Capital - 10ª vara de relações de consumo

Data de publicação27 Abril 2022
Gazette Issue3084
SectionCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
10ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8083784-17.2020.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Fernando Luis Sales De Freitas
Advogado: Benedito Santana Viana (OAB:BA39314)
Advogado: Alexandre Ventim Lemos (OAB:BA30225)
Reu: Aymore Credito, Financiamento E Investimento S.a.
Advogado: Janaine Longhi Castaldello (OAB:RS83261)
Advogado: Antonio Carlos Dantas Goes Monteiro (OAB:BA13325)

Sentença:

Vistos, etc...

Fernando Luiz Sales Freitas, qualificado nos autos, ajuizou a presente ação de revisão de contrato com pedido de antecipação de tutela contra Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S/A, também qualificado, para revisão do contrato de financiamento de veículo.

Asseverou ter firmado contrato de financiamento de veículo, afirmando ter pago 13 parcelas. Questionou a taxa de juros, a incidência do seguro, do registro do financiamento, da tarifa de cadastro e de avaliação do bem, requerendo a revisão do contrato, com a declaração de abusividade das citas cláusulas, restituição em dobro, bem como indenização por danos morais. Acostou procuração e documentos.

Determinada a emenda à inicial (ID 706992282), ato cumprido em ID 71131538. Em decisão de ID 74999981, foi deferida a gratuidade de justiça, reservada a apreciação do pleito de antecipação de tutela para momento posterior ao contraditório, determinando a citação e a inversão do ônus da prova.

Contestação em ID 82085482, impugnando a gratuidade de justiça. No mérito, afirma a impossibilidade de aplicação da teoria revisionista, a legalidade da taxa de juros, da capitalização de juros, a validade das cláusulas e tarifas contratadas, bem como a inexistência de danos morais. Requer a improcedência do pedido, carreando documentos.

Audiência de conciliação infrutífera (ID 82849661). Réplica no ID 85586867, afastando os argumentos da contestação e reiterando os pedidos da inicial. Intimadas a informarem interesse em produzir provas (ID 89547262), o demandante requereu realização de perícia contábil (ID 92132162), sem manifestação da parte ré (ID 95998727).

É O RELATÓRIO. DECIDO.

Trata-se o presente feito de uma ação revisional de contrato de linhas de créditos, com o fito de modificação de cláusulas e taxas reputadas abusivas pela parte autora. Passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, CPC, por entender que a questão de mérito é exclusivamente de direito, não havendo necessidade de produção de provas, pelo que indefiro o pedido de perícia contábil, formulado pelo autor.

Inicialmente, afasto a impugnação à gratuidade judiciária outrora deferida, tendo em vista que o demandado não apresentou prova da capacidade contributiva da parte autora, de modo a afastar a presunção legal.

No mérito, cumpre esclarecer que trata-se de relação consumerista abarcada pelo art. 3°, § 2°, do CDC, sendo uníssona a jurisprudência a respeito, veja-se: “Os bancos, como prestadores de serviços, especialmente contemplados no art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor.” (STJ, AGA 152497/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 28/05/2001).

Desta feita, tratando-se de relação consumerista existente entre autor e demandado, vislumbrando a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das suas alegações e existentes os requisitos previstos na legislação específica, foi invertido o ônus da prova, nos termos do art. 6°, VIII da Lei 8.078/90.

Outrossim, tem-se que o negócio jurídico celebrado entre as partes apresenta natureza jurídica de contrato de adesão. Conforme entendimento da doutrina: “praticamente todos os contratos celebrados no mercado de consumo são de adesão, vale dizer, elaborados unilateralmente pelo fornecedor. Tal técnica de contratação, embora inerente à sociedade industrial e massificada, reduz, praticamente elimina, a vontade real do consumidor. A maior velocidade na contratação e venda de produtos e serviços, bem como a previsibilidade do custo empresarial são os principais motivos para a intensa utilização dos contratos de adesão” (Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamim e Leonardo Roscoe Bessa, in Manual de Direito do Consumidor, 2ª Edição, RT, SP, 2009, p. 287).

O ordenamento jurídico pátrio prevê a possibilidade de revisões contratuais, o que tem sido constante, especialmente em contratos adesivos, afastando abusividades encontradas nas relações firmadas na sociedade, diante do caráter público e de interesse social das normas de proteção ao consumidor, estabelecido no art. 1º, CDC, e da relativização do princípio do pacta sunt servanda.

No caso em tela, assevera o autor que no contrato firmado há presença de cláusulas abusivas e requer sejam revisadas para limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado, afastar as tarifas de cadastro, de avaliação do bem, de registro de contrato e do seguro, requerendo devolução dos valores em dobro, bem como indenização por danos morais. Vejamos.

Note-se que o demandado foi intimado desde o início do feito (ID 74999981), da inversão do ônus da prova e da necessidade de apresentação de cópia do contrato mencionado na inicial, não o fazendo até o presente momento, devendo arcar com o ônus processual de tal conduta.

DOS JUROS REMUNERATÓRIOS

A questão da limitação dos juros remuneratórios ao limite de 12% ao ano já foi objeto de análise pelo STJ, em sede de recurso repetitivo (Resp nº1061530 RS), entendendo que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), na linha da Súmula 596 – STF: “As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”. Vejamos entendimento jurisprudencial:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO (…). 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (…). (STJ - REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 22/10/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/03/2009) (grifamos).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO, EMPRÉSTIMO E CARTÃO DE CRÉDITO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME DE FATOS. JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO. FUNDAMENTOS EM PARTE NÃO IMPUGNADOS. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CPC/2015. SÚMULAS 7 E 182/STJ. 1. (…). 4. Nos contratos bancários não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, não se podendo aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado. 5. Nos termos do art. 1021, § 1º, do Código de Processo Civil/2015 e da Súmula 182/STJ, é inviável o agravo interno que deixa de atacar especificamente todos os fundamentos da decisão agravada. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 343616 RJ 2013/0160318-0, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 01/06/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2020) (grifamos).

Assim, não tendo sido apresentado o contrato entabulado entre as partes, e diante da ausência de data da contratação, mas considerando-se que a primeira parcela do financiamento venceu em 26/03/2019 (“Parcela 001/048” - ID 70666127), admite-se que o contrato fora celebrado no mês anterior, qual seja, fevereiro/2019. Deve ser aplicada, portanto, ao contrato objeto da lide, a taxa média de juros de financiamento de veículos (20749 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos), da época (fevereiro/2019), correspondente a 22,01% ao ano, de acordo com a tabela do Banco Central (bcb.gov.br).

DA TARIFA DE CADASTRO

A Tarifa de Cadastro encontra-se autorizada pelo Banco Central (Circular n.º 3.371/2007) e pelo Conselho Monetário, não havendo ilegalidade em sua cobrança, conforme...

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