Capital - 16ª vara de relações de consumo

Data de publicação21 Junho 2021
Número da edição2885
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
16ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
DECISÃO

8131822-60.2020.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Retirauto Veiculos E Pecas Ltda
Advogado: Breno Henrique Heine Novelli De Oliveira (OAB:0029833/BA)
Advogado: Helder Silva Dos Santos (OAB:0025820/BA)
Reu: Embasa - Empresa Bahiana De Agua E Saneamento S/a
Advogado: Elisangela De Queiroz Fernandes Brito (OAB:0015764/BA)
Advogado: Livia Moura Marques De Oliveira (OAB:0021785/BA)
Terceiro Interessado: Ibametro - Instituto Baiano De Metrologia E Qualidade

Decisão:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

Comarca de Salvador
16ª Vara de Relações de Consumo

Rua do Tingui, s/n, Campo da Pólvora, Fórum Prof. Orlando Gomes - 3º andar, Nazaré - CEP 40040-380, Fone: 33206980, Salvador-BA

E-mail: salvador16vrconsumo@tjba.jus.br



Processo nº: 8131822-60.2020.8.05.0001

Classe - Assunto: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) - [Fornecimento de Água]

AUTOR: RETIRAUTO VEICULOS E PECAS LTDA

REU: EMBASA - EMPRESA BAHIANA DE AGUA E SANEAMENTO S/A


DECISÃO


Vistos, etc.

O art. 2º, da Lei nº 8.078/90, define o consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

"O destinatário final é aquele consumidor que adquire ou utiliza o bem e/ou serviço sem profissionalidade, sem repassar o custo para o preço de sua atividade profissional (ou não) e sem usá-lo para integrar o processo de produção de sua atividade consumo intermédio." (Newton De Lucca. "Direito do Consumidor". 5ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 125).

Na definição de consumidor, a legislação consumerista adota a teoria finalista, qual seja, de que o produto adquirido ou o serviço contratado atenderá uma necessidade própria do comprador ou tomador e não se prestará ao desenvolvimento de quaisquer atividades negociais desses.

Acerca do tema, Cláudia Lima Marques ensina:

"Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, leva-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida 'destinação final' do produto ou serviço." (in "Contratos no Código de Defesa do Consumidor". 4 ed. São Paulo: RT, 2002, pp. 253-254).

Compulsando os autos verifico que a relação jurídica que envolve o contrato de prestação de serviços a que aludem os autos não se caracteriza como de consumo, uma vez que o serviço contratado, sem dúvida, se destina ao fomento da atividade empresarial da empresa Acionante.

Ressalto que de acordo com a Doutrina finalista mitigada, atenuantes excepcionais são admitidas quanto ao campo de aplicação do conceito de destinatário final, com a incidência da norma consumerista sempre que a pessoa jurídica apresentar uma vulnerabilidade capaz de provocar desequilíbrio na relação contratual.

Nesse sentido, mais uma vez, Cláudia Lima Marques esclarece:

"Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área de serviços; provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Assim, por exemplo, um automóvel pode servir para prestar os serviços da pequena empresa, comprado ou em leasing, mas também é o automóvel do consumidor." ("apud" GARCIA, Leonardo de Medeiros, "in" "Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência", 7ª ed., Ed. Impetus, 2011, p. 37).

Heloisa Carpena destaca que "o princípio da vulnerabilidade é o que ilumina o conceito de consumidor e assim define o âmbito de aplicação das normas do código." ("O consumidor no Direito da Concorrência". Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 182).

A construção jurisprudencial evoluiu para admitir, excepcionalmente, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor a determinadas pessoas qualificadas como consumidores intermediários, desde que verificada a sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.

Entretanto, no caso concreto, não se vislumbra vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica da Acionante.

Neste sentido, vem se manifestando o STJ:

"CONTRATO DE FACTORING. RECURSO ESPECIAL. CARACTERIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO DE FACTORING COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCABIMENTO. APLICAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À AVENÇA MERCANTIL, AO FUNDAMENTO DE SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INVIABILIDADE. (...) 'A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das Obrigações'. (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.8.2010). Com efeito, no caso em julgamento, verifica-se que a ora recorrida não é destinatária final, tampouco se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresária que, por meio da pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém capital de giro para operação de sua atividade empresarial, não havendo, no caso, relação de consumo. Recurso especial não provido. (STJ - REsp 938.979/DF - Rel. Min. Luis Felipe Salomão - DJe de 29.06.2012).

Processo AgInt nos EDcl no AREsp 615888 / SP AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0293505-0 Relator(a) Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA (1146) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 14/09/2020 Data da Publicação/Fonte DJe 22/09/2020 Ementa PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INFORMATIZADOS PELA INSTITUIÇÃO AGRAVADA. EMISSÃO DE BOLETOS PARA PAGAMENTO DE MENSALIDADES ESCOLARES DOS ALUNOS DOS INSTITUTOS AGRAVANTES. SEGUNDO AGRAVO INTERNO. NÃO CONHECIMENTO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. INOVAÇÃO RECURSAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SOLUÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES PERTINENTES AO LITÍGIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA NOVO EXAME DO RECURSO DE APELAÇÃO. DEMAIS TÓPICOS DO RECURSO ESPECIAL PREJUDICADOS. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL. OBSERVÂNCIA DE TODOS OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. TEORIA FINALISTA MITIGADA. AUSÊNCIA DE QUALQUER TIPO DE VULNERABILIDADE. VALORAÇÃO DAS PROVAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N.7 DO STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. 1. Diante da ocorrência de preclusão consumativa, não merece conhecimento o segundo agravo interno interposto. 2. É inviável a análise de tese apresentada apenas em embargos de declaração, por caracterizar inovação recursal. Precedentes. 3. Não há falar em omissão da decisão monocrática se as questões pertinentes ao litígio foram solucionadas, ainda que sob entendimento diverso do perfilhado pela parte. 4. Sendo afastada a incidência do CDC e determinado o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que aprecie novamente o recurso de apelação, os demais tópicos constantes das razões do recurso especial ficam prejudicados. 5. "A apreciação do mérito do recurso especial decorre, naturalmente, do implícito reconhecimento de que todos os requisitos de admissibilidade recursal foram observados, não se fazendo presente, propriamente, omissão, contradição ou obscuridade, mas apenas inconformismo com o desfecho dado à causa por esta Turma julgadora, o que refoge, a toda evidência, do perfil integrativo dos embargos de declaração" (EDcl no REsp n. 1.758.746/GO, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/2/2019, DJe 21/2/2019). 6. A determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista. Somente em situações excepcionais essa teoria pode ser mitigada, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, embora não seja a destinatária final do produto ou serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade (técnica, jurídica, fática ou informacional) teoria finalista mitigada. Precedentes. 7. Na hipótese dos autos, as instituições de ensino utilizavam o software com o escopo de implementar suas atividades comerciais, facilitando o pagamento das mensalidades pelos alunos, não existindo qualquer vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou informacional. 8. O enquadramento jurídico da moldura fática exposta no acórdão estadual prescinde do reexame de fatos e provas dos autos, não esbarrando no óbice da Súmula n. 7 do STJ. 9. Agravo interno de fls. 1.288/1.350 (e-STJ Petição n. 00348946/2020) a que se nega provimento e agravo interno de fls.1.353/1.419 (e-STJ Petição n. 00357943/2020) não conhecido.

Assim sendo, declaro a incompetência absoluta e determino que os presentes autos sejam remetidos a uma da Varas Cíveis e Comerciais desta Comarca. P.I. Após ao SECODI para redistribuição. P. I.

Salvador, 17 de junho de 2021.


Maurício Lima de Oliveira

Juiz de Direito Titular

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