Canarana - Vara crime, júri, execuções penais, infância e juventude

Data de publicação20 Dezembro 2022
SeçãoCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
Número da edição3238
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA CRIMINAL DE CANARANA
INTIMAÇÃO

8002180-37.2022.8.05.0042 Tutela Infância E Juventude
Jurisdição: Canarana
Requerente: Poliana Souza De Novais
Advogado: Pedro Venancio Dourado Cardoso (OAB:BA60984)

Intimação:


Trata-se de Pedido de REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, movido por POLIANA SOUZA DE NOVAIS.

Alega a Requerente que está grávida, pela segunda vez, em que o feto possui uma síndrome extremamente rara. Relata que se trata da SÍNDROME DE MECKEL – GRUBER, em que a vida extrauterina se torna incompatível por conta da malformação fetal, conforme Relatório Médico assinado pela DRA. DANIELA PIRES – CRM-BA 16246, inclusive solicitando interrupção da gravidez e relatando o histórico da paciente/autora.

Narra que a autora e o esposo estão abalados com a situação, pois se trata da segunda gestação com a mesma síndrome, tendo ocorrido a interrupção da gravidez na primeira gravidez, mediante autorização judicial em 2020.

Após realização de ultrassom morfológico, constatou-se que o feto apresenta má formação congênita que impossibilita a vida extrauterina. Aduz-se, ainda, que conforme consta no laudo médico, o feto apresenta diversas anormalidades, tais como exteriorização do conteúdo encefálico e pés tortos congênitos, sendo tal síndrome incompatível com a vida extrauterina. Diante disto, requereu a expedição de Autorização Judicial para realizar os procedimentos cirúrgicos necessários a pôr termo a gravidez.

Recebida a inicial, conferidas vistas ao Ministério Público, manifestou-se pelo deferimento do pedido.

É o relatório. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, cumpre ressaltar que não se trata de pedido de aborto nas hipóteses legais, mas sim de uma antecipação terapêutica do parto, tendo em vista a impossibilidade de vida extrauterina do feto.

Tal pedido encontra respaldo na vasta jurisprudência pátria sobre o tema, e na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54, onde se permitiu a interrupção da gestação com a antecipação do parto em caso de feto anencéfalo.

Em que pese a situação narrada não seja a do feto anencéfalo, é necessário fazer uma interpretação extensiva na norma, embasada nos mesmos fundamentos legais, para garantir o direito ora pleiteado, sob pena de uma omissão hermenêutica gerar ofensa a direitos fundamentais.

Numa análise dos autos, seja pelos laudos médicos juntados na inicial ou pelo parecer do Ministério Público da Bahia, é uníssona a constatação no sentindo da inviabilidade da vida extrauterina do feto no caso dessa SÍNDROME DE MECKEL – GRUBER. Diante deste prognóstico, é importante destacar que, além da impossibilidade da vida extrauterina, é salutar observar os impactos que o prosseguimento dessa gravidez teria na vida da gestante, gerando danos de cunho físico e emocional.

Não pode o Estado, sob fundamento de proteção à vida, se manter inerte diante do pleito de uma mulher cujo parto resultará na chegada de um feto natimorto ou no nascimento combinado com morte instantânea do filho que ela gera.

O entendimento dos Tribunais Superiores sobre a matéria se encontra bastante robusto e coeso. Vejamos:

“ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. (ADPF 54, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01 PP-00011).”

“A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.”

No seu Voto, o Ministro Marcus Aurelio afirma:

“Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura[109] ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido. A integridade que se busca alcançar com a antecipação terapêutica de uma gestação fadada ao fracasso é plena. Não cabe impor às mulheres o sentimento de meras “incubadoras” ou, pior, “caixões ambulantes”, na expressão de Débora Diniz[110].” (https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334)

Ademais, o Tribunal de Justiça da Bahia já enfrentou situação semelhante e assim se manifestou:

ACÓRDÃO REMESSA NECESSÁRIA. ART. 574, I, DO CPP. HABEAS CORPUS. AUTORIZAÇÃO PARA INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DA GRAVIDEZ. FETO SEM CONDIÇÕES DE VIDA EXTRAUTERINA. CONCESSÃO DA ORDEM COM EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. EXAMES E DECLARAÇÃO MÉDICA DEMONSTRANDO QUE A PACIENTE GESTAVA FETO PORTADOR DE DISPLASIA TANATOFÓRICA TIPO I, TORNANDO-O INCOMPATÍVEL COM A VIDA EXTRAUTERINA. Impor à paciente o martírio de levar adiante a gravidez significa impor-lhe sérios riscos a sua integridade física e vida, para além dos danos psicológicos que certamente já se instauraram sobre ela. stf que possui entendimento de ser inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto sem possibilidade de vida extrauterina ser conduta tipificada nos artigos 124 e 126 do 1ª Promotoria de Justiça de Xique-Xique/BA IDEA: 691.9.218186/2018 código penal. Sentença mantida, em todos os seus termos. Decisão unânime. (TJBA - REEX: 05002609820198050079, Relator: IVETE CALDAS SILVA FREITAS MUNIZ, SEGUNDA CAMARA CRIMINAL - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 14/05/2020).

Sob esse panorama, diante dos bens jurídicos a serem tutelados, nota-se que o caso "sub judice" deverá ser analisado em consonância com os direitos constitucionais, priorizando os princípios da dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade, bem como o direito à saúde assegurado à gestante.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, e, por consequência, determino que seja expedido alvará autorizativo, para fins de realização de quaisquer procedimentos que se fizerem necessários para a antecipação terapêutica do parto e interrupção da gestação de POLIANA SOUZA DE NOVAIS., devendo o respectivo procedimento ser realizado por equipe médica especializada nesta cidade ou em qualquer outra de escolha da gestante.

Cumpra-se, COM URGÊNCIA.

Defiro a justiça gratuita, sem custas.

Após as providências de praxe, dê-se a devida baixa.

A PRESENTE DECISÃO/SENTENÇA SERVE COMO MANDADO/ALVARÁ/OFÍCIO.


Publique-se. Registre-se. Intime-se.

CANARANA/BA, datado e assinado eletronicamente.

MARCUS VINICIUS DA COSTA PAIVA

Juiz de Direito Substituto

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA CRIMINAL DE CANARANA
INTIMAÇÃO

8002365-12.2021.8.05.0042 Ação Penal - Procedimento Ordinário
Jurisdição: Canarana
Autoridade: Dt Canarana
Reu: Carlos Alexandre Gonçalves Do Vale
Advogado: Gilmar Brito Dos Santos (OAB:BA61425)
Advogado: Adriano Gonçalves De Queiroz (OAB:BA16368)
Reu: Gabriel Laranjeira
Terceiro Interessado: Ministério Público Do Estado Da Bahia
Testemunha: Maria Luisa Bastos Carneiro Seixas
Testemunha: Luca Barbosa Oliveira Pedroza
Testemunha: Geferson De Oliveira Araujo
Testemunha: Ricardo Marques Da Silva
Testemunha: Marcilio Santos Da Silva
Testemunha: Breno Martins Da Silva
Testemunha: Everson Fernandes Da Silva

Intimação:

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