Capital - 17ª vara de relações de consumo

Data de publicação18 Julho 2022
Número da edição3138
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
17ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8025801-26.2021.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Reginaldo Porciuncula De Jesus
Advogado: Elder Martinez Teixeira (OAB:BA59121)
Reu: Banco Cetelem S.a.
Advogado: Paula Fernanda Borba Accioly (OAB:BA21269)
Terceiro Interessado: Chefe Do Inss

Sentença:

REGINALDO PORCIUNCULA DE JESUS, devidamente qualificado nos autos, por meio de advogado legalmente constituído, propôs AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA em face do BANCO CETELEM S.A, igualmente qualificado nos autos do processo em epígrafe.

Alegou o autor que firmou contrato de empréstimo consignado com o banco requerido no valor de R$ 3.668,07. Porém afirmou ter descoberto que foi induzido a erro ao contratar cartão de crédito consignado com RMC>

Destacou ter tentado, por diversas as vezes contato via telefone, com o intuito de resolver amigavelmente a situação, entretanto, infelizmente, suas tentativas restaram infrutíferas.

Requereu, por fim: I) a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita; II) liminarmente, a concessão do pedido de tutela provisória de urgência; IV) ao final, declarar a inexistência de relação jurídica, condenar o réu à repetição do indébito da quantia de R$ 347,58, além da condenação ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais); V) a condenação do réu ao pagamento das custas e honorários, estes no percentual de 20%.

Inicial instruída com documentos sob ID 95193315 ao 95193328.

Pedido de gratuidade de justiça deferido. Deferiu-se a liminar pleiteada. Determinou-se a inversão do ônus da prova. (ID 100211184)

Devidamente citada, a parte ré ofereceu contestação sob ID 154883931. Não suscitou preliminares. No mérito, afirmou que o autor firmou contrato com o banco requerido, originando o cartão de crédito consignado de nº final 3078, utilizando o aplicativo de celular. Ressaltou a validade da assinatura eletrônica e da contratação. Por fim, pugnou pela improcedência da presente demanda.

Com a contestação foram acostados documentos sob ID 154883932 ao 154883939.

Réplica sob ID 155822453.

É o relatório.

Posto isso. Decido.

O feito já está instruído, não havendo necessidade de produzir outras provas, visto que a matéria de mérito ventiladas nos autos é unicamente o julgamento antecipado da lide (art. 355, NCPC).

Inicialmente, aplicável, a espécie, as normas do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a Súmula n. 297 do STJ:

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Da atenta análise dos autos, depreende-se que o autor firmou contrato de Cartão de Crédito com Reversa de Margem Consignável (RMC), sendo disponibilizado, por TED, em conta bancária, a quantia de R$ 3.668,07 (três mil seiscentos e sessenta e oito reais e sete centavos) e não há prova de que tenha efetuado compras mediante o cartão de crédito contratado.

Pelo contato de Cartão de Crédito com Reversa de Margem Consignável (RMC) é disponibilizado determinado valor ao contratante, com previsão de pagamento mínimo de fatura pela utilização do crédito contratado, no limite de 5% sobre o valor do benefício previdenciário.

Tal contratação para operações com cartão de crédito em benefícios previdenciários está prevista no art. 1º da Resolução nº 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, a saber:

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito.

Ainda, é necessária a expressa autorização do consumidor, por escrito ou por meio eletrônico, consoante art. 3º, III, da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009, que assim dispõe:

Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que (...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.

Na presente hipótese, tudo indica que o consumidor não foi devidamente informado acerca do contrato firmado. Apontando a existência de vício de vontade na contratação, pois sua pretensão não era a utilização do cartão para compras, mas, sim, a realização de empréstimo consignado.

O que se verifica, no caso, é que o autor foi induzido em erro, ao realizar o negócio jurídico pensando ter contratado empréstimo consignado, e não empréstimo com margem consignável para cartão de crédito.

A instituição financeira requerida – BANCO CETELEM S/A -, por sua vez, não demonstrou a legalidade da contratação. Ao contrário, verifico que houve falha no dever de informação, violando o quanto previsto no art. 52 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III – acréscimo legalmente previstos;

IV – número e periodicidade das prestações;

V – soma total a pagar, com o sem financiamento.

Ainda, o artigo 51, § 2º, do CDC dispõe que "a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.

Assim, reconheço a nulidade dos descontos realizados no benefício do acionante a título de “reserva de margem consignável – RMC”, em razão da contratação do cartão de crédito.

Isso porque o artigo 170 do Código Civil dispõe que “se o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido se houvessem previsto a nulidade”.

A respeito, cumpre citar os seguintes entendimentos jurisprudenciais:

APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. PEDIDOS DECLARATÓRIO NEGATIVO E CONDENATÓRIO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). FALTA DE INFORMAÇÕES. PRÁTICA ABUSIVA. ALTERAÇÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DANO MORAL AFASTADO. Código de Defesa do Consumidor. Código de Defesa do Consumidor e a revisão judicial do contrato, quando detectado o desequilíbrio ou abusividade. Precedentes e Súmula 297 STJ. Declaração de nulidade da contratação. As provas demonstraram a abusividade contratual pela Instituição Financeira. No caso o Réu/Apelado deixou de comprovar as informações claras da contratação de cartão com comprometimento de margem consignável (RMC), ao invés de empréstimo pessoal consignado, impondo excessiva onerosidade à parte hipossuficiente. Configurada a vantagem demasiada, violando o disposto no artigo 51, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor. A nulidade da cláusula contratual implica em acolhimento do pedido de conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo pessoal consignado, mediante adaptações pontuais. Do dano moral. A condenação por danos morais depende do ato ilícito, do dano sofrido, e do nexo de causalidade entre o ato e o dano. No caso, o dano do Autor/Apelante não se verificou. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA (Apelação Cível nº 70082469404, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Alberto Delgado Neto, julgado em: 29-10-2019). - grifos nossos

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – RMC – CARTÃO DE CRÉDITO – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – APELAÇÕES DE AMBAS AS PARTES. 1. CONDUTA ABUSIVA DO BANCO – Autora que alega ter efetuado contrato de mútuo com desconto consignado em benefício previdenciário, porém, disponibilizado pela instituição financeira modalidade de cartão de crédito RMC (Reserva de Margem Consignável) – Banco requerido que não demonstrou a devida disponibilização de informação para que a aposentada tivesse subsídios que ensejassem decidir efetivamente pela modalidade ora contestada – Incidência do art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor – Necessidade de adequação do contrato para a modalidade regular de empréstimo...

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