Capim grosso - Vara dos feitos de relações de consumo, cíveis e comerciais

Data de publicação08 Março 2022
Número da edição3052
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
VARA DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS E COMERCIAIS DE CAPIM GROSSO
INTIMAÇÃO

8000123-59.2021.8.05.0049 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Capim Grosso
Autor: Edvaldo Sampaio Dos Santos
Advogado: Jailson Matos De Sousa Filho (OAB:BA49455)
Reu: Telefonica Brasil S.a.
Advogado: Rafael Brasileiro Rodrigues Da Costa (OAB:BA28937)
Advogado: Bruno Nascimento De Mendonça (OAB:BA21449)
Advogado: Marcelo Salles De Mendonça (OAB:BA17476)

Intimação:

Visto.


Relatório dispensado, na forma do art. 38, da Lei 9099/95.


Tratam os presentes autos da pretensão de EDVALDO SAMPAIO SANTOS em obter provimento jurisdicional que condene a requerida a suspender cobranças indevidas e a compensar os danos materiais e morais sofridos.


Alega, em síntese, que vem recebendo em sua residência fatura de uma conta de telefonia móvel, com valores não contratados, causando-lhe prejuízos.


A ré, em sua peça contestatória, sustenta que a relação obrigacional fora contratada pela autora. Refuta a pretensão indenizatória formulada, mas deixa de apresentar quaisquer documentos que assegurem as suas alegações.


É o que basta circunstanciar. Decido.


A título de prelúdio, indefiro a preliminar de ausência de condição da ação, por falta de interesse de agir, já que não é requisito para a proposição de ação judicial a tentativa de resolução extrajudicial do conflito, não havendo o que se falar em extinção do processo sem resolução do mérito.


Adentrando ao mérito, insta situar a questão ora ventilada no espectro das relações de consumo, à guisa dos preceptivos dos artigos e do CDC, de modo a apresentar-se a parte autora como destinatária final dos serviços prestados pela ré, e esta, por sua vez, fornecedora de tais serviços.


Na esteira do posicionamento dominante do STJ, a inversão do ônus da prova é considerada regra de instrução e não mais de julgamento, como inicialmente definido pelo Tribunal da Cidadania. Entretanto, em razão da peculiaridade e brevidade procedimental dos processos submetidos ao rito da Lei 9099/95, inexistindo uma fase própria de saneamento, e não havendo pedido de tutela de urgência, somente no momento da sentença será possível a inversão do ônus da prova, sem prejuízo à defesa que terá a hipersuficiência quanto à apresentação das provas técnicas. Ademais, sabe-se que, em razão da vulnerabilidade do consumidor frente às relações contratuais standartizadas, a dinamização da prova nas relações de consumo é a regra, concretizando o direito fundamental de defesa do consumidor. Assim, diante da clara conjugação dos pressupostos insertos no art. 6º, VIII, do CDC, inverto o ônus da prova, detendo o réu a absoluta suficiência técnica para a produção probatória e evidência da prestação do serviço de forma adequada aos preceptivos do CDC.


Capitaneada por essas premissas principiológicas, no caso concreto, diante da análise dos elementos de informação encerrados nos autos, percebo que a parte autora assevera e comprova, através da fatura colacionada aos autos, que sofreu cobrança de produto que aduz não ter contratado ou celebrado.


A seu turno, não obstante a empresa ré assevere a regularidade da contratação, deixa de apresentar quaisquer documentos que assegurem as suas alegações.


Assim, a requerida se limita a sustentar ausência de ato ilícito, sem impugnar especificamente os fatos narrados na exordial, não se desincumbindo, assim, do ônus da impugnação especificada que lhe é imposto pelo CPC, em seu art. 341, o que faz, pois, presunção favorável ao acionante.


Dessarte, não havendo prova da contratação entre as partes, presume-se favoravelmente à parte autora, resultando amalgamada a hipótese de fraude perpetrada por terceiro, que não elide a responsabilidade da empresa ré.


Com efeito, a responsabilidade da ré, como prestadora de serviço, na esteira do art. 14 caput do CDC, é de natureza objetiva, somente podendo ser afastada por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, e não pelo fato da prática do ato por terceiro, que vale-se das facilidades decorrentes da falta de cautela do fornecedor de serviços, na fase pré contratual e contratual.


Se terceiro agiu fraudulentamente, acredito que só o fez em face das facilidades ofertadas pelo próprio réu, que ao viabilizar métodos menos burocráticos para realização dos contratos, não disponibiliza mecanismos irrefutavelmente seguros que impeçam ou dificultem a ação daqueles que fraudam. Nesse caso, aplicando-se o preceptivo do art. 14, caput do CDC, a empresa ré assume os riscos decorrentes da forma facilitada de pactuação, sujeitando-se a suportar as consequências de eventual fraude praticada por terceiros, mormente porque as regras e princípios do CDC impõem cautelas no sentido de resguardar os patrimônio e o moral dos consumidores.


No que tange ao dano moral, sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re ipsa, ou seja, nas palavras do festejado Sérgio Cavalieri Filho: “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa... está demonstrado o dano moral” (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).


Mas, também pelo viés punitivo e da prevenção de danos, a repercussão da conduta da ré merece ser sancionada.


Perceba-se que o “paradigma reparatório”, calcado na teoria de que a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui resposta jurídica satisfatória, como se dá, por exemplo, quando o ofensor obtém benefício econômico com o ato ilícito praticado, mesmo depois de pagas as indenizações pertinentes, de natureza reparatória e/ou compensatória; ou quando o ofensor se mostra indiferente à sanção reparatória, vista, então, como um preço que ele se propõe a pagar para cometer o ilícito ou persistir na sua prática.


Essa “crise” do paradigma reparatório leva o operador do direito a buscar a superação do modelo tradicional, o qual não se traduz no abandono da ideia de reparação, mas no redimensionamento da responsabilidade civil, que, para atender aos modernos e complexos conflitos sociais, deve exercer várias funções.


Ao lado da tradicional função de reparação pecuniária do prejuízo, outras funções foram idealizadas para a responsabilidade civil. Assim, avulta, atualmente, a noção de uma responsabilidade civil que desempenhe a função de prevenção de danos, forte na ideia de que mais vale prevenir do que remediar.


Conforme salienta Ramón Daniel Pizarro, tanto do ponto de vista da vítima quanto do possível responsável, a prevenção do dano é sempre preferível à sua reparação. O tema assume especial relevo em matéria de danos causados como consequência de uma lesão a direitos personalíssimos, como a intimidade, a honra ou a imagem.


Do mesmo modo, cresce a ideia, em países de tradição romanística, de uma função punitiva da responsabilidade civil. A indenização punitiva surge como instrumento jurídico construído a partir do princípio da dignidade humana, com a finalidade de proteger essa dignidade em suas variadas representações.


A ideia de conferir o caráter de pena à indenização do dano moral pode ser justificada pela necessidade de proteção da dignidade da pessoa e dos direitos da personalidade, sobretudo em situações especiais, nas quais não haja outro instrumento que atenda adequadamente a essa finalidade, respondendo, outrossim, a um imperativo ético que deve permear todo o ordenamento jurídico.


Essa ideia da indenização punitiva é coerente com os princípios que informam o nosso Direito e constitui um mecanismo consistente e apto à consecução dos fins para ele almejados.


Assim, o valor da reparação e punição deve observar a situação econômica das partes envolvidas, a gravidade do dano e o tríplice escopo da reparação: indenizatório, punitivo e pedagógico, evitando enriquecimento ilícito, por um lado, e desestimulando a reiteração da prática ilícita, por outro.


No que tange ao dano material pleiteado, este se consubstancia nos valores indevidamente cobrados, cujo montante lhe deverá ser restituído em dobro, na forma do art. 42, § único, do CDC.


Ante o exposto, declaro extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do inciso I, do art. 487, do CPC, para condenar a requerida a:


a) cancelar o contrato objeto da lide e as cobranças dele decorrentes, no prazo de cinco dias, sob pena de multa diária de R$30,00 (trinta reais), limitada ao montante de R$10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento;


b) restituir à autora o valor de R$34,99 (-), em dobro, com correção monetária e juros de mora do evento danoso (Súmula nº 54 STJ);


c) compensar o dano moral sofrido pela parte autora no valor de R$3.000,00 (-), com correção monetária da data do arbitramento e juros de mora do evento danoso (Súmula nº 54 STJ).


Advirta-se a condenada:


a) Quanto ao dever estabelecido no art. 77, IV, do CPC,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT