Bolsonarismo como linguagem da destruição: uma conversa sobre o mal-estar civilizatório no Brasil recente

AutorMarco Túlio de Urzêda-Freitas, Letícia Lima Vieira
CargoPontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil / Universidade Federal de Goiás, Brasil
Páginas318-345
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 256, p. 318-345, maio/ago. 2022 | ISSN 2447-861X
BOLSONARISMO COMO LINGUAGEM DA DESTRUIÇÃO: UMA
CONVERSA SOBRE O MAL-ESTAR CIVILIZATÓRIO NO BRASIL
RECENTE
Bolsonarismo as language of destruction: a conversation on the discontents of
civilization in recent Brazil
Marco Túlio de Urzêda-Freitas
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Letícia Lima Vieira
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Informações do artigo
Recebido em 19/01/2022
Aceito em 16/11/2022
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2022.n256.p318-345
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
URZÊDA-FREITAS, Marco Túlio de; VIEIRA, Letícia
Lima. Bolsonarismo como linguagem da destruição:
uma conversa sobre o mal-estar civilizatório no Brasil
recente. Cadernos do CEAS: Revista Crítica de
Humanidades. Salvador/Recife, v. 47, n. 256, p. 318-345,
maio/ago. 2022. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2022.n256.p318-345
Resumo
Neste texto, que percebemos como uma escrita-conversa,
buscamos mobilizar algumas inquietações sobre o mal-estar
que permeia o Brasil recente. Considerando que Jair Bolsonaro,
atual Presidente da República, nunca se absteve de manifestar
apreço por práticas autoritárias e violentas durante a sua carreira
política, o que inclui a campanha eleitoral de 2018, o nosso
principal objetivo foi esboçar uma compreensão da crise
civilizatória revelada e potencializada por seu governo. Uma das
perguntas que orientou o nosso diálogo foi: o que levou e tem
levado milhares de brasileiros a legitimar esse projeto
ancorado em uma linguagem da destruição? Ao destacarmos a
condição de desamparo do sujeito e o potencial destrutivo da
linguagem como questões cruciais para se compreender a
performance do mal no Brasil contemporâneo, argumentamos
em favor da afirmação do desamparo como força produtiva para
uma (re)elaboração crítica da complexa e trágica realidade que
vivemos.
Palavras-Chave: Brasil recente. Bolsonarismo. Crise
civilizatória. Desamparo. Linguagem.
Abstract
In this text, which we perceive as a piece of writing-talk, we seek
to mobilize some personal concerns abo ut the discontent that
permeates recent Brazil. Considering that Jair Bolsonaro, the
current President of the B razilian Republic, has never refrained
from expressing appreciation for authoritarian and violent
practices during his political career, which includes the 2018
electoral campaign, our main objective was to outli ne an
understanding of the civilizatory crisis revealed and
potentialized by his government. One of the questions that
guided our dialogue was: what led and has led thousands of
Brazilians to embrace a project anchored in a language of
destruction? By highlighting the helplessness of the subject and
the destructive potential of language as crucial issues to
understand the performance of evil in contemporary Brazil, we
argue for the affirmation of helplessness as a productive force for
a critical (re)elaboration of the complex and tragic reality that we
live in.
Keywords: Recent Brazil. Bolsonarismo. Discontents of
Civilization. Helplessness. Language.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 256, p. 318-345, maio/ago. 2022.
319
Bolsonarismo como linguagem da destruição... | Marco Túlio de Urzêda-Freitas e Letícia Lima Vieira
NÓS, ANIMAIS DE HORDA?
1
Imagem 1: Deputados bolsonaristas, então candidatos, na campanha eleitoral de 2018
Fonte: Portal A Tarde (17 fev., 2021)
2
Apesar de a Constituição brasileira ter sido formalmente restituída com a queda do
Regime Civil-Militar, o período de redemocratização do Brasil foi marcado por uma série de
controvérsias. A primeira delas foi a extensão da Lei da Anistia aos crimes cometidos por
militares durante a ditadura, o que provocou um “impedimento do exercício da memória, e,
ao mesmo tempo, a instauração de um estado não de luto, mas de melancolia” (NEVES, 2012,
p. 391). Em segundo lugar, destacamos a eleição indireta de Tancredo Neves pelo Congresso
Nacional (JUNIOR, 1999) e a posse de José Sarney, “uma figura política marcada por anos de
vínculos com os militares” (KINZO, 2001, p. 7), como primeiro presidente da chamada Nova
República. Por fim, as políticas soci oeconômicas adotadas a partir do governo de Fernando
Collor de Mello mostram que a democracia brasileira nunca foi exercida de forma plena, o
que vai de encontro às promessas de igualdade social e participação popular que integram a
Constituição Cidadã de 1988. Para Machado (2006, p. 54), sempre houve um mal-estar na
democracia brasileira, caracterizado por um “desconforto político-ideológico [de grupos que]
lutam por transformação social, mas vêem suas reivindicações frustradas pelo Estado”.
Mesmo com esse mal-estar constante, pode-se dizer que a maioria dos governos
eleitos, a partir da redemocratização, buscou respeitar as normas do jogo democrático,
dentre as quais a pluralidade ideológica, a liberdade de oposição e o diálogo entre os Poderes
1
Pergunta alusiva à declaração de Freud, extraída do texto Psicologia das massas e análise do eu: “[o homem] é
antes um animal de horda, * membro individual de uma horda conduzida por um chefe.” (FREUD, 2010 [1921]).
2
Imagem extraída da reportagem disponível em: https://atarde.uol.com.br/politica/noticias/2158185-irma-de-
marielle-ironiza-prisao-de-bolsonarista-quero-ver-quebrar-plaquinha-na-cadeia. Acesso em: 21 abr. 2021.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT