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Data de publicação07 Junho 2023
Gazette Issue3348
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DA FAMILIA SUCES. ORFAOS INTERD. E AUSENTES DE CAMAÇARI
SENTENÇA

8013917-80.2021.8.05.0039 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Camaçari
Autor: Jucival Silva Araujo
Advogado: Jamila Oliveira Da Silva (OAB:BA53522)
Menor: D. A. N.
Advogado: Jamila Oliveira Da Silva (OAB:BA53522)
Interessado: Maria Selma Silva Araujo
Advogado: Jamila Oliveira Da Silva (OAB:BA53522)
Custos Legis: Ministério Público Do Estado Da Bahia

Sentença:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

1ª V DA FAMILIA SUCES. ORFAOS INTERD. E AUSENTES DE CAMAÇARI



PROCESSO: 8013917-80.2021.8.05.0039

CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) / [Família]

AUTOR:JUCIVAL SILVA ARAUJO e outros (2)

RÉU:

SENTENÇA

Vistos.

Trata-se de Ação de Reconhecimento Voluntário de Paternidade Socioafetiva, proposta por JUCIVAL SILVA ARAUJO, em favor de DAVI ARAÚJO NASCIMENTO, menor, neste ato representado por sua genitora, MARIA SELMA SILVA ARAÚJO.

O Autor alega que é tio materno do infante, e sempre participou da vida deste como um pai e não como um tio, inclusive sendo mantenedor do menor e imputando-lhe todo afeto na sua criação e no seu desenvolvimento.

Registra que o seu amor pelo infante é tamanho, que poucas pessoas têm ciência que o menor não é seu descendente biológico.

Sendo assim, considerando que emocionalmente e financeiramente participa de forma efetiva na criação do infante, sem distinção de qualquer natureza, e o trata como se este fosse seu filho, requer a consolidação da paternidade afetiva.

Nos pedidos, pugna pelo reconhecimento do menor Davi Araújo Nascimento, para todos os efeitos legais e sem distinção de qualquer natureza, como seu filho, com a devida inclusão no registro de nascimento do seu nome e respectivo patronímico.

Juntou documentos, notadamente a Certidão de Óbito do pai biológico do menor ao ID nº 119944673.

Concedida vista ao Ministério Público, este opinou pela designação de audiência de instrução para oitiva das partes, dos menores e eventuais testemunhas (ID nº 195293807).

Citada, a parte Ré não apresentou contestação, razão pela qual foi decretada a sua revelia. Todavia, em se tratando de ação que versa sobre direitos indisponíveis, não foram aplicados os efeitos desta (ID nº 219290693).

Realizada a audiência, foram ouvidos o primeiro Requerente, os menores e a sua representante legal. Encerrada a instrução processual, dada a palavra à Ilustre Representante do Parquet, esta emitiu parecer final opinando pela procedência do pedido (ID nº 391823269).

Vieram os autos conclusos para julgamento.


É o relatório. Passo a decidir.


O ordenamento jurídico pátrio, há tempos, têm consolidado o princípio da socioafetividade como um dos pilares do Direito das Famílias.

Com efeito, o afeto tem sido elemento essencial na configuração das relações familiares e no reconhecimento ou não da parentalidade. Nesse ínterim, é ampla a aceitação da paternidade socioafetiva no mundo jurídico, contemplando, pois, os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como fundamento da filiação civil.

Nesta senda, é importante trazermos os ensinamentos de Maria Berenice Dias (2015, p. 439-440):

O desenvolvimento da sociedade e as novas concepções da família emprestavam visibilidade ao afeto, quer na identificação dos vínculos familiares, quer para definir os elos de parentalidade. Passou-se a desprezar a verdade real quando se sobrepõe um vínculo de afetividade. A maior atenção que começou a se conceder à vivência familiar, a partir do princípio da proteção integral, aliada ao reconhecimento da posse do estado de filho, fez nascer o que se passou a chamar de filiação socioafetiva. Assim, em vez de se buscar a identificação de quem é o pai ou de quem é a mãe, passou-se a atentar ainda mais ao interesse do filho na hora de descobrir quem é o seu pai “de verdade”, ou seja, aquele que o ama como seu filho e é amado como tal. (BERENICE, 2015) (grifei).

Na legislação brasileira é notória a constante evolução na proteção da família. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, proíbe a diferença de tratamento entre os filhos havidos dentro e fora do casamento, vedando quaisquer discriminações relativas à origem da filiação, como havia, outrora, no diploma civil.

É mister observar o artigo 227 da Carta Magna, o qual prioriza convivência familiar e estabelece como família aquela que assegura o melhor interesse da criança e do adolescente garantindo o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar.

Art. 227. § 6º: Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A igualdade no direito da filiação está assegurada também no art. 20 do Estatuto das Crianças e Adolescentes, bem como no art. 1.596, do Código Civil, que estabelecem os mesmos direitos e qualificações entre filhos, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A possibilidade de o parentesco resultar de outra origem que não a consanguinidade também está previda no art. 1.593 da norma civil, o qual, de forma implícita reconhece a paternidade socioafetiva.

Sendo assim, o Legislador entendeu que o parentesco também pode ser definido através dos laços de afetividade que se traduzem pelo cuidado e carinho.

A jurisprudência nacional, por sua vez, já firmou o entendimento de que é possível a coexistência da filiação biológica com a socioafetiva, de modo que no assento de nascimento de determinada pessoa pode constar dois pais e uma mãe ou duas mães e um pai, por exemplo (STF, RE n° 898.060, em sede de repercussão geral n° 622).

Dessa forma, nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades têm sua importância ao indivíduo, devendo ser reconhecida a multiparentalidade, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Reconhecimento da Paternidade Socioafetiva e a Impossibilidade da Desconstituição Posterior. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO. 1.O propósito recursal diz respeito à possibilidade de concomitância das paternidades socioafetiva e biológica (multiparentalidade). 2. O reconhecimento dos mais variados modelos de família veda a hierarquia ou a diferença de qualidade jurídica entre as formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico (ADI n. 4.277/DF). 3. Da interpretação não reducionista do conceito de família surge o debate relacionada à multiparentalidade, rompendo com o modelo binário de família, haja vista a complexidade da vida moderna, sobre a qual o Direito ainda não conseguiu lidar satisfatoriamente. 4. Apreciando o tema e reconhecendo a repercussão geral, o Plenário do STF, no julgamento do RE n. 898.060/SC, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJe de 24/8/2017, fixou a seguinte tese: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público,não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais.” 5. O reconhecimento de vínculos concomitante de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho. 6. As instâncias ordinárias afastaram a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade na hipótese em questão, pois, de acordo com as provas carreadas aos autos, notadamente o estudo social, o pai biológico não demonstra nenhum interesse em formar vínculo afetivo com a menor e, em contrapartida, o pai socioafetivo assiste (e pretende continuar assistindo) à filha afetiva e materialmente. Ficou comprovado, ainda, que a ação foi ajuizada exclusivamente no interesse da genitora, que se vale da criança para conseguir atingir suas pretensões. 7. Ressalva-se, contudo, o direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, da menor pleitear a inclusão do nome do pai biológico em seu registro civil ao atingir a maioridade, momento em que poderá avaliar, de forma independente e autônoma, a conveniência do ato. 8. Recurso especial desprovido.

(STJ – REsp: 1674849 RS 2016/0221386-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 17/04/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/04/2018). Grifamos.

Isto posto, a paternidade, BIOLÓGICA e AFETIVA pode e deve existir em concomitância, sempre que tal fato se mostrar benéfico às partes, tomando-se em consideração o princípio absoluto e inafastável do melhor interesse da criança ou adolescente.

Não restam dúvidas, portanto, quanto à legitimidade da paternidade socioafetiva no Direito de Família, sendo o reconhecimento desta filiação possível, até mesmo pela via extrajudicial, nos termos do Provimento n°...

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