Breve Histórico do Tribunal do Júri

AutorRomualdo Sanches Calvo Filho
Ocupação do AutorGraduado em Direito no ano de 1988 e Pós-Graduado em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade Presbiteriana Mackenzie
Páginas23-41

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Ver Nota1

1.1. Reminiscências inglesa e francesa do júri e sua previsão nas Constituições Brasileiras de 1824 a 1988

O berço do júri deu-se na Inglaterra de 1215, com a extinção das Ordálias ou Juízes de Deus pelo Concílio de Latrão. Depois foi absorvido pela França, como forma de repúdio à monarquia absolutista de então, espargindo-se daí por toda a Europa, surgindo então os dois sistemas que adotavam o tribunal do júri no seu ordenamento jurídico: o sistema inglês e o francês, sem prejuízo de sua nítida inspiração mosaica, nas palavras de Tucci (1999, p. 12). Note-se, assim, a origem eminentemente política do Tribunal do Júri, seja na Ingla-terra, seja na França. Por outro lado, o mundo teve dois modelos de Tribunal do Júri: o inglês e o francês, sendo este último adotado pelo Brasil. No sistema inglês, não há quesitos formulados aos jurados, sendo que eles se comunicam, e a decisão é tomada por unanimidade (“guilty or not guilty” — “culpado ou inocente”), incumbindo ao juiz aplicar a pena. No modelo francês, os jurados respondem a quesitos, não podendo comunicar-se entre si ou com terceiros quanto ao mérito da causa, e a decisão não precisa ser unânime, aplicando o juiz a pena. Prepondera hoje na Europa o sistema do escabinado (misto de juízes populares e togados — colegiado e heterogêneo — que julgam simultaneamente questões de fato e de direito).

O Tribunal do Júri teve início no Brasil por Lei de 18 de junho de 1822, por determinação do príncipe regente D. Pedro de Alcânta-

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ra, orientado por José Bonifácio de Andrada e Silva e composto de 24 jurados competentes para julgar apenas crimes de imprensa, o que aconteceu pela primeira vez no ano de 1825 com relação aos crimes de injúrias impressas. O Tribunal do Júri teve previsão constitucional nos arts. 151 e 152 da Carta Imperial de 24 de março de 1824, a qual o colocou entre os órgãos que compunham o Poder Judiciário, tendo competência para conhecer um grande número de infrações penais, inclusive fatos civis, nomeadamente com o advento do Código Criminal do Império de 16 de dezembro de 1830 e do Código de Processo Criminal de 28 de novembro de 1832. O art. 152 dessa Constituição Imperial asseverava que aos jurados competia proferir julgamento sobre os fatos, enquanto ao juiz restaria aplicar as leis. Em 1830, foram criados o júri de acusação e o júri de julgamento, previstos depois no Código de Processo Criminal de 1832, sendo o júri de acusação formado por 23 jurados e o de julgamento por 12. Esse júri de acusação acabou sendo extinto em 1841 pela Lei nº 261 de 03 de dezembro, passando, então, a incumbência da formação da culpa, bem como da sentença de pronúncia, às autoridades policiais e aos juízes municipais. Passaram-se a admitir, com a edição dessa Lei Imperial, no seu art. 79, desmandos existentes no júri, autorizando o juiz apelar de ofício se a decisão contrariasse a prova dos autos, recurso que foi mantido na Lei Imperial nº 2.033 de 1871, no seu art. 17, § 4º, regulamentada pelo Decreto 4.824, de 22 de novembro do mesmo ano. Esse recurso de ofício foi abolido no Estado de São Paulo pela Lei nº 1.849 de 1921, sendo restaurado no ano de 1930 pelo Decreto nº 4.784.

Note-se que, com as reformas posteriormente surgidas, o Tribunal do Júri passou a ter competência para julgar todas as infrações penais a partir da Lei nº 2.033 do ano de 1871, chegando, dessa mesma maneira, até a proclamação da República. A primeira Constituição Republicana de 1891 manteve a unidade substantiva e a pluralidade processual e consagrou a autonomia dos Estados Federados, permitindo-lhes a edição de seus Códigos de Processo e mantendo no seu art. 72, § 31, a instituição do júri entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão. O art. 72 da Carta Política de 1934, como

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fizera a Carta Imperial de 1824, voltou a colocar o Tribunal do Júri entre os órgãos do Poder Judiciário, sendo que essa mesma Constituição de 1934 trouxe de volta a unidade federal legislativa, não permitindo que os Estados tivessem autonomia para editar normas processuais e extinguindo, assim, a dualidade processual entre a União e os EstadosMembros e o Distrito Federal. Isso evitou, por exemplo, que o Código de Processo Penal de um Estado considerasse, como sendo competência do júri, o crime de lesões corporais, fato este que não acontecia com outros códigos, etc. A Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, omitiu do seu texto o Tribunal do Júri, embora seu art. 183 tolerasse, implicitamente, o seu funcionamento.

Em 05 de janeiro de 1938, o Tribunal do Júri sofreu duro golpe por meio do Decreto-Lei nº 167, que afastou a soberania das decisões do júri, se bem que esta soberania só era antes admitida pela doutrina e pelas decisões reiteradas do Supremo, acontecendo ainda de o referido Decreto-Lei também estabelecer o número de 7 jurados para o Conselho de Sentença, uma vez que, anteriormente, o número era de 12 (a partir de 1830). A despeito do silêncio da Constituição de 1937 sobre o júri, ele jamais deixou de funcionar na prática, sendo que o Decreto-Lei nº 167 federalizou, na época, a instituição do júri, valendo essa regra para todo o território nacional, uma vez que, antes disso, vigorava a pluralidade processual, isto é, cada Estado podia estabelecer suas regras processuais para tratar do júri. Esse Decreto-Lei nº 167 foi ao depois encampado pelo Código de Processo Penal de 1941 (Decreto-Lei nº 3.689), entrando em vigor em 01 de janeiro de 1942.

Com a queda de Getúlio em 1945, o Brasil voltou a tomar a trilha democrática, promulgando a Constituição de 1946, cujo art. 141, § 28, previu o júri entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, atribuindo-lhe, assim, os apanágios da ampla defesa, o sigilo das votações, a competência para conhecer e julgar os crimes dolosos contra a vida e o número ímpar de jurados. Além disso, a Constituição de 1946 previu, pela primeira vez em nível constitucional, a soberania de seus veredictos. A Lei nº 263/48, pretendendo harmonizar-se com o novo texto constitucional, introduziu a alínea “d” no art. 593, III, do atual CPP, permitindo que o juízo ad quem, ainda que por uma

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única vez (art. 593, § 3º, do CPP), cassasse a decisão oriunda dos jurados quando manifestamente contrária à prova dos autos, o que, segundo alguns, vilipendiaria o princípio da soberania obtido, pela primeira vez, por intermédio da Carta de 1946. A Lei nº 263 também revogou os arts. 604/606 do CPP, sendo que este último artigo permitia ao órgão recursal reformar a decisão dos jurados para absolver o réu condenado ou condenar o réu absolvido, o que passou a não ser mais possível com o advento de mencionada lei, perdurando essa norma até hoje.

A Carta outorgada em 1967 pelo regime que se implantou em 01 de abril de 1964 manteve em seu art. 150, § 18, a instituição do júri entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, apesar de o regime ser ditatorial. A Emenda Constitucional nº 1 de 1969, igualmente, conservou o júri no seu art. 153, § 18, apenas não prevendo, como fizera a anterior, a sua soberania, o que levou José Frederico Marques, fogoso crítico da popular instituição, a afirmar que, em razão disso, todo recurso interposto contra a decisão dos jurados teria doravante efeito devolutivo, permitindo-se, dessa forma, ao órgão recursal reformar a decisão dos juízes leigos. Entrementes, em razão de não ter sido alterada a disposição do art. 593, § 3º, do CPP, aquele posicionamento ficou apenas na esfera da sugestão, continuando assim a soberania do júri a ser reconhecida pelos tribunais.

Finalmente, a Constituição Cidadã promulgada a 05 de outubro de 1988 reconheceu em seu art. 5º, XXXVIII, a instituição do júri entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão, agregandolhe ainda o status de cláusula pétrea, conforme art. 60, § 4º, IV, da Constituição. O novo texto assegura à instituição do júri a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Como argutamente observaram Tourinho Filho (2000, p. 76-90) e Frederico Marques (1955, p. 63), entre outros estudiosos, diferentemente do que fizera as Constituições de 1946 e 1967, com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, quando o júri foi nelas mantido, a CF de 88 apenas o reconheceu. Isso significa que o júri não mais ficou jungido às bases das Constituições anteriores, permitindo, assim, que o Tribunal do Júri

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conhecesse não apenas os crimes dolosos contra a vida e a reserva obrigatória, mas também outros crimes que não fossem exclusivamente dessa natureza, bastando apenas uma lei ordinária a respeito, como, por exemplo, roubo seguido de morte, extorsão mediante seqüestro com resultado morte etc. Além disso, a CF de 88 permitiu que fosse estabelecido um número par de jurados na composição do Conselho de Sentença, o que, aliás, seria até benéfico ao acusado, uma vez que ele jamais seria condenado por uma diferença de apenas um voto como acontece hoje com o número ímpar de sete jurados na formação do Conselho; no entanto, a diferença seria sempre de pelo menos dois votos e, no caso de empate, prevaleceria a decisão mais favorável ao acusado: sua absolvição.

1.2. O Tribunal do Júri como órgão de primeiro grau da justiça penal comum

Destaque-se que o Tribunal do Júri não...

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