Ser bugia e dizer-se bugio: uma análise da participação das mulheres no tempo da festa bugiada e mouriscada de sobrado, Portugal

AutorEmília Araújo/Rita Ribeiro
CargoProfessora Associada com Agregação, Universidade do Minho, Portugal/Professora Auxiliar, Universidade do Minho, Portugal
Páginas156-182
156 GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 1 | p. 156-156 | 2. sem 2021
156
SER BUGIA E DIZERSE BUGIO: UMA ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO
DAS MULHERES NO TEMPO DA FESTA BUGIADA E MOURISCADA
DE SOBRADO, PORTUGAL1
Emília Araújo2
Rita Ribeiro3
Resumo: Este texto analisa a participação das mulheres na festa da Bugiada
e Mouriscada, ou S. João de Sobrado, numa localidade situada no norte
de Portugal. A festa, de caráter popular e religioso, permanece como um
espaço-tempo em que os homens são os principais protagonistas. À luz das
abordagens sobre as relações de gênero e desigualdade nas festividades de
caráter popular, este texto descreve e problematiza como as mulheres têm
conquistado alguma presença na festividade de forma marginal e subversiva
e evidencia alguns dos principais desafios que se impõem à continuidade e ao
futuro dessa festividade.
Palavras-chave: Festa; Gênero; Poder.
Abstract: The text analyzes the participation of women in the festivity of
Bugiada and Mouriscada, or S. João de Sobrado, in a village located in the
north of Portugal. The festivity, of popular and religious character, remains
as a space-time in which men are the main protagonists. Considering the
approaches on gender relations and inequality in popular festivities, this text
describes how women have been gaining some presence in the festivity,
however in a marginal and subversive way, and highlights some of the main
challenges for the continuity and the future of this festivity.
Keywords: Festivity; Gender; Power.
1 Este texto conta com o financiamento da Fundação para a Ciência a Tecnologia, no âmbito do projeto
“FESTIVITY – Festa, património cultural e sustentabilidade comunitária. Investigação e comunicação no caso
da Bugiada e Mouriscada de Sobrado”, ref.ª PTDC/COM-CSS/31975/2017.
2 Professora Associada com Agregação, Universidade do Minho, Portugal. E-mail: emiliararaujo@gmail.com.
Orcid: 0000-0003-3600-3310
3 Professora Auxiliar, Universidade do Minho, Portugal. E-mail: rmgr@ics.uminho.pt. Orcid:
0000-0002-2330-1696
Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-
NãoComercial 4.0 Internacional.
157
GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 1 | p. 156-182 | 2. sem 2021
Introdução
A festa da Bugiada e Mouriscada de Sobrado realiza-se há séculos nesta
localidade, situada no concelho de Valongo, distrito do Porto, no norte de
Portugal (GALLOP, 1936; PINTO, 1983, 2000; PINTO et al., 2016).
Composta de um leque de performances que alternam entre o caráter reli-
gioso e o profano, a festa acontece ao longo do dia 24 de junho, todos os
anos. Segue uma sequência predefinida de cenas que representam o desen-
rolar de uma lenda da qual constam o roubo e o resgate de uma imagem
de S.João consumados por mouros (representados pelos mourisqueiros) e
cristãos (representados pelos bugios). Tal como se encontra descrito em
vários textos (PINTO, 1983; PINTO etal., 2016), essa festa diferencia-se
amplamente de outras realizadas em honra a S. João por todo o país,
inclusive a que se realiza na cidade do Porto, por resultar numa estrutura
baseada na sequência de diversas performances que incluem danças ligadas
ao conflito entre mouros e cristãos e a momentos religiosos (como a pro-
cissão e a missa), que são alternados por outras cenas de caráter profano
associadas a ritmos agrários e a crítica social.
As personagens principais da festa são, por um lado, os mourisquei-
ros, cerca de quarenta homens solteiros que compõem a Mouriscada, e,
por outro, os bugios, que compõem a Bugiada formada por mais de seis-
centos participantes. Ao longo do dia festivo, as duas formações protago-
nizam diversas cenas, que consistem em danças de grande exigência física
e que culminam, ao fim da tarde, numa “guerra” entre ambas, na qual o
Reimoeiro (líder dos Mourisqueiros) prende o Velho da Bugiada, que chefia
o povo cristão. No final, o Velho é libertado por ação de uma figura mitoló-
gica – uma enorme serpe – e as duas formações terminam a festa dançando
de novo, assim repondo o equilíbrio de forças inicial. Enquanto os mouris-
queiros desfilam e dançam envergando um traje de cariz militar e de cara
descoberta, os bugios envergam trajes coloridos e folgados, usam chapéu
de aba larga e penachos e uma máscara que cobre completamente o rosto.
A máscara é retirada apenas em dois momentos: durante o Jantar (refeição
comensal que corresponde a um almoço e se realiza cerca das 10 horas
da manhã) e quando o Velho da Bugiada benze os seus companheiros
(GALLOP, 1936; PEREIRA, 1982; PINTO, 2000; PINTO etal.,2016).
A participação de mulheres na festa circunscreve-se ao grupo da Bugiada,
pois o vestuário e, sobretudo, a máscara usada pelos bugios possibilitam
ocultar o fato de não serem homens, como seria de esperar. Não é possível,
pois, saber com rigor quando se iniciou a participação feminina.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT