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RELAÇÃO Nº 0031/2020
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ADV: WALTER BRANDAO DE UZEDA E SILVA (OAB 465A/BA) - Processo 0300293-29.2018.8.05.0040 - Ação Penal de Competência do Júri - Crimes contra a vida - AUTOR: Ministério Público Estadual Camamu/Ba. - RÉU: EDSON RICARDO DOS SANTOS - Vistos, etc. EDSON RICARDO DOS SANTOS, vulgo "PADINHO", brasileiro, viúvo, nascido aos 16/08/1977, inscrito sob o RG nº 11580936-60 SSP/BA natural de Maraú-BA, filho de Domingos Ricardo dos Santos e Raimunda Maria da Conceição, residente no Povoado Campo do Meio, casa s/n, zona rural de Igrapiúna, foi denunciado pelo Ministério Público do Estado da Bahia, pela suposta prática da conduta delitiva prevista no artigo 121, § 2º, incisos II, IV e VI, todos do Código Penal, pois, no dia 07/06/2018, o denunciado, com animus necandi, utilizou-se de arma branca tipo facão para desferir golpes no pescoço contra a sua ex- companheira, Sra. VALQUIRIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS, culminando na sua morte. Narra a denúncia de fls. 58/62 que, no dia dos fatos, a vítima solicitou ao seu atual companheiro para que lhe levasse até a residência do acusado, com quem teve um filho menor, de 15 anos, para pedir-lhe ajuda financeira, tendo em vista que o filho estava em São Paulo, inscrito em uma escolinha de futebol. Na manhã do dia 07/06/2018 a vitima chegou a residência de EDSON RICARDO DOS SANTOS e este estava podando cacau, portando um facão. Neste momento, ficaram, a vitima e o acusado, a sós, quando em um dado momento o réu desferiu um golpe de facão no pescoço da vitima, que veio a óbito ainda no local. Ademais, o motivo do ato teria decorrido de injúrias proferidas pela vitima ao acusado. Narra-se, ainda, que, o acusado e a vítima viveram maritalmente por mais de 11(onze) anos e possuíam um filho que contava com 15 anos à época do fato. Diante de tais elementos, o Ministério Público pugnou pela condenação do réu nas penas da prática de feminicídio, nos termos do artigo 121, §2º, incisos II, IV e VI todos do Código Penal e art. 7º, I e II da lei 11.346/06. Apresentou rol de testemunhas e fez requerimentos. Decretada a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva do denunciado nas fls. 47/48. A denúncia foi recebida em 02/11/2018 (fl. 71), oportunidade em que foi ordenada a citação do acusado. Regularmente citado, o réu ofereceu defesa prévia às fls. 74/80, com rol de testemunhas. Não arguiu preliminares, requerendo a rejeição da denúncia por ausência de justa causa. Foi designado o dia 12/12/2018, às 10:51h, para audiência de instrução, em que foi indeferido o pleito de revogação da prisão preventiva do denunciado como também o de absolvição sumária. (fls. 122/134). Em audiência de instrução e julgamento, com a presença das partes e suas testemunhas, momento em que se procedeu à oitiva das testemunhas da acusação e da defesa. Designada audiência para continuação da instrução. Juntado laudo de exame pericial em fls. 135/139. Encerrada a fase instrutória, concedido prazo de 05 (cinco) dias às partes para a apresentação de memoriais. Em memorais, às fls. 143/151, o Ministério Público ratificou os termos da denúncia, requerendo a procedência da pronúncia do réu pelos delitos previstos nos art.121, § 2º, incisos II, IV e VI do Código Penal. A defesa, em memoriais às fls. 148/151, requereu a impronúncia do acusado, alegando que trata-se de um crime preterdoloso, devendo ser o réu absolvido por não haver intencionalidade de ceifar a vida da vítima, enquadrando a conduta do réu, ainda, na situação de inexigibilidade de conduta diversa, ensejada por coação irresistível. É o relatório. Decido. Cuida-se de ação penal da competência do Tribunal do Júri na qual, em juízo preliminar, averigua-se a viabilidade do pleito acusatório relativo ao crime imputado ao acusado. Inicialmente, importa ressaltar que o processo teve sua regular tramitação, sem qualquer irregularidade ou nulidade vislumbrada, sendo assegurados, na forma da lei, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Em relação ao requerimento de instauração do incidente de insanidade mental, nos termos do art. 149 do CPP, o juiz determinará a realização do exame de insanidade mental no acusado quando houver dúvida sobre a sua integridade mental. In casu, fora afastada dúvida quanto à sanidade do paciente, diante do afirmado em seu interrogatório (HC 414484RJ/2017), ocasião em que respondeu a todas as perguntas, de forma concatenada, narrando precisamente o ocorrido. Não há indícios de comprometimento psíquico do réu, aptos a justificar a instauração do incidente de insanidade mental. Inexistindo vícios, passo ao exame do mérito. Como propalado pela doutrina, a sentença de pronúncia se limita a justificar o preenchimento dos requisitos de admissibilidade do julgamento pelo Tribunal Popular, sem, contudo, proceder à análise aprofundada das provas e à fundamentação exaustiva acerca do acervo probatório, sob pena de caracterizar supressão de instância e violação da soberania do veredicto do Júri. Dispõe o art. 413 do CPP: "o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de sua participação". Faz-se mister verificar se há ou não os requisitos elencados no art. 413 do CPP, pois, para que haja uma sentença de pronúncia é necessário, nos termos do supracitado artigo, que o juiz esteja convencido da existência do crime e de indícios de que seja o acusado seu autor. A inexistência dos requisitos é que leva a impronúncia, conforme artigo 414, também do CPP. No caso em tela, a materialidade do delito restou comprovada por meio do inquérito policial de nº 020/2018 de fls.01/39, e laudo pericial (fls. 50/53), em que restou concluído que a "vítima faleceu de choque neurogênico secundário ao traumatismo requimedular por instrumento corto-contundente". No tocante a autoria do crime, imputada ao denunciado, existem indícios suficientes para condução do processo de Júri para a segunda fase, de modo a encaminhar o caso em tela à apreciação do Conselho de Sentença. Isto porque dos testemunhos colhidos em audiência, denota-se: que os dois ficaram sozinhos conversando; que acha que ela foi ver o dinheiro da pensão, mas que acha que ele já tinha dado o dinheiro para o filho dele; que o filho dele está em São Paulo, em uma escolinha; que voltou uns 40min depois no local, mais ou menos; que viu o corpo de Valquíria; que voltou e viu o corpo de Valquíria; que Edson estava podando cacau, nessa hora; que o testemunhante não viu nada; que foi procurar a enxada; que quando veio viu o corpo dela lá; que foi logo ver sua mãe que sente depressão; que Edson saiu com sua moto; que acha que foi Edson que matou Valquíria com golpe de facão; que não viu; que só tinha os dois no momento; que antes Edson estava podando o cacau com facão; que viu os dois conversando; (Depoimento da testemunha Caique da Silva Souza). No seu interrogatório perante este juízo (fls. 123/134), afirmou que nesse momento, o interrogado foi tomado pela raiva, e instintivamente, estando com um facão na mão, acabou por usar esse instrumento contra Valquíria, provocando assim, a morte da mesma; que o interrogado entrou em desespero, sem saber exatamente o que fazer, sendo que a primeira coisa que lhe veio à sua cabeça, foi evadir do local;. Verifica-se, em um juízo perfunctório, que a versão apresentada pelo réu coaduna com as demais provas produzidas ao longo da instrução processual. Assim, entendo que há provas da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria para pronunciar o réu, nos termos do art. 413 do CPP, ficando, consequentemente, afastada as hipóteses da incidência dos arts. 414 e 415 do CPP, respectivamente, impronúncia e absolvição sumária. Das qualificadoras No que concerne às qualificadoras insertas no art. 121, § 2º, incisos II (fútil), IV (recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) e VI (feminicídio) do Código Penal, impende destacar que tais circunstâncias somente poderiam ser afastadas na pronúncia, quando fossem claramente inexistentes, caso contrário deverão ser apreciadas pelo Júri, nos termos do art. 413, § 1º, do CPP. À análise dos autos, admissível a qualificadora expressa no inciso II do art. 121, § 2º, do CP - fútil, visto que foi informado em diversos momentos da instrução processual, bem como na denúncia (fls. 01/02) que a vitima teria ido "cobrar" pagamento de ajuda de custo para o filho, razão pela qual efetuou os ataques. Ora, não houve demonstração de mínimos indícios de comportamento por parte da vítima, capaz de ensejar ciúmes. Por outro lado, matar a ex-esposa/companheira em decorrência de tais fatos demonstra desproporcionalidade na conduta. Vejamos o entendimento de motivo fútil apresentado pelo autor Guilherme de Souza Nucci, in verbis: "Fútil: é o motivo flagrantemente desproporcional ao resultado produzido, que merece ser verificado sempre no caso concreto. Mata-se futilmente quando a razão pela qual o agente elimina outro ser humano é insignificante, sem qualquer respaldo social ou moral, veementemente condenável". Por outro lado, quando há controvérsia sobre a aplicação da qualificadora - motivo fútil-, esta deve ser apreciada no caso concreto pelo Tribunal do Júri, em observância ao princípio do Juiz natural. Esse foi o entendimento proferido no recente acórdão pelo STF, vejamos a ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. CIÚME. MOTIVO FÚTIL. QUALIFICADORA ADMITIDA NA PRONÚNCIA. EXCLUSÃO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA DETERMINAR SUA INCLUSÃO. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. I - A jurisprudência desta Corte está assentada no sentido de que apenas a qualificadora manifestamente improcedente deve ser excluída da pronúncia, o que não acontece na hipótese dos autos. II - De todo modo, a análise da
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