Capital - 10ª vara de relações de consumo

Data de publicação11 Julho 2022
Número da edição3133
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
10ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8089592-37.2019.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Joice Cleide Dos Anjos Alves
Advogado: Afraedille De Carvalho Ribeiro (OAB:BA38618)
Reu: Banco Bradescard S.a.
Advogado: Perpetua Leal Ivo Valadao (OAB:BA10872)

Sentença:


Vistos etc...

JOICE CLEIDE DOS ANJOS ALVES, qualificada nos autos, ajuizou a presente ação declaratória c/c indenizatória contra Bradescard, também qualificada, para a declaração de inexistência de débito e pagamento de indenização por danos morais face à negativação indevida de nome em órgão restritivo de crédito.

Aduz que descobriu que estava negativado pela demandada e informa nunca ter contraído dívidas com ele. Alega que foi abordada por um representante da ré, ofertando-lhe a possibilidade de aquisição de cartão de crédito, o que foi aceito pela autora, que foi obrigada a fornecer tirar uma fotografia, fornecer cópias dos seus documentos e assinar vários papéis. Afirma que foi nunca efetuou compras com o cartão. Informa o desconhecimento das dívidas. Requer em sede de tutela antecipada a exclusão do seu nome dos órgãos restritivos de crédito, e no mérito, a declaração de inexistência da relação jurídica e indenização por danos morais. Acostou documentos.

Decisão de ID 42820300, reservando a apreciação do pedido de tutela antecipada para momento posterior ao contraditório, concedendo a gratuidade judiciária à autora, invertendo o ônus da prova e determinado a citação do demandado.

O demandado apresentou contestação em ID 45229145, alegando ausência de interesse de agir. No mérito, sustentando que a autora adquiriu cartão de crédito administrado pela ré, C&A Private Label Brasil, nº 1001.xxxx.xxxx.0189, emitido em 15/10/2015, com utilização do mesmo. Afirma a existência de pagamento e a semelhança de assinaturas. Alega que existem débitos pendentes, que geraram a negativação. Aduz a ausência de responsabilidade, legalidade do contrato, impossibilidade de indenização por danos morais. Requer a improcedência da demanda. Acostou documentos.

Réplica de ID 52993776, afastando os argumentos da peça de defesa e reiterando os termos da inicial. Despacho de ID 53532835, intimando as partes para especificar as provas a produzir, tendo a parte autora requerido o julgamento antecipado da lide (ID 55479103), enquanto a parte ré solicitou audiência de conciliação (ID 71874766). Em assentada registrada em termo de ID 115622722, restou infrutífera a conciliação entre as partes.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Trata-se o presente feito de uma ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais e pedido de tutela provisória de urgência, face a ocorrência de negativação de nome da parte autora perante cadastros de proteção ao crédito, pleiteando a parte autora a declaração de inexistência da dívida e indenização por danos morais. Passo ao julgamento antecipado da lide, por entender que, sendo a matéria de direito e de fato, as partes não demonstraram interesse na produção de outras provas.

No que se refere à preliminar de falta de interesse de agir, temos que o fato de não ter sido demonstrada a tentativa de solucionar o problema pelas vias administrativas não retira do autor o seu interesse pelo provimento judicial de mérito, mormente considerando a existência de pedido de indenização pro danos morais, razão pela qual, afasto a preliminar.

No mérito, tem-se que configurada relação de consumo entre os litigantes, vislumbrando a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das suas alegações e existentes os requisitos previstos na legislação específica, foi invertido o ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII da Lei 8.078/90.

O Código de Defesa do Consumidor, reunindo normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, traçou, em seu art. 4º, as diretrizes na Política Nacional de Relações de Consumo que objetivam atender às necessidades dos consumidores, com respeito à sua dignidade, saúde e segurança, promovendo transparência e harmonia das relações de consumo, observado, entre outros, os princípios da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade do consumidor.

Considerando que a parte autora alega a inexistência de débito com a ré, gerador de inscrição em cadastro restritivo de crédito, consistindo, portanto, em fato negativo, incumbe não à autora, mas ao próprio réu a demonstração da existência do negócio jurídico e a exigibilidade da dívida que teria originado a inscrição do nome do autor nos órgãos de restrição ao crédito, como têm decidido nossos Tribunais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CANCELAMENTO DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO PROVIDO. O deferimento da inversão do ônus da prova significa que a distribuição do dever de produzir provas em juízo, estabelecida, para a generalidade dos casos, pelo art. 333, do CPC, será invertida, por força da aplicação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90, cabendo ao fornecedor ou produtor provar o desacerto das afirmações do consumidor, em favor do qual seria estabelecida, então, uma espécie de presunção de veracidade. Nas ações declaratórias negativas, como é o caso dos autos, não recai sobre o agravado/autor o ônus de provar a inexistência de relação jurídica entre ele e o banco réu/agravante: seria impossível ao agravado demonstrar que não celebrou o contrato para a abertura de conta-corrente, eis que se trata de prova de fato negativo, cuja impossibilidade de realização faz com que seja comumente chamada de "prova diabólica". Assim, o ônus da prova já é da parte requerida, não havendo se falar em inversão. (Agravo de Instrumento nº 1.0223.08.246489-0/001(1), 17ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Eduardo Mariné da Cunha. j. 04.12.2008, unânime, Publ. 28.01.2009) (grifamos).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - PRELIMINAR - NULIDADE DA SENTENÇA - ULTRA PETITA - AFASTADA - CARÁTER DÚPLICE DA DEMANDA - REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA - AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO ECONÔMICA - IMPOSSIBILIDADE - MÉRITO - ÔNUS DA PROVA - CREDOR - TEORIA DA CARGA DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA - PROVA DIABÓLICA - FATO NEGATIVO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO - MERAS TELAS UNILATERIAS - INVALIDADE DA INSCRIÇÃO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ REVOGADA. - (...) - Em se tratando de ação declaratória de inexistência de débito, a jurisprudência pátria tem se manifestado no sentido de que o ônus da prova da existência da relação contratual que deu origem à inscrição é do credor - Isso porque não se pode exigir do devedor a comprovação de que não possui a dívida impugnada perante o credor, tendo em vista que se trata de demonstração de fato negativo, configurando-se a denominada prova diabólica - Nestes casos, aplica-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, em que o onus probandi é distribuído para quem puder suportá-lo, tendo como fundamento o princípio da igualdade, invertendo-se, desta forma, a teoria estática anteriormente adotada pelo revogado Código Processo Civil. (TJ-MG - AC: 10707140094806001 MG, Relator: Maurício Pinto Ferreira (JD Convocado), Data de Julgamento: 19/03/2019, Data de Publicação: 29/03/2019) (grifamos).

No caso em questão, temos que a acionada desincumbiu-se do ônus de demonstrar a existência da alegada relação jurídica originária com a parte autora, apresentando o contrato entabulado entre as partes e termo de retirada do cartão, ambos devidamente assinado por ela (ID 45229186 e 45229227), além de extratos do cartão de crédito, onde consta a utilização do mesmo para reazliação de diversas compras e anotação de pagamentos (ID 45229508), restando suficientemente comprovada a relação jurídica havida entre as partes.

Some-se a isso que, frente aos argumentos e documentos da contestação, a parte autora limitou-se a requerer a procedência da ação, em razão do desconhecimento do débito em questão, o que foi devidamente demonstrado pela parte ré, impugnando de forma genérica a documentação apresentada, não refutando a alegação de contratação de crédito.

Assim, comprovada a existência da relação jurídica e a exigibilidade do débito, e não tendo a parte autora vindo a juízo demonstrar o pagamento dos valores negativados, restou demonstrada a licitude da conduta do demandado, quando da negativação do nome da parte autora, posto ter praticado exercício regular de direito em razão da inadimplência, não havendo que se falar em qualquer conduta ilícita, ausente a responsabilidade civil. Afasta-se, desta forma, toda e qualquer alegação de danos morais, conforme entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE ABERTURA DE CONTA SALÁRIO. INSCRIÇÃO NA SERASA. ACERVO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA CORRENTE, COM LIMITE DE CHEQUE ESPECIAL, ESTE UTILIZADO PELA AUTORA E ENSEJADOR DE SUA INSCRIÇÃO NO CADASTRO NEGATIVO. INADIMPLEMENTO COMPROVADO. NEGATIVAÇÃO LEGÍTIMA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. ABALO MORAL INEXISTENTE. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO IMPROVIDO. Configura exercício regular de um direito a inscrição do nome...

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