Capital - 18ª vara de relações de consumo

Data de publicação07 Dezembro 2021
Número da edição2995
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
18ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8051780-87.2021.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Zilda Lima Silva
Advogado: Jaqueline Silva De Freitas (OAB:BA64004)
Reu: Banco Bradesco Sa
Advogado: Carlos Eduardo Cavalcante Ramos (OAB:BA37489)

Sentença:

ZILDA LIMA SILVA, identificada nos autos, ajuizou AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL em face do BANCO BRADESCO SA, também qualificado, alegando, em síntese, que teria firmado com o réu um contrato de empréstimo consignado, porém foi surpreendida com o desconto no seu benefício no INSS de modalidade de reserva de margem de cartão de crédito consignado, cuja validade alega desconhecer.

Requereu:

"1- Concessão da Assistência Judiciária Gratuita, nos termos do Art. 98 do CPC;

2- Seja deferida a inversão do ônus da prova, ...;

3- Seja determinada a citação da parte Ré, ...;

4- Requer liminarmente a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que a parte Ré suspenda imediatamente as cobranças indevidas oriundas do contrato de empréstimo RMC celebrado, tendo em vista a inexistência do termo final, declarando-o nulo, sob pena de multa diária a ser arbitrada por este r. juízo.

5- A procedência do pedido para declarar a inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, haja vista que o autor não contratou tal serviço;

6- Seja a parte Ré condenada a pagar em dobro os descontos que foram realizados indevidamente sobre a RMC, desde a contratação até a presente data, no montante de R$ 4.165,68 (quatro mil cento e sessenta e cinco reais e sessenta e oito centavos) e as parcelas

7- Seja a parte Ré intimada a trazer aos autos cópia do contrato e que comprove a contratação do empréstimo, bem como faturas emitidas no período;

8- Seja a parte Ré condenada na obrigação de fazer da liberação imediata da reserva de margem consignável de 5% e suspensão dos descontos na folha de pagamento do benefício do requerente, sob pena de multa diária

9- Na remota hipótese de comprovação do cartão de crédito consignado (RMC) via apresentação de contrato devidamente assinado pela parte Autora, requerer, alternativamente ao pedido acima, seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) ao autor, com manutenção dos pedidos e liberação imediata da reserva de margem, danos morais e devolução dos valores pagos indevidamente a maior.

10- Seja a parte Ré condenada ao pagamento a Requerente a devida indenização referente aos danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). ".

Juntou procuração e documentos.

O banco acionado apresentou contestação (ID 85232402), com preliminar. Pugnou pela improcedência total do pedido. Juntou procuração e documentos.

Réplica no ID n° 117446927.

Instadas a indicarem provas a produzir, apenas a parte autora se manifestou requerendo o julgamento da lide.

Autos conclusos para julgamento.

Relatados. Decido.

PRELIMINAR

Da ausência de pretensão resistida.

Não é exigível da parte o esgotamento das vias administrativas previamente ao ajuizamento da demanda, sendo livre o exercício do direito de ação.

Rejeito a preliminar arguída.

MÉRITO

Trata-se de demanda em que a consumidora pede a declaração de nulidade do contrato firmado com o réu, na modalidade cartão de crédito consignado, a suspensão dos descontos em folha a ele referentes, a devolução em dobro dos valores descontados nessa modalidade. Também requer de forma subsidiária, caso não se entenda pela nulidade do contrato, a sua conversão em "empréstimo consignado tradicional", além da condenação do réu em danos morais pela conduta abusiva.

Segundo o réu, a parte autora, por livre e espontânea vontade, contratou o cartão de crédito consignado com descontos do pagamento mínimo direto no seu contracheque, portanto não é cabível que o banco seja compelido a desconsiderar o compromisso firmado.

DOS PEDIDOS DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE

Adoto o entendimento de que compete ao autor indicar expressamente quais as cláusulas que pretende rever, sob pena de não ser apreciado o pedido, na conformidade da Súmula 381 do STJ (Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas).

APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que o CDC se aplica às instituições financeiras (enunciado da Súmula 297).

As normas consumeristas se aplicam ao caso concreto, em que se discute um contrato bancário.

Primeiramente, necessário esclarecer que trata-se de contrato de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado". A autora pretendeu firmar um empréstimo mediante consignação em folha de pagamento, quando, em verdade, se tratava de "saque direto no cartão de crédito com autorização para desconto de folha de pagamento".

A consequência deste tipo de negócio jurídico é a geração de uma dívida onde incidem encargos de cartão de crédito, uma vez que os descontos das parcelas do empréstimo são feitos em valor mínimo (margem consignável disponível) e o saldo remanescente é reajustado por tarifas superiores às de um empréstimo consignado convencional.

Dito isso, importante esclarecer que as cláusulas pactuadas e expressamente indicadas pela acionante serão apreciadas nos limites do pedido, que não envolveu a revisão de taxas e encargos cobrados.

Fixadas tais premissas, segue-se a apreciação do mérito da demanda.

NULIDADE DO CONTRATO

À parte autora não mais interessa seguir com a contratação, embora tenha se beneficiado com o empréstimo na modalidade saque direto, ao qual aderiu expressa e voluntariamente, não podendo alegar seu desconhecimento.

Em verdade, à vista das provas acostadas pelo réu, não há como atribuir veracidade à tese construída pela parte autora, de que não sabia o que estava fazendo e que não conseguiu compreender o conteúdo do pacto firmado, vez que os contracheques juntados comprovam que a parte autora possuía outro empréstimo consignado em folha na época, bem como a impossibilidade de assumir outro empréstimo baseado pura e simplesmente na margem consignável.

A acionante foi cientificada expressamente da taxa de juros que seria cobrada em saques complementares, conforme documentação nos autos. Ainda assim, optou pela celebração do contrato e utilização do crédito disponibilizado. Além dos empréstimos consignados já existentes em folha, a autora celebrou o contrato em discussão.

Não é que a consumidora não soubesse o que estava fazendo. Ela tinha consciência de que a parcela do empréstimo não se ajustava à margem consignável remanescente.

Apesar de ser uma modalidade de empréstimo mais onerosa que o crédito consignado usual, não se trata de contratação ilegal. Apenas não cobra a mesma taxa de juros que o crédito consignado.

Portanto, não há fundamento para declaração de nulidade, nem razão plausível para a rescisão forçada.

DANO MORAL

Não verifico a prática de ato ilícito pelo réu, a justificar a reparação civil por dano moral. Como é cediço, a reparação de dano pressupõe a prática de ato ilícito, a existência de prejuízo e o nexo de causalidade entre o ato praticado e o prejuízo sofrido.

Inviável o acolhimento do pleito autoral, pois não configurada a prática de conduta ilícita.

PEDIDO DE SUSPENSÃO DO DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO

Segundo o enunciado da Súmula 380 do STJ (A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor), a parte autora não afasta a mora apenas com o ajuizamento da ação revisional.

Nessa linha, compete ao consumidor/acionante pagar as prestações no valor contratado, ou em valor incontroverso, se autorizado por decisão judicial.

No caso concreto, a parte autora não foi contemplada com decisão autorizadora do depósito judicial, tampouco com a suspensão das parcelas que são descontadas em folha de pagamento, portanto indefiro o pedido formulado pela acionante. Mantenho os descontos em folha no percentual mínimo contratado.

SATISFAÇÃO DO CRÉDITO DO RÉU

Pede a autora que não seja realizado o pagamento da dívida através de débito em sua folha de pagamento. No entanto, ao tomar o empréstimo, segundo consta na exordial, pensou estar fazendo um empréstimo consignado. Logo, o pedido de suspensão dos pagamentos via débito em folha contradiz o que a própria autora afirmou nos autos.

Em suma, a autora não poderia ter contraído o referido mútuo usando a margem consignável, pois o valor tomado não se amoldava à margem disponível. Por esta razão, não há como converter o contrato em empréstimo consignado convencional, uma vez que a acionante não dispunha de margem livre para tal.

A quitação integral de cada parcela do empréstimo via desconto em folha só não está sendo possível porque a acionante não possuía margem consignável suficiente para contrair empréstimo no montante contratado. Em virtude disso, a única modalidade viável foi a...

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