Capital - 19ª vara de relações de consumo

Data de publicação29 Junho 2022
Número da edição3125
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
19ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8106913-51.2020.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Alberico Valeriano Dos Santos
Advogado: Jose Leonam Santos Cruz (OAB:BA59355)
Reu: Banco Bradescard S.a.
Advogado: Jose Antonio Martins (OAB:BA31341-A)

Sentença:

Vistos,

Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA proposta por ALBÉRICO VALERIANO DOS SANTOS, devidamente qualificada nos autos, em face de BRADESCARD S.A.

Narra a parte autora, na petição inicial (ID 75286056), que ao tentar realizar operação financeira no comércio local, descobriu apontamento creditício informando que seu nome estava negativado, lhe sendo negado a obtenção do referido crédito, por conta da inclusão de seus dados junto aos órgãos de restrição ao crédito, no dia 23/12/2019, com vencimento 21/11/2019, pelo valor de R$ 79,97 (setenta e nove reais e noventa e sete centavos). Alega que não contraiu o débito e que seus dados foram incluídos de forma indevida por dívida inexistente.

Em face disso, faz, em síntese, os seguintes pedidos: 1) a concessão dos benefícios da justiça gratuita; 2) a citação da parte ré, requerendo, de logo, o julgamento antecipado do mérito após a apresentação da contestação e réplica, por tratar-se de matéria exclusivamente de direito; 3) a inversão do ônus da prova; 4) liminarmente, a concessão do pedido de tutela provisória de urgência; 5) ao final, declarar inexistente o débito inscrito indevidamente no Cadastro de Inadimplentes, bem como condenar a parte Ré a indenizar a parte Autora, a título de danos morais, no valor de R$ 52.250,00 (cinquenta e dois mil duzentos e cinquenta reais), equivalente a 50 salários mínimos vigentes, em razão da inserção de seu nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes; 6) que acresça-se, ainda, à condenação, correção monetária com base no INPC a partir da data do arbitramento (Súmula 362, STJ), e juros à taxa legal computada a partir do evento danoso (Súmula 54, STJ); 7) havendo acordo ou sentença, requer, desde já, sua execução, caso não haja cumprimento voluntário por parte do réu; 8) por fim, a condenação da parte Ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes em 20% (vinte por cento) do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Deferido os pedidos de Assistência Judiciária Gratuita e invertido o ônus probatório, porém a Tutela Antecipada de Urgência foi indeferida. Conforme ID 75615294.

Em resposta (ID 155744006), a acionada sustenta que a autora contratou, recebeu e utilizou o cartão, sendo o débito originado do inadimplemento das obrigações contraídas. Por isso, no mérito, alega que não houve ato ilícito, a inexistência de danos morais e, requer a improcedência da ação e o julgamento antecipado da lide.

A parte autora apresentou réplica (ID 180603258).

Não foi obtida a conciliação entre as partes.

Não houve requerimento de outras provas.

É o relatório. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

O julgamento antecipado da lide se faz autorizado com base no artigo 355, inciso I, do CPC, eis que a questão de mérito é unicamente de direito, não sendo necessária a produção de outras provas.

Não havendo preliminares, passo a decidir o mérito da ação.

MÉRITO

A ação deve ser julgada à luz do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC), uma vez que a matéria discutida versa sobre relação de consumo, sendo aplicáveis as regras e os princípios expostos na lei consumerista. Destaca-se, dentro desse universo, que a responsabilidade é de cunho objetivo, nos termos do art. 14, caput, do CDC, necessitando-se, tão somente, da apresentação da existência do fato, do dano e do nexo causal, sem análise da culpa. Previsão afastada na hipótese de defeito inexistente e culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, segundo o §3º, do mesmo diploma normativo.

Em decorrência da desigualdade existente entre os sujeitos que figuram na relação consumerista e do objetivo de facilitar a defesa de direitos, o legislador estabeleceu no art. 6º, inc. VIII, do CDC, a possibilidade de inversão do ônus da prova a favor do consumidor, a critério do juiz, quando verificar a verossimilhança da alegação ou quando a parte for hipossuficiente.

No caso em discussão, sendo verificado o cumprimento desses requisitos legais, o ônus da prova foi invertido na decisão de fl. 09.

Acrescenta-se que em ações negativas, como é a presente, não recai sobre o autor o ônus de provar a inexistência de relação jurídica, cuja impossibilidade é denominada nessas ações de “prova diabólica”. Esse é o posicionado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

No que tange à matéria discutida, refletimos.

As práticas de mercado, à vista da configuração da atual sociedade da informação e do consumo, buscaram aumentar a coleta, a organização e a classificação das informações dos consumidores por meio de bancos e cadastros de dados. A legislação consumerista atenta à realidade admitiu a existência dessas ferramentas e se preocupou em estabelecer critérios e limites, tendo em vista que a divulgação incorreta e inverídica de informações implica em prejuízo aos direitos da personalidade.

A inscrição devida do devedor nos cadastros de inadimplentes constitui exercício regular do direito, afastando as hipóteses do art. 188, inc. II, do CC/02, vez que o credor possui o direito de realizar a cobrança do débito inadimplido, bem como é autorizado a inserir os dados do inadimplente nos órgãos de restrição ao crédito.

A situação contrária deve ser mensurada. Na hipótese de inscrição indevida, por conta da inexistência da dívida, está configurado o exercício irregular do direito, sendo aplicada a normatividade do art. 188, inc. II, do CC/02, que dispõe acerca do ilícito civil. E, nesse sentido, o reforço à aplicação da responsabilidade objetiva é realizado pela VI Jornada de Direito Civil, no Enunciado n. 553 do CJF/STJ.

Como dito anteriormente, a inserção das informações nesses bancos e cadastros de dados repercutem na esfera personalíssima do consumidor, especificamente, no nome, honra e privacidade. Por isso, os danos materiais são in re ipsa, ou seja, basta a comprovação da ocorrência do ato ilícito para a reparação de danos morais. Esse é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Edição n. 59, da Jurisprudência em Teses.

Ressalta-se, ainda nesse tema, que a Súmula 385 do STJ determina a ausência de indenização por danos morais quando preexiste legítima inscrição. Essa hipótese poderá ser flexibilizada. Conforme Edição n. 160 da Jurisprudência em Teses, da Corte, quando há nos autos elementos que possibilitem demonstrar a ilegitimidade da preexistente anotação, a aplicação da Súmula poderá ser restringida.

Os esclarecimentos teóricos são necessários para a discussão realizada a seguir.

Incumbindo à parte ré a comprovação da existência da relação jurídica e/ou débito, analiso o conjunto das provas juntadas aos autos.

In casu, observa-se que a parte autora, aderiu ao serviço de cartão de crédito, em 20/08/2019, sob o número 4282.6750.2978.2018 C&A VISA GOLD, administrado pela requerida, por intermédio do termo de adesão devidamente assinado, mais apresentação de documentos pessoais, como, RG e CPF, conforme ID 167161244.

Conforme ID 155744007, é evidenciado que não houve pagamentos de nenhuma fatura e foi realizado a contratação de um plano odontológico no valor de R$ 71,80 (setenta e um reais e oitenta centavos). A fatura, objeto da demanda, com vencimento 21/11/2019, inadimplida e, subsequentemente, o envio dos dados da parte autora no órgão de restrição ao crédito, com o valor alterado por causa das multas e juros destinados ao atraso dos pagamentos.

Pois bem, evidenciado o vínculo de relação jurídica e especificado a origem do débito é, comprovado o reconhecimento da ausência de ilegalidade na inscrição do nome do demandante nos cadastros restritivos de crédito.

Em outros termos, a remessa de anotações negativas aos órgãos que restringem crédito, comprovada a inadimplência do devedor, constitui exercício regular de direito, segundo se depreende da interpretação do art. 188, inciso I, do Código Civil Brasileiro c/c art. 14, §3º do Código de Defesa do Consumidor.

Por esses fundamentos, não configurado o ato ilícito imputado à empresa acionada, no que se refere à inclusão do nome da parte autora nos cadastros de negativação, não há qualquer base fática ou jurídica apta a amparar o pleito de indenização por dano moral formulado pela requerente.

Outro ponto que merece análise é a litigância de má-fé. Isso porque, a parte autora alterou a verdade dos fatos e contra os deveres éticos e de lealdade processual que deveriam lastrear sua conduta no curso do procedimento judicial, com fulcro no Art. 80, Inc. II, do NCPC.

No presente caso, a requerente ao declarar na inicial desconhecer a origem do débito e que foi obrigada (pelos prepostos da acionada) a fornecer os dados e assinar vários papéis, é totalmente equivocada essas alegações. Por intermédio do conjunto fático-probatório, a autora aderiu aos serviços do cartão de...

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