Camacã - Vara cível

Data de publicação17 Julho 2020
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
Número da edição2657
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE CAMACAN
INTIMAÇÃO

8037147-08.2020.8.05.0001 Mandado De Segurança Cível
Jurisdição: Camacan
Impetrante: Itamar Da Silva Ferreira De Camacan - Me
Advogado: Emerson Ribeiro Santana (OAB:0060088/BA)
Impetrado: Municipio De Camacan
Impetrado: Oziel Rodrigues Da Cruz Bastos
Advogado: Joao Luiz Vivas Araujo Dos Santos (OAB:0027484/BA)

Intimação:

AUTOS N.º: 8037147-08.2020.8.05.0001

DECISÃO

Vistos e examinados.

Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido de provimento liminar, impetrado por ITAMAR DA SILVA FERREIRA DE CAMACAN ME, pessoa jurídica de direito privado, já qualificada nos autos, em face de OZIEL RODRIGUES DA CRUZ BASTOS, autoridade coatora vinculada ao MUNICÍPIO DE CAMACÃ – BA, objetivando, em suma, que sejam liminarmente sustados os efeitos do Decreto Municipal n.º 2.823/2020, e 2.828/2020, alegando serem ilegais e arbitrários, ao argumento de que não teria se baseado em critérios científicos, ao não considerar como essencial o comércio varejista de insumos agropecuários, de alimentos para animais e prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais.

Em suma, aduz a parte impetrante que o Governo Federal, visando garantir o direito fundamental, publicou o Decreto Federal n. 10.282, de 20 de março de 2020, o qual regulamentou a Lei Federal n. 13.979/2020, descrevendo como atividades essenciais as atividades de prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais.

Ponderou que, diante desse quadro, solicitou por ofício a reabertura de seu estabelecimento, o que teria sido deferido verbalmente.

Sustentou que posteriormente, contudo, de forma ilegal, foi reduzido o período de funcionamento entre 08h e 14h nos dias de semana e aos sábados de 8h às 12h, por meio do decreto 2.829/2020, sustentando que cabe ao Presidente da República definir quais seriam as atividades a serem preservadas.

Requereu, liminarmente, a concessão da medida.

É o breve relatório.

Decido.

O mandado de segurança é uma ação civil de procedimento sumário especial que tem a finalidade de afastar lesão a direito subjetivo individual ou coletivo, por meio de ordem corretiva ou preventiva de ilegalidade, ou abuso de poder, praticada por autoridade pública ou a ela equiparada.

O art. 1.º da Lei 12.016/2009 repete o que antes contemplava o revogado art. 1.º da Lei 1.533/1951: possui interesse em impetrar o mandado de segurança a parte que seja detentora de situação jurídica incontroversa.

“Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

Tal exigência, a rigor, provém do inc. LXIX do art. 5.º da CF/1988, senão vejamos:

“LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”. (Constituição Federal, art. 5.º, LXIX)

Com efeito, tenho que as razões da impetrante, por alguns motivos, não merecem o escudo da via estreita do mandado de segurança.

Primeiro porque, a nosso sentir, não há direito líquido e certo a ser resguardado.

Explico.

Embora a impetrante seja sociedade empresária que atua no ramo comercial de atividades de prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais, tal segmento não foi expressamente englobado pelo decreto, não podendo o Poder Judiciário interpretar a referida norma de maneira extensiva, para autorizar a impetrante que retorne às suas atividades.

Como se sabe, direito líquido e certo para fins apreciação de mandado de segurança é aquele objeto de prova pré-constituída, representada por documentação sobre a qual não haja dúvida a respeito, o que não se enquadra no caso dos autos.

Diante disso, embora a impetrante tenha fundamentado seu pleito em Decreto Federal n. 10.282, aduzindo que caberia ao Presidente da República definir quais seriam as atividades a serem preservadas em tempos de pandemia, é necessário pontuar que o referido decreto em seu artigo 3º, § 9º, deixa claro que não afasta a competência dos Estados e Municípios de no âmbito de sua competência e de seus respectivos territórios, não podendo o Judiciário afastar a incidência da norma municipal, conforme já explicitado.

Ademais ao não contemplar o seguimento de comércio da impetrante como essencial, o Município impetrado se alinhou as regras estaduais de combate à pandemia, estatuídas nos Decretos Estaduais 19.586/20 e 19.772/20, que ratificaram a “declaração de Situação de Emergência em todo o território baiano, para fins de prevenção e enfrentamento à COVID-19”, e que regulamentaram, “no Estado da Bahia, as medidas temporárias para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

Como se pode notar, o Decreto Estadual 19.586/20, que teve sua redação alterada pelo Decreto Estadual 19.722/20, dispôs no seu art. 3º que “consideram-se serviços públicos essenciais as atividades relacionadas a segurança pública, saúde, proteção e defesa civil, fiscalização, arrecadação e saneamento”, lembrando-se que quando a referida legislação alterada, acrescentou-se apenas a expressão “saneamento”, não havida no texto originário.

Deste modo, entendo que o fato de o decreto municipal não contemplar como essencial o setor comercial do qual faz parte a impetrante (como fez a lei federal cuja violação se alega), não é justificativa para considerar o ato como ilegal ou arbitrário, já que, como se verá, os Estados e Municípios possuem total autonomia para deliberar acerca da essencialidade dos serviços.

Assim, a despeito de se analisar o conteúdo do mandado de segurança, parece óbvio que, sequer, há violação a direito líquido e certo do impetrante.

Em relação à não realização de estudos técnicos antecedentes à medida de suspensão de abertura ou de limitação de horário de funcionamento do comércio local, é necessário esclarecer que se trata de técnica de distanciamento social, já largamente experimentada em casos de epidemias por vírus em todo o mundo, sendo inclusive, uma orientação da Organização Mundial de Saúde.

Penso que não é o momento para estudos de impacto, porque milhares de vidas estão se esvaindo, e a soma das mortes passa de 74.000 (setenta e três mil) até o momento (https://covid.saude.gov.br/). O que urge, ao nosso olhar, é a implementação de medidas de prevenção e tratamento, sendo prescindível a realização de estudo prévio para que vidas sejam salvas, já que é de pleno conhecimento público o poder devastador do vírus e a sua grande capacidade de transmissão.

Outro aspecto importante a ser considerado é o de que o cabimento do mandado de segurança está atrelado não apenas à demonstração de ser a parte detentora de direito líquido e certo, mas também à prova de ter sido esse direito violado por ato de autoridade, ou que está sob iminente violação.

Veja-se que embora os decretos municipais atacados tenham especificado expressamente algumas suspensões de serviços, trouxe no seu texto a cláusula aberta “e demais seguimentos comerciais”, justamente para abarcar situações ali não previstas, a fim de englobar diversos setores possíveis, técnica legislativa absolutamente permitida a nosso sentir.

Cumpre lembrar que, de fato, o Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, a que faz menção a impetrante para defesa de seu “direito”, em tese permitiria a abertura do seu estabelecimento, todavia, tal ato normativo encontra-se equidistante das situações vivenciadas pelos municípios, e, estando fora da realidade de cada região, não pode sobrepor a norma concorrente local, cabendo a cada cidade ou Estado realizar este filtro.

A esse respeito o Ministro Marco Aurélio atendendo a um pedido do Partido Democrático Trabalhista, na ADI 6.341 MC/DF, decidiu que Estados e Municípios têm competência concorrente para praticar atos atinentes à saúde, resumindo que as providências implementadas pelo Presidente da República “não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior.

É bom que se registre que a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio ADI nº 6.341 MC/DF foi referendada pelo plenário do Supremo em 15.04.2020, a fim de explicitar que deve ser preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição.

Em decisão cautelar que reconheceu e assegurou o exercício da competência concorrente dos governos estaduais e distrital e suplementar dos governos municipais, independentemente de superveniência de ato federal em sentido contrário, na ADPF 672, o Min. Alexandre de Morais lembrou que:

“(...) Ressalte-se, entretanto, que o caráter discricionário das medidas realizadas pelo Presidente da República, bem como de suas eventuais omissões, é passível de controle jurisdicional, pois está vinculado ao império constitucional, exigindo a obediência das autoridades ao Direito, e, em especial, ao respeito e efetividade aos direitos fundamentais. Não compete ao Poder Judiciário substituir o juízo de conveniência e oportunidade realizado pelo Presidente da República no exercício de suas competências constitucionais, porém é seu dever constitucional exercer o...

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