Capital - 11� vara de rela��es de consumo

Data de publicação17 Outubro 2023
Número da edição3434
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
11ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8094161-42.2023.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Manoel Oliveira Souza
Advogado: Rui Licinio De Castro Paixao Filho (OAB:BA16696)
Reu: Banco Bmg Sa
Advogado: Fernanda Rafaella Oliveira De Carvalho (OAB:PE32766)

Sentença:

Vistos.

MANOEL OLIVEIRA SOUZA ajuizou a presente ação contra BANCO BMG, conforme fatos e fundamentos expostos na inicial.

A autora declara que é aposentada junto ao INSS e veio a realizar empréstimo consignado junto a parte Ré em 2017. Aduz que não foi informada sobre os aspectos do empréstimo, como a quantidade de parcelas, a taxa de juros, a data da última parcela, bem como o valor total do “empréstimo consignado”.

Alega que, ao observar no extrato de empréstimos consignados emitido pelo INSS, tempos depois, observou que estava sendo descontada a Reserva de Margem Consignável (RMC), o que não tinha sido combinado com a parte Ré. Após esta descoberta, entrou em contato com a Ré, quando foi informada que não foi feito um empréstimo consignado convencional; e, sim, na modalidade de empréstimo de cartão de crédito.

Aduz que desde a realização do empréstimo contratado, já foram descontadas algumas parcelas.

Posto isto, requereu liminarmente a suspensão imediata das cobranças oriundas do contrato de empréstimo RMC. A procedência do pedido para declarar a inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC e a condenação da ré ao pagamento em dobro dos descontos que foram realizados indevidamente sobre o RMC, e a condenação da ré ao pagamento de danos morais.

Gratuidade deferida, Id n° 395072576.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação, Id 407535943. Preliminarmente, aduziu a inépcia da petição inicial, a prescrição e a decadência. No mérito declarou que a parte autora celebrou cartão de crédito, vindo a concordar com todos os termos.

A parte autora manifestou-se em sede de réplica, Id. n° 413999662. Afastou as preliminares arguidas na contestação, e declara que a alegação trazida pela parte Ré de que a autora utilizou o cartão de crédito não altera a causa de pedir da ação.



É O BREVE RELATÓRIO. DECIDO.

Examinado os autos, verifico que o presente feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, em face da suficiência dos elementos probatórios já existentes.

Passo à análise das preliminares arguidas na defesa.

Pretende a demandada a extinção do feito sem julgamento do mérito em razão da inépcia da inicial, alegando a ausência de documentos essenciais à propositura da ação.

Ocorre que a petição inicial apresenta todos os requisitos legais exigidos pelo art. 319, CPC/2015, e da sua simples leitura constata-se a narração dos fatos, causa de pedir e pedido, e os documentos juntados são suficientes, possibilitando e garantindo a ampla defesa da demandada. Dessa forma, não se constata ofensa às regras dos dispositivos invocados. Não havendo inépcia, afasto esta preliminar.

A preliminar de ausência de interesse de agir não deve prosperar. Como é sobejamente sabido, para que se configure o interesse de agir por parte do autor, faz-se necessária a presença do binômio necessidade-adequação, vale dizer, é preciso que a prestação jurisdicional buscada seja necessária à satisfação do direito pleiteado, bem como que a via escolhida seja igualmente adequada para tanto.

A imposição da utilização da via administrativa como condição para a prestação jurisdicional configura ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, conforme segue:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

No caso concreto, mostrou-se inegável a necessidade da parte autora em comparecer às portas do Judiciário, a fim de obter a medida adequada para compelir a empresa acionada a reparar o alegado ato ilícito descrito na inicial, sendo que a análise sobre a existência ou não de tal ilicitude deve ser relegada para a avaliação meritória.

Rejeito a preliminar de prescrição e decadência, porquanto o contrato refere-se à prestação de trato sucessivo; assim como, o vício do contrato, relativo aos juros remuneratórios, não é de fácil constatação.



ULTRAPASSADAS AS PRELIMINARES, PROSSIGO COM A APRECIAÇÃO DO MÉRITO.

O Código de Defesa do Consumidor foi promulgado com o objetivo precípuo de garantir o equilíbrio de direitos e deveres entre o consumidor e o fornecedor nas relações de consumo, pautado nos princípios da boa-fé e lealdade, consagrando como direito básico do consumidor, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III).

Entretanto, ainda que a lide envolva uma relação de consumo, que privilegia o consumidor através da inversão do ônus da prova, este não está dispensado de produzir mínima prova a amparar sua alegação, sob pena de afastar a verossimilhança do seu relato ou ainda não deixar clara a sua dificuldade técnica ou econômica de comprovar o alegado.

Compulsando os autos, verifico que o autor não nega a contratação de empréstimo e recebimento de valores. Aduz, apenas, que houve violação ao dever de informação, haja vista que imaginou ter celebrado contrato de empréstimo consignado tradicional a ser descontado em folha de pagamento, quando, na verdade, a ré lhe impôs, sem seu conhecimento, contrato de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável, com incidência de encargos rotativos abusivos e indevidos nas parcelas de empréstimo.

A requerida trouxe cópia do contrato no Id. n° 399113037 a 399113045, assinado pela parte autora, onde consta, de forma expressa e clara, os termos do contrato de adesão a cartão de crédito consignado e autorização para reserva da margem consignável no pagamento mínimo.

Destaco os seguintes trechos:

O título do contrato é “TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA”. Consta no contrato “valor consignado para pagamento do valor mínimo consignado na fatura”, com os encargos de juros aplicados. Consta ainda que “o aderente/titular está ciente que o referido valor será automaticamente majorado na mesma proporção de eventuais e futuros aumentos em sua margem consignável”. Ainda: “Estou ciente de que a ausência do pagamento integral do valor da fatura na data estipulada para o seu vencimento (pagamento igual ou superior ao valor mínimo e inferior ao valor da fatura, incluindo o valor do saque contratado) representa, de forma automática, a minha opção em financiar o referido saldo devedor remanescente”.

Verifico ainda fatura com histórico de movimentação, com um saque efetuado pelo autor, no ano de 2017.

O desconto de forma consignada para pagamento de débitos decorrentes de cartão de crédito é permitido, conforme previsão da lei nº 10.820/03. Existindo valores em aberto, lícito, portanto, mediante anuência do consumidor, a utilização de 5% do valor disponível de seus rendimentos.

No caso em tela os descontos ocorreram desde 2017, sem qualquer prova de reclamação administrativa pelo autor.

É de crucial importância destacar que o contrato é o acordo de vontades de duas partes, cujo objeto é uma relação jurídica patrimonial com o fim de constituir, regular ou extinguir essa relação. Para a formalização do contrato é necessário o encontro da vontade das partes, o chamado consenso. Assim, a autonomia da vontade é elemento vital na formação dos negócios jurídicos.

O autor é maior e não fora comprovada a existência de sentença judicial que lhe declare a perda da capacidade para a prática dos atos da vida civil. Desse modo, presume-se a sua capacidade nos termos do art. e , ambos do Código Civil.

Sem a prova inquestionável da incapacidade no momento da realização do negócio inquinado de nulo, não há que se falar em anulação do ato jurídico. Assim, não há que se falar em invalidade dos negócios jurídicos celebrados com o Banco, pois, além de ter o autor se beneficiado com o empréstimo, não há evidência de incapacidade.

Nesse sentido:

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EFETIVADO ATRAVÉS DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO INSS. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO. CONTRATAÇÃO COMPROVADA. ÔNUS PROBATÓRIO DA RÉ DEMONSTRADO. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. A autora nega, na inicial, a contratação do “cartão de crédito consignado” e, por consequência, o empréstimo. Todavia, a contestação foi instruída com cópia do instrumento contratual, devidamente assinado, no qual, inclusive, há menção expressa à contratação do cartão de crédito. 2. Da análise do conjunto probatório produzido nos autos, denota-se que inexiste indício mínimo do vício de vontade na formação do contrato. O fato de a demandante ser pessoa portadora de problemas cardíacos, não implica necessariamente a nulidade do contrato. Alegação de ser a autora analfabeta que, além de não ter sido comprovada, foi trazida somente em sede recursal. 3. Assim, a improcedência da ação é medida que se impõe. Sentença mantida, por seus fundamentos, a teor do disposto no art. 46 da Lei 9.099/95. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, Nº 71009026709, Segunda Turma Recursal...

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