Capim grosso - Vara cível

Data de publicação17 Agosto 2022
Número da edição3158
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DE CAPIM GROSSO
INTIMAÇÃO

8002276-31.2022.8.05.0049 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Capim Grosso
Autor: Jose Pereira Da Silva
Advogado: Adrielle Gomes Do Nascimento Coelho (OAB:BA70541)
Reu: Banco Bradesco Sa
Advogado: Larissa Sento Sé Rossi (OAB:BA16330)

Intimação:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

COMARCA DE CAPIM GROSSO

JUÍZO DE DIREITO DA VARA DOS FEITOS DE RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS

SENTENÇA

Processo n. 8002276-31.2022.8.05.0049

Vistos, etc.

JOSE PEREIRA DA SILVA ingressou com a presente ação contra BANCO BRADESCO SA, conforme alegações constantes na inicial.

Foi determinada a regularização da representação processual da parte autora, mas a ordem não foi satisfatoriamente atendida.

É o sucinto relato.

Decido.

A exordial veio acompanhada de instrumento de mandato do qual não constou a assinatura, mas a impressão digital do polegar de uma das mãos da parte autora, a qual é analfabeta e quem, na forma do art. 654 do Código Civil, não pode outorgar procuração senão mediante instrumento público.

Como já é do conhecimento do ilustre causídico, conforme entendimento externado inicialmente neste feito, penso que a exigência de apresentação da procuração pública em casos como este não traduz formalismo exacerbado, aliás, este magistrado é defensor dos princípios da instrumentalidade das formas e da efetividade processual, visando sempre a entrega célere da prestação jurisdicional. Entretanto, isso não pode acarretar na inobservância de formalidades como a prevista no art. 105 do CPC, donde se extrai a exigência de que a procuração geral para o foro somente poderá ser outorgada por instrumento particular quando assinada pela própria parte.

Na verdade, tal exigência cuida dos próprios interesses da parte não alfabetizada, da qual, apesar de capaz para os atos da vida civil, exige-se o cumprimento de determinadas formalidades no momento de celebrar negócios e declarações de vontade, com objetivo de protegê-la de eventuais estelionatários, prática corriqueira inclusive nesta Comarca, onde todos os meses o judiciário recebe inúmeros processos requerendo a declaração de nulidade de contratos de empréstimos consignados que foram firmados apenas com a aposição da digital de pessoa analfabeta e assinatura de terceiro à rogo.

Tenho que não podem ser usados dois pesos e duas medidas, aceitando a validade de instrumento de procuração particular em casos como o presente, mitigando a norma processual, e, em total contradição, anular negócios jurídicos do tipo acima mencionado.

Note-se que, a exigência do instrumento público ocorre porque o Tabelião tem a obrigação legal de ler e explicitar o teor do negócio ou da procuração ao outorgante, atestando sua compreensão e a anuência, o que acaba por proteger, também, o próprio advogado que, na maioria das vezes, recebe poderes especiais para confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso em nome da parte.

Embora a Sexta Turma Recursal dos Juizados Eespeciais do Estado da Bahia, em seus julgados, venha entendendo pela possibilidade de mitigar a aplicação da norma contida no art. 654 do CC, é importante salientar que o rito sumaríssimo e os princípios da simplicidade e informalidade, que regem os Juizados Especiais (ex vi art. 2º da Lei n. 9.099/1995), não significam fazer letra morta às formalidades mínimas que devem ser atendidas em qualquer procedimento judicial.

Ainda na perspectiva da análise do microssistema processual previsto para os Juizados Especiais, convém salientar que o jus postulandi da parte autora em sede de juizados se limita apenas as causas cuja alçada seja inferior a 20 salários mínimos - art. 9º cumulado com o §2º do art. 41, ambos da Lei n. 9.099/1995 -, de modo que é obrigatória a representação por advogado devidamente habilitado no caso concreto, onde foi atribuído à causa valor superior a 20 salários mínimos.

Muito já se debateu acerca de quais seriam os requisitos formais para considerar válida a outorga de poderes por pessoas analfabetas, inclusive quanto às procurações ad judicia.

A bem da verdade, o CNJ, no âmbito administrativo, já decidiu pela desnecessidade de que a procuração judicial fosse pública para a prática de tais atos, isto é, outorgada em tabelionato. É o que foi decidido no PCA n. 0001464-74.2009.2.00.0000.

Contudo, data venia, entendo que tal entendimento não tem força vinculante, pois não se pode olvidar que, a respeito da procuração particular, o multicitado art. 654 do CC é taxativo ao dispor: “Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante”.

Mas, mesmo que se admita a possibilidade da outorga de procuração particular por analfabeto, o instrumento deveria ser assinado a rogo e por mais 2 (duas) testemunhas, na forma do art. 595 do Código Civil, que, conforme defende alguns julgadores, poderia ser aplicado por analogia ao caso.

No caso concreto, vê-se, entretanto, que a procuração não se amolda a exigência normativa referida, já que nela consta apenas o que parece ser uma impressão digital que, supõe-se, seja da parte acionante, e mais a assinatura de duas pessoas.

Além disso, não se pode aplicar ao feito a interpretação da possibilidade de mandato verbal (§3º. do art. 9º, da Lei n. 9.099/1995), pois, no caso, não houve realização de audiência e a regularidade da capacidade postulatória deve fazer-se presente desde o início do processo.

Permanecendo irregular a representação judicial da parte autora, mesmo após sua intimação para promover a regularização, é imperiosa a extinção do feito, sem exame do mérito.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados das Turmas Recursais do Sistema dos Juizados Especiais do TJBA:

JUIZADO ESPECIAL. RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PARTE ANALFABETA. VALOR DA CAUSA QUE ULTRAPASSA 20 (VINTE) SALÁRIOS-MÍNIMOS, NÃO SE APLICANDO O ARTIGO 9º, §3, DA LEI 9.099/1995. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO DE UM TERCEIRO NA PROCURAÇÃO JUNTADA AOS AUTOS. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 595, DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO VÁLIDA DO PROCESSO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM O EXAME DO MÉRITO MANTIDA. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJBA. 6ª Turma Recursal. Recurso Inominado. Processo n. 8001829-14.2020.8.05.0049. Relatora: Leonides Bispo dos Santos Silva. DJe: 04/03/2021)


RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL. SEXTA TURMA RECURSAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO VÁLIDA NOS TERMOS DO ART. 595 DO CPC. DETERMINADA A REGULARIZAÇÃO. TRANSCORRER O PRAZO IN ALBIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO EM CONFORMIDADE COM AOS ARTIGOS 76, § 1º, I, e 485, IV, AMBOS DO CPC. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. (TJBA. 6ª Turma Recursal. Recurso inominado. Processo n. 8003968-07.2018.8.05.0049. Relator: Paulo César Bandeira de Melo Jorge. Julgamento: 20/05/2020)



RECURSO INOMINADO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. APOSENTADORIA. ANALFABETA. PROCURAÇÃO FIRMADA MEDIANTE INSTRUMENTO PARTICULAR. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. VÍCIO INSANÁVEL. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE A QUEIXA. RECURSO INTERPOSTO POR ADVOGADO DO AUTOR SEM PROCURAÇÃO NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE, CONFORME PRECEITUA O § 2º DO ARTIGO 41 DA LEI 9.099/95, SENDO INVIÁVEL O SANEAMENTO DA MÁCULA NA FASE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO, FORMULADA NA RAZÕES RECURSAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (TJBA. 5ª Turma Recursal. Recurso Inominado, Processo n. 0000640-50.2014.8.05.0146. Relator: EDSON PEREIRA FILHO. Publicado em: 10/02/2015)


Não pode, portanto, este Juízo fechar os olhos para tal irregularidade, já que está relacionada à capacidade postulatória, isto é, pressuposto para o desenvolvimento válido e regular do processo, matéria de ordem pública, que deve ser conhecida de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição.

A referida exigência cuida de pressuposto de validade da relação processual e não de mero formalismo, traduzindo cautela e proteção do outorgante frágil, não alfabetizado.

Repiso que a decisão proferida pelo CNJ, no âmbito administrativo, não vincula as decisões judiciais proferidas por este Juízo, da mesma forma que eventual jurisprudência em sentido diverso não é capaz de fazê-lo, até porque há amplo entendimento jurisprudencial afirmando a obrigatoriedade da apresentação de procuração pública outorgada pela parte autora analfabeta para o acolhimento da inicial.

Ademais, não tem cabimento a alegação de que a parte não tem condições de arcar com os custos da lavratura de procuração pública, pois se realmente não tem como de pagar, pode requerer que o ato notarial seja realizado sob os auspícios da gratuidade garantida por lei aos hipossuficientes financeiramente.

Por derradeiro, é imperioso destacar que o entendimento ora aplicado segue a orientação do NÚCLEO DE COMBATE ÀS FRAUDES NO ÂMBITO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO ESTADO DA BAHIA (NUCOF), a seguir transcrito:

ENUNCIADO 05:

1 – Indicativo de fraude: Juntada de procuração supostamente dada por mandante analfabeto sem obediência às formalidades legais.

2 – Modus operandi: Juntada de mandato aos autos com assinatura a rogo do analfabeto, sem subscrição por 2 (duas) testemunhas, consoante o artigo 595, do Código Civil.

3 – Recomendação: Quando se verificar irregularidades na procuração assinada a...

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