Capital - 14ª vara de relações de consumo

Data de publicação11 Abril 2022
Número da edição3076
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
14ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8078099-92.2021.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Joao Batista Francisco
Advogado: Ronaldo Aparecido Da Costa (OAB:SP398605)
Reu: Banco Do Brasil Sa
Advogado: Nelson Wilians Fratoni Rodrigues (OAB:BA24290-A)

Sentença:


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

Comarca de Salvador - 3º Cartório Integrado de Consumo

14ª VARA DE RELAÇÃO DE CONSUMO

Rua do Tingui, S/N, Campo da Pólvora, 3º andar, Nazaré, CEP 40040-380, Fone: 3320-6787, Salvador/BA, Email:vrg@tjba.jus.br






Processo nº : 8078099-92.2021.8.05.0001

Classe - Assunto : [Revisão do Saldo Devedor]

Requerente : AUTOR: JOAO BATISTA FRANCISCO

Requerido : REU: BANCO DO BRASIL SA





JOAO BATISTA FRANCISCO propôs a presente AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO contra BANCO DO BRASIL SA, ambos qualificados nos autos.

Narra a exordial que o Autor celebrou o contrato de refinanciamento de dívida de nº 911549194 com o réu, no valor de R$20.436,74 (vinte mil quatrocentos e trinta e seis reais e setenta e quatro centavos), posteriormente renovado pelo contrato de nº 939423206.

Diz que o contrato sustenta o emprego de práticas abusivas, consistentes na cobrança de juros acima do patamar legal.

Requer a revisão dos juros remuneratórios aplicados e anulação do contrato que refinanciou a dívida controvertida, assim como, inclusive a título de antecipação da tutela, a suspensão da cobrança das parcelas.

Reservou-se este Juízo a apreciar o requerimento de antecipação da tutela após a angularização da relação processual.

Deixou de ser designada audiência de conciliação presencial na forma prevista no artigo 334 do CPC em decorrência da pandemia do COVID-19, porém facultou-se às partes requererem a designação por meio virtual no âmbito próprio, conforme respectivos atos normativos.

Regularmente citado o Réu ofereceu contestação em ID 152746830, arguindo preliminar de ausência de interesse de agir.

No mérito, afirma a legitimidade dos encargos pactuados.

Ainda impugnou o requerimento da gratuidade da justiça formulado pela parte contrária.

Réplica em ID 155738502.

Relatados, decido.

O feito reclama o julgamento antecipado, na forma do art. 355, I do CPC.

Não assiste razão ao Réu quanto à preliminar de falta de interesse de agir, tendo em vista que a reclamação administrativa não é requisito da ação judicial.

Afasto esta preliminar.

Quanto ao mérito, o pacto firmado entre as partes deve ser apreciado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, consoante previsto no art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90, considerando se tratar a parte autora de destinatária final do serviço prestado pelo Réu fornecedor, nos termos, inclusive, da Súmula 287 do STJ.

A análise da controvérsia se fará tendo em vista os princípios contratuais clássicos (da autonomia da vontade e da força vinculante dos contratos contratuais), porém sob a perspectiva da boa-fé objetiva, do equilíbrio econômico e da função social do contrato (arts. 4°; 6°, V; 39, V e 51, IV do CDC) segundo especialmente o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, nos moldes da concepção moderna do contrato.

Sob tal ótica serão apreciados os pedidos formulados.

Diz a parte autora que o contrato firmado sustenta a exigência de encargos abusivos, pugnando pela revisão das cláusulas contratuais respectivas.

No que se refere à taxa de juros remuneratórios, pontuo que as instituições financeiras não sofrem a limitação prevista no Decreto 22.626/33, preponderando a legislação específica, consoante entendimento consagrado, inclusive, por meio da Súmula 596 do STF.

Apenas se admitindo a revisão do percentual de juros aplicados em situações excepcionais, mediante cabal demonstração de abusividade, decorrente de desvantagem exagerada do consumidor, na forma prevista no art. 51, do CDC.

A taxa de juros observada, então, não se encontra limitada à taxa média de mercado, pois consoante a própria denominação antecipa, cuida-se esta de eixo central entre dois pontos. Deve, no entanto, ser com esta compatível, não se afastando demasiadamente sem justificativa plausível.

Cabe ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao deliberar sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários, vem pacificando o entendimento de que haveria abusividade dos juros pactuados se a taxa estipulada for superior a uma vez e meia média praticada pelo mercado (Recurso Especial nº 1.061.530/RS).

Pertinente transcrever precedentes sobre a matéria:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO.(...) I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOSa) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto” (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).Ultimadas as considerações preliminares, tenho para mim que no caso dos autos resta cabalmente demonstrada a abusividade dos juros remuneratórios no caso dos autos.Isso porque, comparando-se a taxa contratada, de 4,28% ao mês (mov. 8.5), com a taxa média de mercado para operações de mesma espécie (série 25471 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos), na mesma data da pactuação em fevereiro de 2008, encontra-se a taxa média de 2,29 % ao mês. Desta forma, conclui-se que a taxa pactuada supera uma vez e meia (quase duas vezes) à taxa média de mercado, o que demonstra cabalmente a abusividade no caso específico dos autos, bem como nos termos do que vem decidindo a Corte Superior, confira-se:"(...) A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJde 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria,DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min.Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos.(...) CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA Portanto, no que diz respeito aos juros remuneratórios, a 2ª Seção do STJ consolida o entendimento de que: a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), como dispõe a Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano por si só não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do caso concreto". (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22.10.2008, DJe 10.03.2009)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA MÉDIA DO MERCADO. COBRANÇA ABUSIVA. LIMITAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ orienta que a circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, à conclusão de cobrança abusiva, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras. 2. Na hipótese, ante a ausência de comprovação cabal da cobrança abusiva, deve ser mantida a taxa de juros remuneratórios acordada. 3. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial. (AgInt no AREsp 1342968 / RS, rel. Min. Raul Araújo, j. 05.02.2019, DJe 14.02.2019).

Na hipótese presente, entretanto, o percentual estipulado, de 4,67% a.m., encontra-se no eixo da média de mercado, de 3,95% a.m., não havendo qualquer distorção excessiva e violadora das normas consumeristas a ser revisada.

Nada há a se reparar no contrato controvertido, não havendo justificativa, portanto, para a anulação do contrato que lhe substituiu.

Quanto à impugnação apresentada pelo Réu ao deferimento da gratuidade da justiça à Autora, merece ser repelida, porquanto não restou comprovada sua alegada...

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