Capela do alto alegre - Vara cível

Data de publicação03 Março 2023
Número da edição3284
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE CAPELA DE ALTO ALEGRE
INTIMAÇÃO

8000591-94.2019.8.05.0048 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Capela Do Alto Alegre
Autor: Zilda Souza De Almeida
Advogado: Raphael Pitombo De Cristo (OAB:BA25185)
Advogado: Leonardo Carneiro Dos Santos (OAB:BA42939)
Reu: Companhia De Eletricidade Do Estado Da Bahia Coelba
Advogado: Paulo Abbehusen Junior (OAB:BA28568)

Intimação:

Dispensado o relatório na forma do art. 38, da Lei 9099/95, passo a um breve relato dos fatos relevantes.

A parte autora, já qualificada, ajuizou a presente ação em face da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia buscando, em suma, a condenação da requerida a título de danos morais em razão de supostas interrupções indevidas no fornecimento de energia elétrica.

O requerido pugnou, preliminarmente, pela inépcia da inicial, falta de interesse de agir e complexidade da causa. No mérito, alegou a ausência de interrupção do serviço.

I. Preliminares:

Rechaço a preliminar de inépcia da inicial, tendo em vista que o pedido formulado pela parte autora obedece a todas as disposições do CPC, considerando o pedido e a causa de pedir expostos na exordial, inclusive quanto à apresentação de documentos básicos necessários à análise da pretensão trazida a juízo, pelo que não há falar em inépcia. Assim, há necessidade de investigação dos fatos à luz das provas produzidas, o que se confunde com o próprio mérito.

Rejeito a preliminar de falta de interesse de agir, pela ausência de pretensão resistida, ante a independência de instâncias, de modo que a formalização de pedido administrativo não é requisito à propositura da presente ação. A legitimação do interesse de agir prescinde de prévio requerimento administrativo, tendo em vista a norma inserta no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante o acesso individual ao Poder Judiciário. Ademais, não há falar em ausência de pretensão resistida, porquanto, em contestação, a parte ré rebate as alegações da parte autora.

Não merece prosperar a preliminar de incompetência por complexidade aduzida pela parte ré uma vez que a prova documental interpretada à luz dos dispositivos processuais que norteiam a Lei 9.099/95 permite o julgamento do feito.

Quanto ao pedido de inversão do ônus probatório formulado pela parte autora, resta indeferido, uma vez que tal procedimento deve ocorrer antes da etapa de instrução do processo (STJ no REsp 1.286.273). No entanto, não há que se falar em prejuízo para a parte autora tendo em vista que, existindo a responsabilidade pelo fato do serviço, ocorre a inversão legal do ônus da prova (artigo 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor).

II. Mérito:

O processo encontra-se apto para ser julgado, não necessitando da produção de outras provas, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil.

Cumpre frisar que sobre a relação jurídica existente entre a parte autora e a parte ré incide o Código de Defesa do Consumidor, com o seu regramento legal e seus princípios.

A parte requerida é concessionária de serviço público para fornecimento de energia elétrica. Por isso, é imperiosa a adequada e eficaz prestação do serviço público:

Lei n.º 8.987/95,

art. 6o: Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

CDC, art. 22: Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

A energia elétrica é serviço essencial e, como tal, pressupõe continuidade. Contudo, é possível a interrupção desse serviço público nas seguintes hipóteses:

Lei n.º 8.987/95.

art. 6º, § 3o: não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Não sendo o caso de situações emergenciais, o modo pelo qual deve ser feito o aviso prévio ao consumidor encontra-se regulamentado pela resolução nº 1000/2021 da ANEEL. Na época dos fatos descritos na inicial, vigorava a Resolução Normativa ANEEL Nº 414 DE 09/09/2010:

Art. 173. Para a notificação de suspensão do fornecimento à unidade consumidora, prevista na seção III deste Capítulo, a distribuidora deve observar as seguintes condições:

I - a notificação seja escrita, específica e com entrega comprovada ou, alternativamente, impressa em destaque na fatura, com antecedência mínima de:"

a) 3 (três) dias, por razões de ordem técnica ou de segurança; ou

b) 15 (quinze) dias, nos casos de inadimplemento.

Caso não obedecidas as formalidades acimas, a interrupção do serviço público é ilegítima.

Nesse diapasão, aquele que, por ação ou omissão voluntária violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186 do Código Civil) e, consequentemente, tem o dever de repará-lo (art. 927 do Código Civil).

Sob essa perspectiva, em razão da essencialidade do serviço de energia elétrica, a suspensão indevida do fornecimento, causa dano moral presumido. É o denominado dano in re ipsa, que existe unicamente pelo fato da coisa.

Cito:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA. CORTE INDEVIDO. AUSENTE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. DANOS MORAIS IN RE IPSA. - Responsabilidade objetiva. Art. 37, § 6º, da CF/88. Inteligência dos artigos 14, § 1º e 22, ambos do CDC - Caso concreto. Corte indevido de energia elétrica que restou incontroverso nos autos, visto que a demandada afirmou que o fato ocorreu em razão de um equívoco dos seus funcionários - Falha na prestação do serviço. No caso dos autos, é forçoso concluir que não se aplicam as excludentes de responsabilidade da força maior ou do caso fortuito porquanto a falha do serviço se deu exclusivamente por equívoco da ré - Danos morais configurados. Danos morais puros, in re ipsa, que independem de prova e decorrem do mero agir da concessionária de serviço público que, de forma ilegal, privou a autora de serviço essencial - Valor Indenizatório. Quantum fixado em R$ 1.000,00, observados os postulados da razoabilidade e proporcionalidade. APELAÇÃO PROVIDA. ( Apelação Cível Nº 70076218767, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 21/03/2018). (TJ-RS - AC: 70076218767 RS, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Data de Julgamento: 21/03/2018, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/03/2018)

Apelação cível. Corte indevido de energia elétrica. Dano moral configurado. Quantum indenizatório. Minoração. Recurso provido. O corte indevido do fornecimento de energia elétrica, serviço essencial, causa dano moral presumido. Mantém-se o valor da indenização fixada a título de danos morais, quando este se mostrar razoável e proporcional aos danos morais experimentados. (TJ-RO - APL: 70112034920178220002 RO 7011203-49.2017.822.0002, Data de Julgamento: 28/03/2019)

Destarte, eventual responsabilidade civil da parte requerida a ser apurada no feito será de ordem objetiva nos termos previstos no art. 37, §6º, da Constituição Federal:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (...)"

Sem prejuízo, em âmbito infraconstitucional, a responsabilidade objetiva da Ré está prevista no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Pois bem.

No presente caso, a controvérsia existente consiste, substancialmente, se teria a requerida interrompido o fornecimento da energia elétrica e, caso a resposta seja afirmativa, se a suspensão se deu em razão de emergência, inadimplemento ou ordem técnica. E, sendo esses dois últimos, se ocorreu prévio aviso.

Nesse contexto, via de regra, competiria à autora a comprovação dos elementos de responsabilidade acima mencionados, ante a ordinária distribuição do ônus probatório. Todavia é da parte requerida o ônus de provar a ocorrência das excludentes da responsabilidade, por força do artigo 14 parágrafo 3º do CD...

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