Capital - 19ª vara de relações de consumo

Data de publicação27 Agosto 2021
Número da edição2930
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
19ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8043677-28.2020.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Adriana Da Silva Santos
Advogado: Daniel De Araujo Paranhos (OAB:0038429/BA)
Advogado: Filipe Machado Franca (OAB:0038439/BA)
Reu: Crefisa Sa Credito Financiamento E Investimentos
Advogado: Marcio Louzada Carpena (OAB:0046582/RS)

Sentença:

Vistos, etc.

A presente ação tem por escopo pedido de revisão contratual de empréstimo, escudada no argumento de que houveram abusividades nos encargos contratuais, que geraram excessiva onerosidade após imposição unilateral do fornecedor (contrato de adesão), aqui demandado.

Diz a parte autora que o contrato contém cláusulas abusivas, consistentes na exigência dos juros remuneratórios. Requer a procedência da ação para declarar por sentença a revisão do contrato sub judice.

Despacho em ID 61565516 deferiu o pedido de gratuidade de justiça deferido em prol da parte autora.

Apresentada contestação pela parte acionada em ID 73141912, refutou as alegações da parte autora, argumentando que sua conduta se pautou na legislação pátria, sendo, portanto, devido o quanto cobrado.

Réplica apresentada em ID 76136549.

BREVE RELATÓRIO DOS FATOS. DECIDO.

O feito já está instruído, não havendo necessidade de produzirem-se outras provas, visto que a matéria de mérito ventilada nos autos é unicamente de direito, comportando, assim, o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC).

MÉRITO

A lei consumerista possui ampla fundamentação autorizadora da revisibilidade dos contratos, como nos casos de: modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V, 1ª parte), compreendendo ofensa à boa-fé objetiva, cuja limitação à autonomia da vontade possibilita a retomada do equilíbrio contratual através do decaimento das cláusulas abusivas (art. 4º, III – fonte interpretativa e art. 51, IV – cláusula geral). Haverá também revisão para a hipótese de fato superveniente (previsível ou não) provocador de excessiva onerosidade para o consumidor (hipótese de quebra da base do negócio prevista no art. 6º, 2ª parte), bem assim, em diálogo das fontes entre o macrossistema de direito civil e o microssistema de direito do consumidor, as hipóteses de nulidades dos negócios jurídicos decorrentes da teoria geral dos contratos (arts. 166 e 167) ou em razão de ofensa à boa-fé objetiva ou à função social do contrato (arts. 421 e 2.035, todos do CC/2002).[1]

Atento ao dever de cooperação e lealdade contratual (cláusula anexa à boa-fé objetiva), o STJ editou a súmula 286 para possibilitar ao consumidor inadimplente revisar o contrato para excluir abusividade estabelecida desde o início do pacto, não obstante eventuais novações, assegurando-lhe o exercício do princípio de manutenção do vínculo ditado pelo art. 51, § 2º, do CDC, como acima visto.

Finalmente, seguindo a trilha estabelecida pelo CDC o contrato passou a ter seu “equilíbrio, conteúdo ou equidade mais controlados, valorizando-se o seu sinalagma”.[2] Destarte, com base na oficialidade, deve o judiciário exercer o controle das cláusulas abusivas promovendo a sua desconstituição em nome da permanência do pacto, garantindo eficácia aos preceitos do art. 51, IV, § 1º e , do CDC.

Em suporte a uma das hipóteses acima apontadas, Fabiana Rodrigues Barletta diz:

É exatamente este o propósito do artigo 6º, inciso V, 2ª. parte, do Código de Defesa do Consumidor: considerar os elementos objetivos presentes naquele ambiente social, que fizeram com que o contrato perdesse a sua comutatividade ou sua finalidade, e viabilizar sua revisão a partir da equalização das prestações. Assim, o contrato não se extingue, mas é restabelecido em novas condições que tornam plausível seu adimplemento.

A revisão contratual positivada no artigo objeto dessa análise visa a restaurar o equilíbrio do contrato e tornar possível o alcance de sua finalidade objetiva... [3]

Pois bem, as disposições supramencionadas estão inseridas em um estatuto que reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4º, I), viabilizando e dando concretude aos princípios nos quais se funda a Ordem Econômica (art. 170 da CF), sempre com base na boa-fé e no equilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º, III). O Código do Consumidor possui também objetivos bem definidos, como atendimento das necessidades do consumidor, o respeito à sua dignidade e a proteção dos seus interesses econômicos (art. 4º, caput).

Neste sentido comungamos o entendimento esposado pela doutrina[4] segundo o qual a súmula 381 do e. STJ que adota uma postura contra a intervenção estatal nos contratos bancários, privilegiando a atividade exercida pelos Bancos no Brasil, mostra-se inteiramente inconstitucional naqueles vínculos em que figure um consumidor.

A decisão da ADIn 2.591/DF confirmou a aplicação do CDC, enquanto relação de consumo, nos vínculos decorrentes dos serviços bancários, financeiros, de crédito e securitários, garantindo a plena constitucionalidade do art. 3º, § 2º do CDC. Com isso, tem-se como certo a incidência da norma protetiva ao vulnerável, notadamente no capítulo concernente às cláusulas abusivas que, por ora, nos interessa.

Ora, sendo a proteção ao consumidor um direito fundamental (assim entendido porque positivado na Carta Política o respectivo tópico que integra as Declarações dos Direitos do Homem) consagrado no art. 5º, XXXII, da CF/1988, não se pode compreender um seguimento da atividade econômica, que também sucumbe aos ditames protecionistas do consumidor enquanto princípio destacado no capítulo da ordem econômica constitucional (art. 170, V) que ofenda o princípio da isonomia. Explico.

Sendo o CDC norma de ordem pública (art. 1º) a sua aplicação se verifica sob os contornos da oficialidade, situação essa plenamente reconhecida pelo e. STJ em inúmeros julgados (REsp 586.316/MG; REsp 1112524/DF). Ora, se assim o é, como se justifica tratamento diferenciado àqueles processos cuja controvérsia concentre matéria bancária figurando o consumidor como parte interessada?

Se observarmos o tratamento dispensado as nulidades taxativas (absolutas) no Código Civil, temos que a sua decretação se verifica ex officio (art. 168, parágrafo único) pelo juiz, de maneira que elas podem ser sanadas por parte do julgador (ainda que as partes não solicitem). Da mesma forma, não sucumbem a nenhuma limitação temporal (prescrição ou decadência) para a sua invalidação, mormente porque, seguindo os ensinamentos de Agnelo Amorim Filho[5], para os que entendem tratar-se de tutela declaratória o tema já é imprescritível, situação esta que também é alcançada pela imprescritibilidade; para aqueles que visualizam a invalidade do ato sob os contornos tutela constitutiva negativa ou desconstitutiva porque sem prazo para a sua arguição ou decretação prescrito na lei. Nessas situações a invalidade é alcançada pela perpetuidade.

Essas as considerações que hão de ser observadas nesta decisão, que balizará a atuação do julgador no pleno exercício do controle de legalidade lastreada na oficialidade uma vez detectada a abusividade de cláusula a que o vulnerável foi submetido em face da aderência ou de condições gerais. Certo é que, dada a perplexidade que a referida súmula causa no âmbito do microssistema protetivo e, sobretudo, à Constituição Federal, acreditamos que a sua revisão deverá ocorrer o mais breve possível.

DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS

O STF, através de entendimento sumulado (Enunciado da Súmula 596), afastou a incidência da Lei de Usura às operações realizadas pelo Sistema Financeiro Nacional, in verbis: "As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional".

A discussão acerca da limitação da taxa de juros remuneratórios ao percentual de 12% a.a, por seu turno, foi afastada com a edição do Enunciado da Súmula Vinculante n.07, do STF, nos seguintes termos: "A norma do §3º do artigo 192 da constituição, revogada pela emenda constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar".

O STJ, por seu turno, já pacificou o entendimento de que os juros remuneratórios não estão sujeitos à taxa prevista no art. 406 c/c art.591, ambos do CC. O Egrégio Superior Tribunal, ao editar o Enunciado da Súmula 382, registrou sua posição majoritária no que tange à fixação de juros remuneratórios em patamar superior a 12% ao ano, assinalando que a pactuação de taxa acima do referido percentual, por si só, não indica abusividade.

Em outros termos, para que a taxa de juros remuneratórios estabelecida no contrato seja considerada abusiva, apresenta-se necessária a demonstração cabal de sua dissonância em relação à taxa média do mercado. Neste sentido, oportuno transcrever o conteúdo do Enunciado da Súmula nº 296 do STJ: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de...

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