Capital - 1ª vara do sistema dos juizados especiais da fazenda pública

Data de publicação28 Janeiro 2022
Número da edição3028
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
INTIMAÇÃO

8059007-65.2020.8.05.0001 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Cintia Ribeiro De Brito
Advogado: Arthur Andrade Francisco (OAB:MS16303)
Reu: Municipio De Salvador

Intimação:

8059007-65.2020.8.05.0001

AUTOR: CINTIA RIBEIRO DE BRITO

REU: MUNICIPIO DE SALVADOR


SENTENÇA



Vistos.

Trata-se de AÇÃO JUDICIAL – "INCENTIVO FINANCEIRO ADICIONAL - DÉCIMO QUARTO SALÁRIO" em que figuram as partes acima nominadas e devidamente qualificadas nos autos.

Em síntese, a parte autora, ocupante do cargo de agente comunitário de saúde/endemias do Município de Salvador, busca a tutela jurisdicional para que seja reconhecido o seu direito ao recebimento da parcela denominada “incentivo financeiro adicional”, prevista nas Portarias Federais n. 674/GM/2003, 648/GM/2006, 650/GM/2006 e 2.488/GM/2011.

Sucessivamente, pede a condenação do Município de Salvador ao pagamento retroativo da referida verba, respeitada a prescrição quinquenal.

Citado, o Réu apresentou a contestação.

Audiência de conciliação apenas com a presença da parte autora.

Voltaram os autos conclusos.

É o breve relatório. Decido.

DAS PRELIMINARES

Inicialmente, o Réu o alegou ilegitimidade ativa, bem como a inépcia da petição inicial, tendo em vista a iliquidez do pedido, bem como a ausência de documento essencial à propositura da ação, qual seja, a planilha de cálculos.

Como é sabido, a legitimação para agir consiste no requisito de admissibilidade processual que objetiva demonstrar a presença de uma ligação subjetiva entre as partes do processo e a relação jurídica apresentada em juízo, o que foi devidamente comprovado nos autos.

Deste modo, a alegação de que o cargo de Agente de Combate às Endemias não está contemplado pelos atos normativos que alicerçam a causa de pedir é matéria própria do mérito da causa, motivo pelo qual não há falar-se em ilegitimidade ativa da parte autora.

Quanto à alegação de invalidade da petição inicial por inépcia e ausência de documento indispensável à propositura da ação, também não assiste razão ao Réu.

Como se sabe, a inépcia consiste em vício da petição inicial que impossibilita o julgamento do mérito, tendo em vista grave defeito atrelado à causa de pedir ou ao pedido da demanda. Neste sentido, convém destacar a lição de Fredie Didier Jr.:

A inépcia (ou inaptidão) da petição inicial gira em torno de defeitos vinculados à causa de pedir e ao pedido; são defeitos que não apenas dificultam, mas impedem o julgamento do mérito da causa.

Conforme visto, a petição inicial é o veículo da demanda, que se compõe do pedido, da causa de pedir (elementos objetivos) e dos sujeitos (elemento subjetivo). A inépcia diz respeito a vícios na identificação/formulação dos elementos objetivos da demanda1.

Neste passo, é sabido que a cognição judicial é exercida mediante dois juízos, quais sejam: i) juízo de admissibilidade, o qual consiste em etapa onde o órgão jurisdicional, além de averiguar se o procedimento preenche os requisitos de validade, analisa se dos termos da postulação é possível apreciar o objeto litigioso, fase que não culmina no acolhimento ou não da demanda; ii) juízo sobre o mérito, momento em que o órgão judicante examina se o jurisdicionado faz jus ou não à providência pretendida.

Com efeito, o art. 38, parágrafo único, da Lei n º 9.099/1995 estabelece que a inadmissibilidade da sentença condenatória ilíquida, ainda que genérico o pedido, no microssistema dos Juizados Especiais:

Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.

Parágrafo único. Não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda que genérico o pedido.

Contudo, não se considera ilíquida a decisão que apresenta os parâmetros de liquidação, como preconiza o Enunciado nº 32 do FONAJEF: “A decisão que contenha os parâmetros de liquidação atende ao disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 9099/95”.

No caso em comento, portanto, não há falar-se em inépcia da petição inicial, porquanto a eventual ausência da planilha de cálculo e determinação do valor do pedido não levaria à iliquidez da hipotética sentença condenatória, tampouco representa óbice à análise do mérito da demanda.

Ademais, observa-se que a parte autora juntou, posteriormente, a planilha de cálculos e o réu teve a oportunidade de se manifestar a respeito.

Superadas essas questões, passa-se ao mérito da causa.

DO MÉRITO

Como se sabe, a Constituição Federal, mediante o art. 198, §5º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 51/2006, determinou que lei federal trataria do regime jurídico e da regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

[...]

§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.

[…]

Com efeito, a fim de regulamentar o disposto no referido texto constitucional, foi editada a Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006, a qual estabeleceu, em seu art. 8º, que os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias estão submetidos, em regra, ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, sendo facultada a possibilidade de adoção de regime jurídico distinto pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de lei local.

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4o do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.

No âmbito municipal, com espeque no art. 30, inciso I, da Constituição Federal, bem como no referido art. 8º da Lei nº 11.350/2006, o Município de Salvador, por meio da Lei Municipal nº 7.955/2011, alterou o regime jurídico dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias do celetista para o estatutário.

Em razão disso, esses agentes passaram a integrar o Plano de Cargos e Vencimentos dos Profissionais de Saúde da Prefeitura Municipal do Salvador, previsto na Lei Municipal nº 7.867/2010, na forma do seu art. 3º da Lei Municipal nº 7.955/2011:

Art. 3º Os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias passam a integrar, no que couber, o Plano de Cargos e Vencimentos dos Profissionais de Saúde da Prefeitura Municipal do Salvador, instituído pela Lei nº 7.867, de 12 de julho de 2010.

Assim, a partir dessa conversão de regime jurídico, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias do Município de Salvador passaram a se submeter à disciplina normativa do regime jurídico estatutário municipal, e não mais àquela disposta na Lei nº 11.350/2006 e às demais diretrizes federais.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 63/2010 modificou a redação do citado art. 198, §5º, Constituição Federal, o qual passou a estabelecer que lei federal versaria não apenas sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, mas também acerca do piso salarial profissional nacional e as diretrizes para os Planos de Carreira destes.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

[...]

§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial.

[…]

Nesta senda, a Lei nº 12.994/2014 acresceu à Lei nº 11.350/2006 o piso salarial profissional nacional dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, bem como estabeleceu algumas diretrizes acerca dos incentivos financeiros à categoria.

Neste contexto, faz-se necessário lembrar que o processo de interpretação e aplicação do direito consiste em fenômeno complexo. Vale dizer, a interpretação isolada de determinado enunciado normativo pode implicar na sua contradição com todo o sistema, sendo tal hipótese capaz de culminar na restrição ou extrapolação da finalidade da norma.

Destarte, para não incorrer em tais situações, afigura-se imprescindível a análise sistemática do texto normativo, porquanto essencial para fins de caracterização da unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico.

A corroborar o exposto acima, insta transcrever as lições Luís Roberto Barroso:

[…] O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente. Sistema pressupõe ordem e unidade. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo a conexões internas que enlaçam as instituições e as normas...

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