósofo? Se fosse o caso,
ou o lugar de tratar disso, poderíamos nos perguntar qual seria hoje o “bloco mágico” de
Derrida. Porém, o interesse agora é o de derivar a palavra, fazendo-a funcionar em outro
contexto. No caso, nas cenas crítica e literária brasileiras contemporâneas.
Seria preciso fazer um esforço para pensar sobre cada uma destas palavras (cena
crítica – literária – brasileira – contemporânea) para vermos como estabelecem tensões com
as variadas formas de experiência que circulam. Por ora, detenho-me na última, ou melhor,
em alguns de seus traços, de modo que seja possível refletir sobre as outras posteriormente;
não de modo geral, mas a partir de um caso exemplar: o do escritor Milton Hatoum. Em
texto, Derrida designa dois traços que, para ele, constroem a atualidade em geral. Utilizando-
se de duas palavras-valises (artefatualidade e ato-virtualidade), ele distingue a atualidade do
presente, produzindo um efeito de intempestividade que põe em destaque o fato de que a
atualidade é construída”, “não é dada, mas ativamente produzida, crivada, investida,
performativamente interpretada por um número de dispositivos falsos ou artificiais,
hierarquizantes e seletivos, em geral a serviço de forças e de interesses que os ‘sujeitos’ e os
2
As reflexões feitas aqui de rivam dos estudos realizados no GEPŒC – Grupo de Pesquisa em Poética
Brasileira Contemporânea, no qual se desenvolve a pesquisa “O regional c omo questão na litera tura brasileira
contemporânea”, com auxílio do CNPq.
3
Derrida. Mal de arquivo, p. 28. Utilizo aqui a tradução de Claudia de Moraes Rego.

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