Candeias - Vara cível

Data de publicação25 Outubro 2021
Gazette Issue2967
SectionCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE CANDEIAS
SENTENÇA

8000969-33.2017.8.05.0044 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Candeias
Autor: Ana Rilza Arcanjo Da Silva
Reu: Estado Da Bahia

Sentença:

ANA RILZA ARCANJO DA SILVA ingressou com a presente ação de obrigação de fazer cumulada com tutela de urgência contra o Estado da Bahia objetivando que o réu seja compelido a fornecer tratamento medicamentoso para sua patologia.

Informa a autora que é portadora de membrana neovascular subretiniana (MNV) ativa em ambos os olhos, secundária a degeneração macular relacionada a idade (DMRI), que leva a diminuição progressiva da visão, podendo chegar à cegueira em caso de não realização do tratamento indicado; e que já apresenta visão turva e muitas dores de cabeça em decorrência deste problema de saúde.

A autora aduz que o tratamento indicado pelo médico que realiza seu acompanhamento é o uso de 03 (três) injeções mensais iniciais da medicação antiangiogênica (LUCENTIS – Injeção INTRA-VITREA) em ambos os olhos, com avaliação após a terceira injeção, e injeções mensais subsequentes até a ausência de edema retiniano e cicatrização da MNV, podendo necessitar de 12 (doze) injeções no primeiro ano e injeções subsequentes sempre que houver recidiva da MNV e/ou aparecimento de edema retiniano com metamorfopsia e diminuição da visão. Acrescenta que o medicamento é aprovado pelo Ministério da Saúde com registro do produto na ANVISA sob o nº 1.0068.1056.0001-6.

Ao buscar o auxílio da Secretaria de Saúde do Município de Candeias, foi informada de que se trata de medicamento de alto custo e utilizado para tratamento de enfermidade rara ou de baixa prevalência ou até mesmo prevalente, sendo sua aquisição realizada pelo Estado da Bahia e não pelo Município de Candeias.

Com a inicial foram juntados os documentos nº 02 a 04.

Diante da gravidade dos fatos apresentados, em decisão nº 13, foi deferida parcialmente a tutela de urgência para determinar ao réu que fornecesse a medicação antiogenica LUCENTIS – Injeção INTRA-VITREA com três injeções mensais iniciais, e, após, doze injeções no primeiro ano, bem como, sempre que houvesse reincidência da patologia que acomete a autora.

Devidamente citado, o Estado da Bahia apresentou contestação (fls. 25/30), suscitando a necessidade de suspensão do processo devido a existência de recurso repetitivo. Informou que a questão da “Obrigação do Poder Público de fornecer medicamentos não incorporados, através de atos normativos, ao Sistema Único de Saúde” estava sendo discutida em Recurso Especial, , com o tema cadastrado sob o número 106, não podendo, portanto qualquer deliberação sobre o tema até o julgamento do recurso.

No mérito, o Réu aduz que o Ministério da Saúde não incorporou o RANIBIZUMABE (LUCENTIS) ao elenco de medicamentos do SUS, mas que submeteu à Consulta Pública nº 10, de 12/09/2012, a minuta de Portaria que se propõe a aprovar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas Degeneração Macular relacionada com a idade (forma neovascular). Neste documento, o tratamento preconizado é a injeção intravítrea com bevacizumabe, medicamento de igual eficácia e menor custo, comparado ao RANIBIZUMABE, mas sem registro da ANVISA, sendo necessário que o medicamento tenha seu registro em bula de utilização para este fim, o que só pode ser peticionado pela laboratório fabricante da tecnologia ou pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC).

Acrescenta a parte ré que a aplicação da medicação é realizada no HUPES, hospital universitário, sendo limitado por eles a quantidade de atendimentos, logo, ainda que disponibilizado o medicamento, sua aplicação envolve questões que não estão ao alcance/poder de decisão da SESAB.

O Estado afirma, ainda, que o medicamento pleiteado é de custo elevado, razão pela qual é imprescindível a análise da sua adequação ao tratamento por parte de um perito ou médico do SUS, não podendo ser compelido a custear tratamento médico para o qual não foi detectada indicação clínica por perícia médica especializada.

Em decisão de saneamento nº 11, ficou determinado que a atividade probatória deveria recair sobre a questão da ineficácia do tratamento por meio dos fármacos fornecidos pelo SUS para a doença informada nos autos, bem como a imprescindibilidade do medicamento prescrito; se a parte autora seguiu o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas para o tratamento da doença, sendo o ônus da prova da parte autora. Já a questão de direito diz respeito ao cumprimento, ou não, por parte dos réus, da diretriz constitucional do atendimento integral por meio do SUS e da garantia ao do constitucional direito à saúde.

A parte autora apresentou laudo pericial fornecido pelo NATJUS-TJBA, elaborado em caso análogo ao presente.

O Estado da Bahia apresentou documentos nº 16 e 18, entre eles a Resolução de Diretoria Colegiada nº 111, de 06/09/2016, editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, autorizando o uso off label do Bevacizumabe no âmbito do SUS para o tratamento de DMRI e relatório da CONITEC, responsável por assessorar o Ministério da Saúde nos termos do art. 19-Q da Lei 8.080/90, que subsidiou a decisão de não incorporar o medicamento Ranibizumabe, comercializado sob o nome Lucentis®, para o tratamento de DMRI, e recomendando a incorporação do Bevacizumabe (Avastin®) para essa finalidade.

É o relatório. Decido.

A partir das provas contidas nos autos, restou demonstrado que o autor é portadora de membrana neovascular subretiniana (MNV) ativa em ambos os olhos, secundária a degeneração macular relacionada a idade (DMRI), tendo a requerente solicitado para tratamento de sua patologia o fornecimento exclusivo da medicação Lucentis.

Ocorre que, conforme demonstra o documento de nº 02 e 04, o pedido por ela feito à Secretaria de Saúde do Estado foi de fornecimento exclusivo de Ranibizumabe (Lucentis), o qual não foi incorporado ao SUS a partir de recomendação do Conitec (documento nº 17), o que foi feito pelo fato de existir outro medicamento (bevacizumabe), disponível por meio do SUS, o qual teria custo menor e eficácia até mesmo maior que aquele, como indicam os estudos científicos feitos.

Inicialmente, importa salientar que a Constituição Federal, em seu art. 196, ao mesmo tempo em que estatui a saúde como direito de todos e dever do Estado, determina que o fornecimento de tal direito será realizado mediante políticas públicas que objetivem, dentre outros aspectos, o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, ou seja, o fornecimento dos serviços de saúde, ainda que seja obrigação inegável do poder público, deve ser feito de forma a permitir que todos tenham o mesmo tipo de tratamento para determinada enfermidade, sendo a definição das estratégias ato de gestão próprio dos administradores do SUS.

Não cumpre ao Poder Judiciário, portanto, intervir na definição das políticas públicas a serem adotadas pelos gestores do SUS, tanto por não existir preparo técnico para tal como por ser evidente intromissão de um poder em outro, ou seja, retiraria do executivo a elaboração das diretrizes a levar a população ao acesso universal e igualitário constitucionalmente previsto.

Dentro da perspectiva acima descrita, o Estado da Bahia informou que a medicação Ranibizumabe (Lucentis), não foi incorporada ao SUS a partir de recomendação do Conitec.

Isto se deve ao fato de existir outro medicamento (bevacizumabe), disponível por meio do SUS, o qual teria custo menor e eficácia até mesmo maior que aquele, como indicam os estudos científicos feitos.

Preferiu o SUS, portanto, como política pública de saúde, não disponibilizar o medicamento acima informado aos seus pacientes. Tal decisão, todavia, não os privou e não os priva de acesso a outra droga que atua no controle da doença do autor, conforme já mencionado acima.

Ao mesmo tempo em que o Judiciário deve garantir o acesso à saúde quando negado pelo Estado, não pode o referido poder definir a forma como o serviço será prestado, desde que os objetivos terapêuticos sejam atingidos, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes.

É legítimo ao Estado, portanto, a negativa de fornecimento de medicamento quando este não fizer parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), como ocorre no presente caso, desde que não exista prova da imprescindibilidade deste para o tratamento, prova essa inexistente nos autos, sendo que o seu fornecimento nestas condições faria letra morta ao acesso igualitário pela óbvia impossibilidade de custear um tratamento não recomendado pelas equipes médicas que elaboraram o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas referente ao caso ou altamente dispendioso quando existe alternativa, adotada pelo SUS, para atingir o mesmo objetivo terapêutico.

No mesmo sentido do ora decido, o STJ, por meio do tema representativo de controvérsia nº 106, definiu ser necessária a presença de três elementos para o fornecimento de medicamento não incorporado ao SUS, quais sejam a existência de registro na ANVISA, a incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento e a comprovação, por meio de laudo médico, tanto da ineficácia do tratamento por meio dos fármacos fornecidos pelo SUS...

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