Cachoeira - Vara dos feitos de relação de consumo, cíveis e comerciais

Data de publicação20 Setembro 2021
Gazette Issue2944
SectionCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE CACHOEIRA
INTIMAÇÃO

8000328-70.2020.8.05.0034 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Cachoeira
Autor: N. L. D. S.
Advogado: Claudio Almeida Dos Anjos (OAB:0040101/BA)
Advogado: Nelson Aragao Filho (OAB:0012509/BA)
Reu: M. P. L. D. S.
Reu: E. D. B.

Intimação:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

VARA DOS FEITOS CÍVEIS DA COMARCA DE CACHOEIRA


Autos nº 8000328-70.2020.8.05.0034



D E C I S Ã O



Vistos, etc.,

A autora, sra. NOELIA LIMEIRA DE SOUZA, promoveu a presente AÇÃO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA CUMULADA COM PEDIDO LIMINAR a favor de sua filha e curatelada, sra. MONICA POMPEA LIMEIRA DOS SANTOS, alegando que a paciente sofre de deficiência mental, bem como apresenta dependência química de drogas e outras substâncias entorpecentes, e que tem apresentado atos agressivos e comportamento com sérios riscos à sua integridade, à de sua família e a de terceiros.

Narrou que a paciente já fora internada em nosocômio adequado na cidade de Salvador, vindo a adquirir considerável melhora por longo tempo.

Relatou, ainda, que a paciente, quando sóbria, deseja buscar tratamento, mas que no cotidiano tem resistência em aceitar o tratamento do CAPS, e que ainda vem frequentando lugares para uso excesso de drogas e entorpecentes.

Em razão disso, vindica a internação compulsória de sua filha e curatelada.

A fim de corroborar o alegado, apresentou documento no qual consta sua nomeação como curadora provisória, no bojo dos autos da ação de interdição de nº 8000395-40.2017.8.05.0034, em curso neste Juízo.

Ouvido o Ministério Público, este ressaltou que o feito apresenta documentos que comprovam o comportamento de risco e a patologia, porém carece de laudo médico que indique ou conclua como urgente a internação compulsória, como requisito do art. 6º, da Lei nº 10.216/01.

Emendou-se a inicial, conforme determinado, a fim de retificar o polo passivo, incluindo-se o ESTADO DA BAHIA, porque responsável pelo PLANSERV, para custeio do tratamento anelado.

Adveio laudo médico registrando a necessidade da internação.

Outrossim, a autora reiterou a urgência da internação, narrando suposto episódio de agressão da paciente com a irmã.

Justificaram a necessidade do processo judicial, haja vista a recusa da paciente em aceitar tratamento.

Determinou-se o apensamento do processo de interdição de nº 8000395-40.2017.8.05.0034, o qual está em fase postulatória, com a juntada de contestação por negativa geral.

Este é o relatório. Passo a decidir o PEDIDO LIMINAR.


II - FUNDAMENTAÇÃO


De pronto, DEFIRO a emenda da inicial, porque satisfaz o comando judicial anterior.

Inicialmente, vale repisar que a internação compulsória deve ser adotada como última medida, consistindo na necessidade de exercício de uma política pública antimanicomial.

Nesse sentido, fazia-se primordial a constatação da impossibilidade de tratamento pelo CAPS ou por meio de outros recursos extra-hospitalares (art. e , da Lei Federal nº 10.216/2001). É assim que a autora, genitora da paciente, trouxe notícias de que esta recusa-se ao tratamento, tem apresentado comportamento agressivo, com risco à integridade física da paciente e de terceiros, que ela deixou de tomar remédios e vendeu os bens móveis que guarneciam sua residência (id-81524002).

Ademais, a autora juntou laudos médicos que demonstraram a urgência da internação: o laudo id-81524015 revelou atendimento no CAPS e quadro de transtorno do humor associado a dependência de substâncias psicoativas, e cuja evolução demanda internação em unidade especializada; já o laudo médico id-91691792 registrou transtorno de humor grave associado ao uso de múltiplas substâncias de forma compulsiva, com síndrome de abstinência, e que não aderiu ao tratamento proposto, agindo de forma agressiva e necessitando de internação em clínica psiquiátrica especializada.

No mais, em consulta ao processo original de interdição, vê-se estudos social e psicossocial, os quais narram suposto conflito familiar e, em entrevistas, trazem a notícia de que a paciente alegou morar sozinha e que gostaria de administrar seus próprios bens. No entanto, os documentos ora juntados afastam esta hipótese e trazem outra realidade, revelando que a paciente não tem aceitado o tratamento do CAPS e tem se tornado agressiva, importando em comportamentos que ensejam risco à sua própria integridade e a de terceiros. Entrementes, os laudos recentemente juntados corroboram o laudo do CAPS juntado nos autos apensos (id-79557666 dos autos nº 8000395-40.2017.8.05.0034), em que restou gizado que a ora paciente sofre com patologia mental CID F31.6 e F19, e que não teria condições de administrar os próprios bens, bem como faria o uso de substâncias psicoativas tornaria o quadro ainda mais imprevisível e grave.

Com efeito, repito, compete ao Magistrado a cautela na apreciação de pedidos de internação compulsória, tanto para o bem da paciente, quanto de seus familiares ou de terceiros, mas sempre lembrando que a ação de internação não é promovida em face desta, mas sim em seu favor, devendo representar, portanto, uma ajuda e alívio a seu suposto sofrimento, por meio de um tratamento médico adequado.

Deveras, a saúde é direito inviolável do indivíduo, sendo que compete ao Estado suprir esta necessidade, porque consectário do princípio fundante da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF/88). Também o art. 196 da Carta Magna define a saúde como direito de todos e dever do Estado:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (Constituição Federal/1988)

Por outro lado, havendo sério risco à segurança social e à segurança do próprio paciente, também não pode o Estado quedar-se inerte, devendo atender aos princípios constitucionais que regulam o caso, conforme se denota do caput dos arts. 5º e 6º da Carta Constitucional.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (Constituição Federal/1988)

A Carta Constitucional ainda preleciona que ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, CF/88). Nesse contexto, é verdade que a internação, seja voluntária ou involuntária, consiste em uma restrição à liberdade do paciente, mas também é verdade que nenhum direito assegurado pela Constituição goza de força absoluta e sim de coexistência com outros direitos e garantias, como o direito à vida, à saúde e à dignidade humana. Por tal motivo, deve o ato médico ser submetido a controle pelo Órgão Ministerial (art. 8º, §1º da Lei Federal nº 10.216/01):

“Ora, nada mais apropriado, como garantia para o paciente, para o médico e para a sociedade, que um ato tão sério como este (determinação de internação involuntária) esteja submetido a controles. Surge aí o Ministério Público como destinatário das comunicações de tais internações” (Conversando com o Ministério Público: o Ministério Público e a Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Instituto Franco Basaglia, 2004. p.13)

Entrementes, Lei nº 8.080/90 - Lei do SUS - traz o direito à saúde como direito fundamental e assevera a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção e recuperação da saúde, com a realização integrada, ações assistenciais e das atividades preventivas como um dos objetivos do SUS. Essa mesma lei ainda dispõe que o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (art. 4º), de modo que este dever da Administração Pública deve ser suportado, também, pelo ente Estadual, como corolário das normas atinentes ao Sistema Único de Saúde.

Não bastasse, os autos revelam que a paciente é beneficiária do PLANSERV – Plano de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Estado da Bahia, cujo regulamento prevê a internação para tratamento psiquiátrico (Decreto Estadual nº 9.552 de 21 de setembro de 2.005).

Ainda, aplicável ao caso a Lei Federal nº 13.840/2019, que instituiu a desnecessidade de autorização judicial para a internação compulsória para fins de tratamento de usuários dependentes de drogas, que, inclusive, alterou diversos dispositivos da Lei de Drogas (Lei 11.343/06). Ora, é o caso dos autos, já que evidenciado pelo arcabouço probatório a dependência química como prejudicial ao tratamento do paciente.

Esse o contexto, reputo presentes os requisitos do art. 300, do CPC, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A probabilidade do direito resta respaldada na Constituição e legislação federal e estadual supracitadas. O risco está evidente, haja vista os laudos médicos juntados, havendo notícias de que a paciente, por vezes, fica agressiva, e porque sofre de transtorno de humor grave associado ao uso de múltiplas substâncias de forma compulsiva, com síndrome de abstinência, não aderiu ao tratamento e necessitando de internação em clínica psiquiátrica especializada.

Decerto, a...

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