Capital - 1ª vara do sistema dos juizados especiais da fazenda pública

Data de publicação18 Agosto 2021
Número da edição2923
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
SENTENÇA

8009078-63.2020.8.05.0001 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Gilvan Cazumba Cardoso
Advogado: Jeronimo Luiz Placido De Mesquita (OAB:0020541/BA)
Advogado: Yuri Oliveira Arleo (OAB:0043522/BA)
Reu: Municipio De Salvador
Reu: Susprev - Superintendencia De Seguranca Urbana E Prevencao A Violencia

Sentença:

8009078-63.2020.8.05.0001

AUTOR: GILVAN CAZUMBA CARDOSO

REU: MUNICIPIO DE SALVADOR e outros


SENTENÇA



Vistos.

Trata-se de AÇÃO DE COBRANÇA em que figuram as partes acima nominadas e devidamente qualificadas nos autos.

Em síntese, aduz o Autor, ocupante do cargo de Guarda Civil Municipal, que a Administração Pública Municipal se vale de divisor inapropriado para calcular o valor remuneratório da hora normal, o que implica em pagamento a menor do adicional noturno.

Alega, ainda, que a Administração Pública Municipal utiliza apenas o vencimento como base de cálculo do adicional noturno, quando o correto seria a remuneração.

Requer, assim, que os Réus sejam condenados ao pagamento das diferenças decorrentes da não utilização do divisor 200 (duzentos) para o cálculo do adicional noturno nos últimos 05 (cinco) anos, com repercussão e reflexos no décimo terceiro salário e no adicional de férias.

Além disto, pede a condenação dos Réus ao pagamento das diferenças relativas a não utilização da remuneração – composta pelo vencimento básico, gratificação por avanço de competências, adicional por tempo de serviço e gratificação de risco – como base de cálculo do adicional noturno nos últimos 05 (cinco) anos.

Citados, apenas o Município de Salvador apresentou a contestação.

Dispensada a realização da audiência de conciliação.

Voltaram os autos conclusos.

É o breve relatório. Decido.

DAS PRELIMINARES

Inicialmente, o Município de Salvador alegou as preliminares de ilegitimidade passiva, inépcia da petição inicial e incompetência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública, sob o fundamento de complexidade da demanda.

Como é sabido, a legitimação para agir consiste no requisito de admissibilidade processual que objetiva demonstrar a presença de uma ligação subjetiva entre as partes do processo e a relação jurídica apresentada em juízo.

Nesse diapasão, impende registrar a lição de Fredie Didier Jr., a saber:

A legitimidade para agir (ad causam petendi ou ad agendum) é requisito de admissibilidade que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os “pressupostos processuais” subjetivos para que a parte possa atuar regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em juízo.

[…]

Essa noção revela os principais aspectos da legitimidade ad causam: a) trata-se de uma situação jurídica regulada pela lei (“situação legitimante”; “esquemas abstratos"; “modelo ideal”, nas expressões usadas pela doutrina). b) é qualidade jurídica que se refere a ambas as partes do processo (autor e réu); c) afere-se diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial deduzida - “toda legitimidade baseia-se em regras de direito material”, embora se examine à luz da situação afirmada no instrumento da demanda1.

Neste contexto, importa reconhecer que a Guarda Municipal do Salvador – GMS consiste em autarquia municipal e, por conseguinte, é dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, bem como patrimônio próprio, consoante o art. 1º da Lei Municipal 7.236/2007:

Art. 1º A Guarda Municipal do Salvador - GMS, criada nos termos do artigo 252 da Lei Orgânica do Município, combinado com o § 8º do artigo 144 da Constituição Federal, e pela Lei nº 4992/1995, constitui-se sob a forma de autarquia, vinculada à Secretaria Municipal de Serviços Públicos - SESP, dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, patrimônio próprio, com sede e foro na Cidade do Salvador, Estado da Bahia, regendo-se pela presente Lei.

Deste modo, diante de tais qualidades da Guarda Municipal do Salvador – GMS, por ser responsável pelo pagamento dos seus servidores, afigura-se sem fundamento a presença do Município do Salvador no polo passivo da presente demanda, pois ausente sua legitimidade passiva.

Logo, caracterizada hipótese de extinção do feito sem análise do mérito quanto ao Município de Salvador, na forma do art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

[…]

VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;

[…]

Embora já reconhecida a ilegitimidade passiva do Município de Salvador, é oportuno afastar as preliminares de inépcia da petição inicial e incompetência absoluta.

Como se sabe a inépcia consiste em vício da petição inicial que impossibilita o julgamento do mérito, tendo em vista grave defeito atrelado à causa de pedir ou ao pedido. Neste sentido, é oportuna a lição de Fredie Didier Jr.:

A inépcia (ou inaptidão) da petição inicial gira em torno de defeitos vinculados à causa de pedir e ao pedido; são defeitos que não apenas dificultam, mas impedem o julgamento do mérito da causa.

Conforme visto, a petição inicial é o veículo da demanda, que se compõe do pedido, da causa de pedir (elementos objetivos) e dos sujeitos (elemento subjetivo). A inépcia diz respeito a vícios na identificação/formulação dos elementos objetivos da demanda2.

No caso em tratativa, constata-se que não há nenhum defeito na petição inicial que leve à sua rejeição prévia, notadamente, porque o objeto litigioso versa sobre a incorreção do cálculo do adicional noturno referente a todo o período dos últimos 05 (cinco) anos, e não de dias específicos.

Assim, tem-se que a causa de pedir e os pedidos foram formulados sem nenhuma imprecisão, motivo pelo qual não ficou caracterizada a alegada inépcia da petição inicial.

Sucessivamente, afasto a preliminar de incompetência por necessidade de perícia contábil, porque os valores pretendidos pela parte demandante decorrem de simples cálculos aritméticos. Assim, não há falar-se em incompetência deste Juízo, porquanto não caracterizada a complexidade probatória.

Consoante este entendimento, é pacífico o posicionamento da jurisprudência:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL. PERÍCIA COMPLEXA. Pretensão ao pagamento das diferenças de Adicional por Tempo de Serviço. Redistribuição dos autos à Vara Comum. Desnecessidade de perícia complexa. Controvérsia que exige, essencialmente, simples cálculo aritmético. Competência do Juizado Especial. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO

(TJSP, Relator(a): Alves Braga Junior; Comarca: Fernandópolis; Órgão julgador: Câmara Especial; Data do julgamento: 19/09/2016; Data de registro: 20/09/2016) (grifou-se)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA. SERVIDOR PÚBLICO. JORNADA ATIVIDADE EXTRACLASSE. COMPETÊNCIA. RESOLUÇÃO Nº 887/2011-COMAG. LEI FEDERAL Nº 12.153/2009. CRITÉRIO OBJETIVO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. 1. Compete ao Juizado Especial da Fazenda Pública o julgamento de ações de interesse do Estado até o valor de 60 salários mínimos. Hipótese em que o valor da causa é inferior a 60 salários mínimos. Competência do Juizado Especial da Fazenda Pública ora proclamada, nos termos do art. 4º da Resolução nº 887/2011- COMAG, 2. Afastado o critério da complexidade da causa, especialmente em razão do direito vindicado estar atrelado à observância do resguardo de 1/3 da jornada de hora atividade extraclasse, importando em simples cálculo aritmético. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. (Conflito de Competência Nº 70073047128, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em 20/03/2017)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE REVISÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CONTROVÉRSIA ENTRE JUIZADO ESPECIAL E VARA CÍVEL. AUSÊNCIA DE COMPLEXIDADE QUE ATRAIA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. APURAÇÃO DOS VALORES QUE PODERÁ SER REALIZADA NO MICROSSISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS POR SIMPLES CÁLCULOS ARITMÉTICOS. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ACOLHIDO. "Na Lei 9.099/95 não há dispositivo que permita inferir que a complexidade da causa - e, por conseguinte, a competência do Juizado Especial Cível - esteja relacionada à necessidade ou não de realização de perícia" (STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 30.170/SC, rela. Mina. Nancy Andrigui, Terceira Turma, j. 5-10-2010) (TJSC, Conflito de competência n. 1001318-02.2016.8.24.0000, de Concórdia, rel. Des. Luiz Felipe Siegert Schuch, j. 15-8-2016). (TJSC, Conflito de competência n. 0035219-75.2016.8.24.0000, de Concórdia, rel. Des. Carlos Roberto da Silva, j. 30-01-2017). (grifou-se)

Superadas essas questões, passa-se ao mérito da causa.

DO MÉRITO

Cinge-se o objeto litigioso à análise do direito do Autor à correção da base de cálculo do adicional noturno e fator de divisão para o cálculo da hora normal.

Como é cediço, o ordenamento jurídico pátrio estabelece que a Administração Pública encontra-se afeta, entre outros, ao princípio da legalidade, que representa a obrigação da Administração de agir de acordo com os ditames legais, com previsão nos arts. 37 da Constituição Federal, a saber:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos...

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