O Brasil e sua federação

AutorMario Drumond Coelho
Ocupação do AutorMestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília
Páginas69-132
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CAPÍTULO 2
O BRASIL E SUA FEDERAÇÃO
Diversos autores referem-se ao federalismo como espécie de
sistema, inclusive Madison, Hamilton e Jay no âmbito dos Federalist
Papers.147 Esse dado, por si só, guarda consigo enorme relevância,
pois é indicativo de um aspecto metodológico intrínseco ao federa-
lismo per se. Em outras palavras, sendo o federalismo uma realidade
passível de interpretação como tipo de sistema integrado por com-
ponentes autônomos, dada a existência, como regra, de duas esferas
de poder que lhe são inerentes (ou “dois conjuntos de autoridades
governantes”148), o estudo de qualquer modelo federalista, em pers-
pectiva teórica ou empírica, revela-se perfeitamente compatível com
a noção mais ampla de sistema, o que implica dizer, por conseguinte,
que tal compatibilidade contempla um sentido de ordem metodo-
lógica, nomeadamente no tocante à chamada abordagem sistêmica,
enfoque utilizado em inúmeras pesquisas sobre o federalismo em
geral e sobre o sistema federalista brasileiro em particular, as quais
incluem, apenas para citar dois exemplos, investigações relacionadas
à criação de municipalidades149 e à proteção ambiental150 no Brasil.
Além disso, vale dizer que esta abordagem opera em razão
de uma premissa aparentemente simples, porém fundamental: um
147 Por exemplo: 41 (Madison); 44 (Madison); 57 (Madison); 64 (Jay); 71 (Hamilton);
72 (Hamilton); 80 (Hamilton); 82 (Hamilton); 84 (Hamilton); 85 (Hamilton).
148 FINER, S. E. (1981). Governo comparado. Brasília, Editora Universidade de Brasília,
p. 195.
149 TOMIO, F. R. D. L. (2005). Federalismo, municípios e decisões legislativas: a criação
de municípios no Rio Grande do Sul. Revista de Sociologia e Política. 24, p. 125.
150 FARIAS, P. J. L. (2013). O papel do federalismo na proteção ambiental e no de-
senvolvimento das diferentes regiões brasileiras: os estados-membros como la-
boratórios de melhores modelos de proteção ambiental. Revista do Instituto do
Direito Brasileiro. 14, p. 16611.
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Mario Drumond Coelho
sistema qualquer (federalismo abarcado) implica “uma ordem em
que todas as diferentes partes se sustentam mutuamente”.151 Esse mu-
tualismo constitui, sem sombra de dúvida, traço basilar de todo e
qualquer sistema, inclusive dos sistemas federativos. Assim, quando
analisado o federalismo à luz do conceito de sistema, importa sa-
ber, fundamentalmente, o modo pelo qual se comportam as unida-
des do sistema, comportamento aqui entendido em sentido político
amplo, o que implica examinar o modus operandi dos agentes pú-
blicos envolvidos (Presidentes, Ministros, Governadores, Prefeitos,
Senadores, Vereadores, Juízes) nos processos decisórios que dão vida
concreta ao sistema. Por definição, um sistema qualquer é dotado de
uma estrutura integrada por unidades em ambiente de permanente
interação. O comportamento de qualquer unidade, em qualquer hi-
pótese, causa impactos sobre a totalidade do sistema, independente-
mente dos graus quantitativos ou qualitativos de tais impactos.
Entre os inúmeros autores que avaliam o federalismo à luz da
noção de sistema, podemos trazer à baila H. W. Chase (1972152), C.
J. Friedrich (1975153), L. Lipson (1976154), R. M. G. Silveira (1978155),
S. E. Finer (1981156), R. F. Pannier (1990157), V. Ostrom (1991158), R.
151 BOUDON, R., & BOURRICAUD, F. (1993). Dicionário crítico de sociologia. São
Paulo, Ática, p. 504.
152 CHASE, H. W. (1972). Federal judges: the appointing process. Minneapolis,
University of Minnesota Press, p. vii.
153 FRIEDRICH, C. J. (1975). Gobierno constitucional y democracia: teoría y prácti-
ca en Europa y América. Madrid, Instituto de Estudios Políticos, p. 390.
154 LIPSON, L. (1976). Os grandes problemas da ciência política. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, p. 370.
155 SILVEIRA, R. M. G. (1978). Republicanismo e federalismo: um estudo da implan-
tação da República Brasileira, 1889-1902. Brasília, Centro Gráfico do Senado
Federal, p. 63.
156 FINER, S. E. Op. cit., p.196.
157 PANNIER, R. F. (1990). Justifying Federalism. William Mitchell Law Review. 16, p. 613.
158 OSTROM, V. (1991). The meaning of American federalism: constituting a self-
-governing society. San Francisco, ICS Press, p. 6.
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FEDERALISMO – Introdução ao estudo dos seus princípios
Affonso (1994159), D. J. Elazar (1995160), R. W. Adler (1997161), C. L.
A. Rocha (1997162), F. D. Drake e L. R. Nelson (1999163), A. Fossati e
Giorgio Panella (1999164), J. Mazzone (2001165), B. Grey (2002166), A.
H. Eid (2003167), A. O. Bowman (2004168), J. Rodden (2004169), J. F.
S. Saraiva (2004170), A. B. Sanders (2005171), C. Souza (2005172), J. B.
Bumgarner (2006173), C. R. Sunstein (2006174), S. Dosenrode (2007175),
159 AFFONSO, R. Op. cit., p. 334.
160 ELAZAR, D. J. (1995). Federalis m: an overview. Pretoria, HSRC Publishers, p. 6.
161 ADLER, R. W. (1997). Unfunded Mandates and Fiscal Federalism: A Critique.
Vanderbilt Law Review. 50, p. 1160.
162 ROCHA, C. L. A. (1997). República e federação no Brasil: traços constitucionais
da organização política brasileira. Belo Horizonte, Del Rey, p. 175.
163 DRAKE, F. D., & NELSON, L. R. (1999). Statesʼ rights and American federalism
a documentary history. Westport, Conn, Greenwood Press, p. xix.
164 FOSSATI, A., & PANELLA, G. (1999). Fiscal federalism in the European Union.
London, Routledge, p. 65.
165 MAZZONE, J. (2001). The Social Capital Argument for Federalism. Southern
California Interdisciplinary Law Journal. 11, p. 29.
166 GREY, B. (2002). The New Federalism Jurisprudence and National Tort Reform.
Washington & Lee Law Review. 59, p. 511.
167 EID, A. H. (2003). Federalism and Formalism. William & Mary Bill of Rights
Journal . 11 (3), p. 1235.
168 BOWMAN, A. O. (2004). Horizontal Federalism: Exploring Interstate
Interactions. Journal of Public Administration Research and Theory. 14, p. 536.
169 RODDEN, J. (2004). Comparative Federalism and Decentralization: On
Meaning and Measurement. Comparative Politics. 36 (4), p. 489.
170 SARAIVA, J. F. S. (2004). A busca de um novo paradigma: política exterior, comércio
ex ter no e federalismo no Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional. 47 (2), p. 131.
171 SANDERS, A. B. (2005). The New Judicial Federalism before its Time: A
Comprehensive Review of Economic Substantive Due Process under State
Constitutional Law since 1940 and the Reasons for its Recent Decline. American
University Law Review. 55 (2), p. 459.
172 SOUZA, C. (2005). Federalismo, desenho constitucional e instituições federati-
vas no Brasil pós-1988. Revista de Sociologia e Política. 24, p. 105.
173 BUMGARNER, J. B. (2006). Federal agents: the growth of federal law enforce-
ment in America. Westport, Conn, Praeger, p. 219.
174 SUNSTEIN, C. R. (2006). Are judges political?: an empirical analysis of the fede-
ral judiciary. Washington, D.C., Brookings Institution Press, p. 139.
175 DOSENRODE, S. (2007). Approaching the European federation? Aldershot,
England, Ashgate, p. 3.
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