O federalismo e seus princípios
Autor | Mario Drumond Coelho |
Ocupação do Autor | Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília |
Páginas | 1-68 |
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CAPÍTULO 1
O FEDERALISMO E SEUS PRINCÍPIOS
Para efeito de clareza não apenas conceitual, mas princi-
palmente para o fim de distinção de categorias, princípios e nor-
mas representam, para todas as finalidades deste livro, tópicos
distintos, o que certamente não implica a negação da conexão
qualitativa entre uma coisa e outra. Quando falamos em princí-
pios, a referência diz respeito aos princípios do federalismo, tais
como unidade, diversidade, cooperação, divisão de poder, des-
centralização e freios e contrapesos; e, ainda, quando for o caso,
ao federalismo quando tido por princípio per se. Por conseguin-
te, princípios do federalismo e não quaisquer princípios, muito
menos princípios de direito.1 Ademais, sem prejuízo de eventuais
entendimentos diversos sobre a separação conceitual e categórica
entre princípios e normas, e sem menosprezar quaisquer opiniões
tendentes a mesclar princípios e normas em fenômenos unitários
que não mereçam, por conseguinte, distinções de ordem qualita-
tiva, optamos por seguir aquela linha de pensamento preconizada
por J. Esser (1961) em sua magistral obra Principio y norma en la
elaboración jurisprudencial del derecho privado, segundo a qual
“ningún principio actúa por sí solo como creador de normas, sino
que únicamente posee fuerza constitutiva o valor constructivo en
unión con el conjunto del ordenamiento reconocido, dentro del
cual le incumbe una función bien definida”.2 Em outras palavras:
1 GRAU, E. R. (2002). Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito.
São Paulo, Malheiros, p. 37.
2 ESSER, J. (1961). Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho
privado. Barcelona, Bosch, p. 88.
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Mario Drumond Coelho
princípios e normas como categorias (entendidas aqui como con-
ceitos de alto grau de generalidade) distintas.
Este entendimento não implica asseverar que um determi-
nado princípio não possa revelar-se na forma de norma positivada
por dada carta constitucional. É o que ocorre, por exemplo, com
o princípio da cooperação, incorporado ao corpo normativo da
CF/88 na forma do parágrafo único de seu artigo 23: “Leis com-
plementares fixarão normas para a cooperação entre a União e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o
equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacio-
nal”. Neste caso, como em outros, a Carta Magna do Brasil cuidou
de incorporar ao seu texto, na forma de normas expressas, estes
ou aqueles princípios do federalismo. Estamos diante de um pro-
cesso de incorporação de princípios, o qual tem, em síntese, um
momento anterior (a existência do princípio como elemento que
integra a teoria do federalismo, sendo, portanto, princípio externo
à determinada ordem constitucional vigente) e, ainda, um momen-
to posterior (a promulgação de determinado texto constitucional
contendo de forma expressa, ou mesmo tácita, princípios do fe-
deralismo). Naquele momento primário, o princípio ainda não é
norma; neste momento secundário, o princípio sofre aquela meta-
morfose essencial, adquirindo contornos de norma constitucional.
Já incorporado como norma, o princípio preserva-se e prolonga-se
como essência principiológica da norma consagrada por dada car-
ta constitucional.
Esta distinção entre princípios e normas se faz necessária
por força da separação de categorias que norteia a própria linha de
pensamento proposta para a pesquisa que orientou esta obra, pau-
tada fundamentalmente pelo processo de dedução, o qual compre-
ende, por seu turno, um esquema definido por seis etapas, segundo
a formulação de A. Bryman (2008):
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FEDERALISMO – Introdução ao estudo dos seus princípios
Quadro 1
PROCESSO DE DEDUÇÃO3
(I) TEORIA
↓
(II) HIPÓTESE
↓
(III) COLETA DE DADOS
↓
(IV) DESCOBERTAS
↓
(V) CONFIRMAÇÃO OU REJEIÇÃO DA HIPÓTESE
↓
(VI) REVISÃO DA TEORIA
Especificamente3 no tocante ao primeiro passo, marco metodo-
lógico inicial da pesquisa, tome-se por referência máxima a teoria do
federalismo (incluídos os seus princípios); daí a ênfase sobre a distin-
ção entre princípios e normas. Outro argumento a escorar tal diferen-
ciação diz respeito à seguinte constatação: sendo verdadeira a premissa
segundo a qual princípios e normas constituem categorias distintas,
seria ilógico imaginar normas de substância federalista de um texto
constitucional de 1988 terem sido concebidas pelo constituinte de oca-
sião sem amparo de uma teoria que lhes desse conteúdo tão específico.
Neste sentido, é apropriado assegurar que até mesmo os diver-
sos princípios orientadores da teoria do federalismo, fecundamente
3 BRYMAN, A. (2008). Social research methods. Oxford, Oxford University Press,
p. 10.
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