Capital - 14ª vara de relações de consumo

Data de publicação25 Fevereiro 2022
Número da edição3048
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
14ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8061754-85.2020.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Maria De Fatima Bitencourt Lima
Advogado: Thales Borges Da Silva (OAB:BA60399)
Reu: Seeb - Sociedade De Estudos Empresariais Avancados Da Bahia Ltda
Reu: Caelis Educacional Ltda - Epp

Sentença:

MARIA DE FATIMA BITENCOURT LIMA propôs a presente “AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS C.C. PEDIDO DE DANO MORAL E DE TUTELA DE URGÊNCIA” contra SEEB - SOCIEDADE DE ESTUDOS EMPRESARIAIS AVANCADOS DA BAHIA LTDA - FACULDADE SÃO SALVADOR e CAELIS EDUCACIONAL LTDA, ambos qualificados nos autos.

Narra a exordial, emendada por meio da peça de ID 66128913, que as partes celebraram contrato de prestação de serviços educacionais para o curso de fisioterapia, iniciando-se a graduação em julho/2016. Diz a Autora ter obtido bolsa de estudos e financiamento estudantil, devendo arcar apenas com parte da mensalidade.

Afirma que em, 06.01.2020, efetuou matrícula para o 8º semestre do curso, sendo acordado que pagaria mensalmente R$ 481,00 (quatrocentos e oitenta e um reais) e as aulas iniciariam em 17.02.2020. No entanto, devido ao período festivo do carnaval, a retomada das aulas foi adiada 02.03.2020 e, posteriormente, houve novo adiamento para o dia 10.03.2020.

Assevera que, antes do efetivo início do semestre, recebeu notificação de que, por causa da pandemia do COVID-19, as aulas começariam apenas no dia 02.04.2020, contudo, até o ajuizamento da presente ação, nenhuma aula foi ministrada.

Aduz que parte ré não cumpriu a oferta em relação à data prometida para o início das aulas do curso ao prorrogar repetidamente o seu início até surgir a pandemia.

Argumenta que outras instituições de ensino prestaram o serviço por meio de plataformas digitais ou buscaram outras soluções para a manutenção dos cursos, contudo, a instituição Ré nenhuma solução implementou. Alega que, em face da insegurança existente em relação à prestação do serviço, solicitou a rescisão do contrato celebrado em janeiro/2020 com reembolso total do montante despendido com a matrícula e mensalidades, mas a parte ré nega-se a restituir qualquer valor.

Alega ter sofrido danos morais e materiais em decorrência.

Requer a condenação dos Réus, inclusive a título de tutela de urgência, a não inscrever seu nome nos cadastros restritivos de crédito e não proceder a qualquer protesto, bem como sua condenação a emitir o Histórico Acadêmico e documentação para transferência para outra instituição de ensino.

Ao final, requer a declaração de rescisão do contrato de prestação de serviços educacionais; condenação dos Réus à devolução integral dos valores pagos no total de R$4.081,00 (quatro mil e oitenta e um reais); e pagamento de indenização por danos morais em quantia não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Deixou de ser realizada audiência de conciliação presencial na forma prevista no artigo 334 do CPC em decorrência da pandemia do COVID-19, porém facultou-se às partes requererem a designação por meio virtual no âmbito próprio, conforme respectivos atos normativos.

Regularmente citados (IDs 175207674 e 149735939), os Réus deixaram de oferecer contestação no prazo legal.

Retornaram os autos conclusos.

Relatados, decido.

O feito reclama o julgamento antecipado, na forma do art. 355, II do CPC.

A ausência de contestação importa em revelia e confissão quanto à matéria de fato, que se presume verdadeira como alegada, consoante art. 344 do CPC.

Na presente hipótese, pretende a Autora a rescisão do contrato de prestação de serviços educacionais não iniciados na data acordada e indefinidamente postergados pelo surgimento da pandemia de COVID-19; restituição dos valores desembolsados; e indenização por danos morais.

O pacto firmado entre as partes deve ser apreciado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, considerando sua natureza, consoante previsto no art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90.

A análise da controvérsia se fará tendo em vista os princípios contratuais clássicos (da autonomia da vontade e da força vinculante dos contratos contratuais), porém sob a perspectiva da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico e da função social do contrato (arts. 4°; 6°, V; 39, V e 51, IV do CDC) segundo especialmente o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, nos moldes da concepção moderna do contrato.

Sob tal ótica serão apreciados os pedidos formulados.

Afirma a parte autora que, em decorrência do descumprimento pelas Rés da obrigação de prestarem serviços educacionais, pretende a resilição do contrato com as consequências atinentes.

Por não haver contestação, presume-se a veracidade das declarações da Autora, a respeito da injustificada protelação do início dos serviços educacionais, problema esse prorrogado indefinidamente em face da pandemia.

Ressalte-se que, mesmo antes de se iniciar as restrições decorrentes da pandemia em curso, os Réus adiaram por 03 (três) três vezes o início das aulas, de modo que descumpriram as obrigações contratuais que lhe competiam sem a interferência da imprevisível alteração da realidade social imposta pelo COVID-19.

Ademais, no intuito de se conter a disseminação do Covid-19, houve autorização pelo MEC para que as aulas fossem ministradas por meios digitais seguindo o sistema de educação à distância -EAD, no entanto, os documentos carreados â vestibular apontam que os Réus não se adequaram às novas necessidades e as aulas não foram ministradas de forma à transmitir o conteúdo obrigatório.

Em face da revelia, há que se concluir que os Réus deram azo à rescisão do contrato, mostrando-se imperiosa a resilição por culpa dos Demandados:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA. ÔNUS DA PROVA. ART. 373 DO CPC. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DO AUTOR. RÉU. REVELIA . PRESUNÇÃO VERACIDADE. INÉRCIA. 1. Tendo o autor demonstrado os fatos constitutivos de seu direito, é ônus do réu comprovar fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor; caso contrário, reconhece-se a ocorrência dos fatos alegados e as consequências jurídicas dele resultantes. 2. A revelia do réu, que devidamente citado não responde as razões deduzidas pelo autor, amparada em acervo probatório indicativo da existência da relação jurídica, impõem a procedência do pedido. 3. Recurso conhecido e provido. (TJ-DF 07060223720188070000 DF 0706022 37.2018.8.07.0000, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento: 19.09.2018, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 02.10.2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Nesta toada, houve o inadimplemento contratual por culpa das Rés sem justo motivo.

Devida, em consequência, a restituição imediata à Autora da quantia paga, conforme pretendido, sem qualquer abatimento.

Registro que a Autora comprovou o pagamento da quantia total de R$ 2.748,84 (dois mil setecentos e quarenta e oito reais e oitenta e quatro centavos) referentes à matrícula e mensalidades pagas até maio/2020, essa quantia deve ser restituída.

Quanto aos danos morais alegados, constato que não se verificaram.

O mero descumprimento contratual, por si só, não implica na agressão da esfera de direitos da personalidade, impondo a comprovação específica de que causou danos de tal natureza.

Com efeito, somente configura-se dano moral indenizável se houver agressão tão intensa que configure dor e humilhação, sofrimento que fuga à normalidade das complexas relações interpessoais e dos fatos da vida cotidiana da sociedade.

Bem explana Yussef Said Cahali:

“Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social). (BITTAR, Carlos. In CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1998. p.20.)

Para a caracterização dos danos morais deve-se ter em conta o homem médio, e não aquele de sensibilidade exacerbada. Observando-se tal parâmetro constato que a situação verificada não é causadora de danos de tal natureza.


A situação em comento, ainda que desagradável e aborrecedora não ofende os direitos personalíssimos da parte autora e, portanto, não se equipara a dano moral.

Cabe lembrar que, não obstante haver revelia, a presunção de veracidade dos fatos narrados é relativa, inexistindo nos autos sequer indícios de danos morais decorrentes do simples descumprimento do contrato pelos Réus.

Transcrevo precedentes jurisprudenciais em situações análogas:

EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO. REVELIA QUE NÃO INDUZ, NECESSARIAMENTE, A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ AO PAGAMENTO DO VALOR RESTANTE. CONTRATO RESCINDIDO ANTES DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART. 46, LJE). RECURSO...

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