Cansan��o - Vara crime, j�ri, execu��es penais, inf�ncia e juventude

Data de publicação05 Julho 2023
Gazette Issue3365
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA CRIMINAL DE CANSANÇÃO
INTIMAÇÃO

8000902-86.2022.8.05.0046 Produção Antecipada De Provas Criminal
Jurisdição: Cansanção
Requerente: M. P. D. E. D. B.
Requerido: C. D. S. D. J.
Advogado: Andreza Renata Do Nascimento Melo (OAB:PE57777)

Intimação:

ATRIBUO A ESTA DECISÃO FORÇA DE MANDADO/OFÍCIO/ALVARÁ/CARTA PRECATÓRIA ou qualquer outro instrumento necessário ao seu cumprimento

Vistos, etc.

1 RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA proposta pelo Ministério Público do Estado da Bahia em face de CARLOS DA SILVA DE JESUS, com lastro no artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal e no artigo 11 da Lei n. 13.431/2017.

Narra o Parquet que chegou ao seu conhecimento a instauração do Inquérito Policial de nº 37703/2022, onde é apurada a suposta prática, pelo demandado, do crime capitulado no artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável) contra ROSÂNGELA SANTANA FÉLIX, filha da ex-companheira do requerido, nascida em 11/05/2009.

Afirma que os fatos inicialmente foram levados ao conhecimento do Conselho Tutelar pela equipe multidisciplinar da Escola Educandário Senhora Santana e, à época, a adolescente foi atendida pelos experts após solicitação da gestão, por apresentar comportamentos atípicos (marcas de mutilação) que sugeriam sofrimento emocional. Em novo episódio, a equipe foi mais uma vez acionada, contudo, em decorrência da existência de relatos de abusos sexuais sofridos pela adolescente. Em um dos atendimentos realizados, a adolescente voltou a relatar os episódios, sinalizando que no dia 27 de julho de 2022, após a genitora sair de casa para ir trabalhar, foi, mais uma vez, abusada pelo ex-padrasto.

Argumenta ainda que Conselho Tutelar verificou que o requerido também é investigado pela prática de crime(s) sexual(is) contra outras duas enteadas (Raissa e Raiane), também filhas de Elisângela Santana, que não mais residem com o núcleo familiar na Fazenda Água Branca. Ouvida mais uma vez pelo CT, Elisângela esclareceu que conversou com a filha (Rosangela), tendo sido por ela relatado que “Binho” a abusou por quatro vezes. Os abusos teriam ocorrido dentro da residência da família, mais especificamente nos quartos (inclusive no da adolescente e no do ex-casal) e na cozinha. Rosangela asseverou, outrossim, que foi ameaçada pelo ex-padrasto, circunstância que a impediu de relatar os fatos para a própria mãe.

Apresentou que a adolescente asseverou que o requerido se aproveitava dos momentos em que sua genitora não se encontrava na residência do núcleo familiar para abusá-la e “passava as mãos em suas partes íntimas, como seios e vaginas”, fato esse, inclusive, que ocorreu na data de 27 de julho de 2022. Rosangela externou, ainda, o medo do ex-padrasto, o qual, consonante seus relatos, “não podia vê-la sozinha que tentava fazer sexo com sua pessoa”.

Defende que os fatos noticiados empolgam a coleta antecipada da prova, por meio da tomada de depoimento especial da criança, como forma de salvaguardar os seus direitos e minimizar o potencial de revitimização da oitiva sem adoção da técnica adequada.

É o que importa relatar. Decido.

2 FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, consigne-se que a tutela cautelar criminal tem por objetivo neutralizar as implicações negativas do transcurso do tempo sobre a efetividade da jurisdição penal. Sobre a questão, obtemperam Cintra, Dinamarco e Grinover:

A fluência incontrolada do tempo é vista pela ordem jurídica como um fator de possíveis corrosões de direitos ou de inabilitação do processo a cumprir sua missão de dar efetividade a estes, solucionando conflitos e pacificando pessoas ou grupos com justiça - e daí dizer a doutrina que "não seria um atrevimento comparar o tempo a um inimigo, contra o qual o juiz luta sem tréguas" (Carnelutti). É nesse quadro que se situam as disposições com as quais a lei institui instrumentos destinados a neutralizar os males do tempo, aludindo a este como o tempo-inimigo. O fundamento mais elevado dessas disposições e da sistemática das medidas urgentes no direito processual é a promessa constitucional de tutela jurisdicional, a qual se desdobra no trinômio adequação-tempestividade-efetividade (Kazuo Watanabe). Para o integral cumprimento dessa promessa com a busca da plena satisfação de direitos pela via do processo, a garantia do acesso à justiça, contida no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal, deve ser lida como portadora do propósito de oferecer tutelas jurisdicionais que sejam adequadas segundo o direito (decisões justas), que efetivamente produzam os resultados desejados (efetividade) e que cheguem em tempo, antes que os direitos pereçam ou sejam deteriorados ou insuportavelmente enfraquecidos (tempestividade). Oferecer medidas jurisdicionais urgentes significa, pois, dar integral cumprimento a essa disposição constitucional (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 364).

Apesar da falta de disciplina exauriente do tema pela legislação processual penal, a doutrina especializada destaca como pressupostos gerais de toda tutela cautelar: a) a existência do fumus comissi delicti, isto é, de elementos de materialidade da infração e indícios suficiente de sua autoria; b) o periculum in mora – ou periculum libertatis, na terminologia específica das prisões provisórias –, que decorrerá do risco ao resultado útil do processo. Nesse sentido:

Não se pode pensar que as medidas diversas da prisão, por não implicarem a restrição absoluta da liberdade, não estejam condicionadas à observância dos pressupostos e requisitos legais. Pelo contrário. À luz da garantia da presunção de não culpabilidade e da própria redação do art. 282 do CPP, nenhuma dessas medidas pode ser aplicada sem que existam os pressupostos do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.

[...]

O fumus boni iuris enseja a análise judicial da plausibilidade da medida pleiteada ou percebida como necessária a partir de critérios de mera probabilidade e verossimilhança e em cognição sumária dos elementos disponíveis no momento, ou seja, basta que se possa perceber ou prever a existência de indícios suficientes para a denúncia ou eventual condenação de um crime descrito ou em investigação, bem como a inexistência de causas de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade.

[...]

O periculum in mora, por sua vez, caracteriza-se pelo fato de que a demora no curso do processo principal pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser concedida, não tenha mais eficácia, pois o tempo fez com que a prestação jurisdicional se tomasse inócua, ineficaz (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 819/820).

Tendo como norte tais parâmetros, pode-se afirmar que, no presente caso, o Ministério Público se desincumbiu do ônus de evidenciar os requisitos necessários ao deferimento da tutela cautelar requestada, como se passa a analisar.

A produção antecipada de prova está prevista no artigo 156, I, do Código de Processo Penal, para as situações consideradas urgentes e relevantes, sob o prisma dos postulados da necessidade, adequação e proporcionalidade. Veja-se:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

[...]

Por seu turno, a Lei n. 13.431/2017 preceitua ser o depoimento especial a modalidade de oitiva da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência perante os órgãos policial ou judiciário, devendo-se, nesse último caso, seguir o rito cautelar da antecipação de prova, se a criança contar com menos de 07 (sete) anos de idade ou se se tratar de hipótese de abuso sexual. Confira-se:

Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

Art. 11. O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado.

§ 1º O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova:

I - quando a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos;

II - em caso de violência sexual.

[...]

Na espécie, cuida-se de suposto estupro de vulnerável perpetrado por CARLOS DA SILVA DE JESUS, contra a adolescente ROSANGELA SANTANA FÉLIX, de apenas 13 (treze) anos de idade (nascida em 11/05/2009). Os elementos de informação angariados no inquérito policial apontam que a adolescente, em oitiva, após relatos de comportamentos que sugeriam sofrimento emocional, com marcas de mutilação, e relatos de abusos sexuais da adolescente, sinalizou que no dia 27 de julho de 2022, após a genitora sair de casa para ir trabalhar, foi, mais uma vez, abusada pelo ex-padrasto. Colhe-se do boletim de ocorrência (ID 292527285 – Pág. 13/14):

(…) o Coelheiro Tutelar o Sr. ANTONIO FERREIRA BORGES, entregado um ofício nº. 095/2022, oriundo do Conselho Tutelar da Cidade de Cansanção/BA, com informações que adolescente ROSÂNGELA...

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