Brumado - 2ª vara dos feitos relativos às relações de consumo, cíveis, comerciais e fazenda pública

Data de publicação14 Fevereiro 2022
Número da edição3039
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2A VARA DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE BRUMADO
INTIMAÇÃO

8000234-60.2022.8.05.0032 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Brumado
Autor: Aparecida Da Silva Araujo
Reu: Municipio De Brumado
Reu: Estado Da Bahia
Terceiro Interessado: Tereza Cristina Paim Xavier Carvalho
Terceiro Interessado: Diretor Do Hospital Regional De Vitoria Da Conquista

Intimação:

DECISÃO

Vistos etc.

Trata-se de ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por APARECIDA DA SILVA ARAUJO, por intermédio da Defensoria Pública da Bahia, em face do ESTADO DA BAHIA e MUNICÍPIO DE BRUMADO.

Sustenta a inicial (ID 181024637), em síntese, que:

“(...) a paciente encontra-se internada no Hospital Municipal Professor Magalhães Neto desde o dia 19/01/2022 devido a ANEURISMA CEREBRAL SACULAR.

Em decorrência de seu quadro de saúde, em 29.01.2022 foi solicitada transferência do paciente para unidade de saúde que disponha de NEUROCIRURGIÃO, dado que o Hospital Municipal Professor Magalhães Neto, Brumado/BA não dispõe de recursos suficientes para o quadro da Requerente.

Verifica-se que a paciente está há mais de vinte dias internada no hospital municipal.

Conforme denota extrato de regulação anexo o estado de saúde da paciente é grave e portanto, urgente!!!!

Ocorre que, até a presente data não foi disponibilizada a vaga e transferência do requerente para estabelecimento hospitalar adequado ao seu estado de saúde.

Conforme mencionado, o quadro de saúde da Requerente é grave, motivo pelo qual necessita COM URGÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA PARA UNIDADE DE SAÚDE QUE DISPONHA DE NEUROCIRURGIÃO onde poderá ter o tratamento adequado ao seu caso, com a atenção especializada que necessita.

Conforme atestado pelo profissional médico no relatório em anexo, o quadro apresentado pelo paciente requer um tratamento adequado às circunstâncias em que este se encontra, porém, O HOSPITAL EM QUE ESTÁ INTERNADO NÃO POSSUI A INFRAESTRUTURA MÉDICO-HOSPITALAR NECESSÁRIA. Em razão dessa falta de tratamento adequado, o quadro clínico da Autora vem se agravando demasiadamente, fazendo-se IMPRESCINDÍVEL SUA TRANSFERÊNCIA PARA UNIDADE DE SAÚDE EM QUE POSSUA O TRATAMENTO ADEQUADO A PACIENTE.

Assim, a Requerente permanece em Brumado até a presente data, sem o acompanhamento médico necessário e sem a estrutura apropriada para o restabelecimento de sua saúde e manutenção de sua vida, posto que, segundo os médicos, o quadro da Requerente só poderá ser estabilizado após transferência para estabelecimento hospitalar com aparato necessário.

O HOSPITAL ONDE SE ENCONTRA INTERNADA CORRESPONDE A UMA UNIDADE DE BAIXA COMPLEXIDADE PARA AMPARAR PACIENTES COM QUADROS CLÍNICOS EVOLUÍDOS, SOBRETUDO QUANTO ÀS ESPECIFICIDADES REQUERIDAS.

Além de tal situação se mostrar desumana e ilegal, não há a menor condição de se manter a Requerente por mais tempo no referido Hospital, pois este não oferece condição e estrutura para atendê-la e proporcionar a reversão do seu tão delicado quadro de saúde. Assim, verifica-se ser indispensável à transferência da Autora, em caráter de urgência, para que assim possa realizar o tratamento adequado e ter viabilizada a sua recuperação, bem como a manutenção de sua saúde/vida (...) (sic)

O pedido inicial seguiu instruído pelos documentos de ID’s 181024640 a 181027683, constando, dentre deles, laudo médico indicando a necessidade de realizar a transferência da paciente para unidade de alta complexidade, em decorrência do agravamento do quadro clínico do paciente.

Liminarmente, pede a antecipação dos feitos da tutela, para o fim de determinar à parte ré que autorize e promova “(...) a TRANSFERÊNCIA DA REQUERENTE PARA UNIDADE DE SAÚDE QUE OFERTE AVALIAÇÃO COM NEUROCIRUGIÃO, EM CARÁTER DE URGÊNCIA, da rede pública do Estado ou de algum município integrante da Central Regional ou, na falta deste, para qualquer hospital da rede privada com os mesmos parâmetros, até o seu total restabelecimento, para avaliação e tratamento, conforme necessário (...)” (sic, ID 181024637)

É, no que interessa, o relatório. DECIDO.

Inicialmente, registre-se que o feito não integra a lista geral prevista no art. 153 do Código de Processo Civil, uma vez que se trata de ação envolvendo direito à saúde, em caráter de urgência, devendo ser observado o quanto prescrito no art. 153, § 2º, I, do aludido diploma legal.

Pois bem.

É possível identificar, na redação do artigo 196 da Constituição Federal, tanto um direito individual, quanto um direito coletivo de proteção à saúde, senão vejamos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifamos)

Com efeito, observa-se que o constituinte estabeleceu um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde, o que reforça a responsabilidade solidária dos entes da Federação, garantindo, inclusive, a “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie” (art. 7º, IV, da Lei n. 8.080/90).

A responsabilidade pela prestação do serviço de saúde é comum aos entes federados (art. 23, II, da CF), que respondem solidariamente pelas prestações de saúde. Assim, a ação judicial contra omissão na realização de um serviço de saúde pode ser proposta contra qualquer ente federado, evitando que o jurisdicionado seja prejudicado pela eventual discussão entre os entes sobre a repartição dos ônus financeiros que tal serviço gera.

O STF fixou tese de repercussão geral nesse sentido (tema 793), pela qual “[o]s entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” (STF. RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, DJe 15/04/2020).

Ressalte-se, ademais, que a discussão sobre a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social , seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante (STF - ARE: 727864 PR, Relator: Min. CELSO DE MELLO, j. 04/11/2014, Segunda Turma, DJe 12/11/2014).

Nessa perspectiva, o Poder Público deve proporcionar a todos o acesso à saúde, através de atendimento médico, internamentos, exames, fornecimento de insumos, tratamentos de caráter essencial e medicamentos, etc., uma vez que são indispensáveis à dignidade da pessoa humana, posto que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.

Acerca do tema, leciona Luiza Cristina Fonseca Frischeisen (in Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad):

“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.

(...)

(...) o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.

(...)

Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.

(...)

As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifamos)

Ademais, é pacífico, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de adiantar à parte autora os efeitos da tutela de mérito de modo a permitir sua imediata execução, mormente considerando que a incumbência de implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional (STF - ADPF: 45 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, j. 29/04/2004, DJe 04/05/2004), como sucede na situação em liça.

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de direito à saúde, entende ser possível a antecipação de tutela, ainda que satisfativa a medida e mesmo que seja contra a fazenda pública, dado o caráter fundamental do...

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