Capital - 2ª vara do sistema dos juizados especiais da fazenda pública

Data de publicação15 Julho 2022
Gazette Issue3137
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
SENTENÇA

8066231-88.2019.8.05.0001 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Moises Ferreira Do Nascimento
Advogado: Sergio Celso Nunes Santos (OAB:BA18667)
Reu: Estado Da Bahia

Sentença:

Poder Judiciário - Fórum Regional do Imbuí

2ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, sala 103

Rua Padre Cassimiro Quiroga, Loteamento Rio das Pedras, Qd.01, Imbuí – CEP: 41.720-400

Fax (71) 3372-7361 email: ssa-2vsje-fazenda@tjba.jus.br


Processo nº 8066231-88.2019.8.05.0001

Classe - Assunto: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) - [Obrigação de Fazer / Não Fazer]

Reclamante: AUTOR: MOISES FERREIRA DO NASCIMENTO

Reclamado(a): REU: ESTADO DA BAHIA

SENTENÇA-c

Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, onde o Autor alega, resumidamente, que é titular do Planserv e que, no final de 2018, o Autor realizou um teste ergométrico que detectou evidência de taquicardia ventricular no pico do esforço, irregularidade cardíaca que possui risco de morte súbita.

Afirma que o médico solicitou uma ressonância magnética cardíaca para avaliação de foco arritmogênico e definição quanto ao risco de morte súbita cardíaca. Ocorre que, ao tentar realizar o exame por meio do PLANSERV, o Autor foi surpreendido com a negativa do plano de saúde, que se recusou a autorizar a realização do procedimento indispensável para manutenção da sua vida.

Aduz o Autor que, sem alternativa, foi obrigado a procurar uma clínica particular, tendo que desembolsar a quantia de R$850,00 (oitocentos e cinquenta reais), para realização do exame.

Desta forma, requereu a concessão de liminar para que a acionada realize, de imediato, todos os procedimentos indispensáveis ao tratamento da taquicardia ventricular e decorrentes dela, sob pena de multa diária. No mérito, requer que o pedido seja julgado totalmente procedente, CONFIRMANDO A LIMINAR DEFERIDA; bem como condenar a RÉ PLANSERV a pagar danos morais, sofridos ante a recusa injustificada da Ré em proceder a realização de exames em favor do Autor, em valor não inferior a R$39.000,00 (trinta e nove mil reais). Requer ainda pagamento de verba indenizatória, em decorrência dos danos materiais sofridos no valor de R$850,00 (oitocentos e cinquenta reais);

Apresentado parecer técnico pelo Núcleo de Assistência Técnica do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – NAT.

Pedido liminar indeferido.

Realizada a citação e intimação.

Apresentada contestação.

Sentença de extinção do processo por abandono da causa pela parte Autora.

Embargos de declaração.

Sentença acolhendo os embargos de declaração, invertendo o julgado.

Voltaram os autos conclusos.

É o breve relatório. Decido.

DA PRELIMINAR

O Réu alegou ainda a incompetência deste órgão jurisdicional em razão da suposta complexidade da causa, a qual demandaria a produção de prova pericial para a resolução da controvérsia em tratativa.

Contudo, tal alegação não merece prosperar.

A complexidade da causa não é aferida a partir da análise do direito material, mas, exclusivamente, no que tange ao objeto da prova, motivo pelo qual não merece acolhimento tal questão prévia, já que tal demanda não exige prova complexa.

Neste sentido, impende-se destacar o Enunciado nº 54 do FONAJE, a saber:

ENUNCIADO 54 – A menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material.

Ultrapassada as questões preliminares, passa-se à análise do mérito.

DO MÉRITO.

Cinge-se o mérito da presente demanda à insurgência do Autor contra a recusa do Réu, através do PLANSERV, em lhe garantir a autorização e o custeio de exames em favor do Autor indispensáveis ao tratamento da taquicardia ventricular e decorrentes dela.

Inicialmente, impende-se destacar a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre o Estado da Bahia, na qualidade de gestor do PLANSERV, e os beneficiários deste plano de saúde, pois submetido à modalidade de autogestão.

Com efeito, faz-se necessário observar o precedente vinculante firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que definiu:

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

(Súmula 608, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018)

Nesta senda, embora as normas consumeristas não sejam mais aplicáveis às relações entre o PLANSERV e seus beneficiários, sabe-se que não se pode restringir a cobertura do plano de saúde quando o respectivo regulamento sequer prevê tal limitação, especificamente, por se tratar de contrato de adesão – como é o caso dos autos –, pois estabelecido, unilateralmente, pelo Estado da Bahia, através do Decreto Estadual nº 9.552/2005.

Desta forma, na hipótese de ambiguidade ou contradição entre as cláusulas do contrato de adesão, deve-se realizar a interpretação favorável ao aderente. Além disto, impõe-se a decretação da nulidade das cláusulas que impliquem renúncia antecipada de direitos inerentes ao contrato de assistência à saúde.

A respeito do assunto, ressaltam-se os enunciados normativos dos arts. 423 e 424 do Código Civil, a saber:

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

A corroborar com o exposto acima, convém destacar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO UNIPESSOAL. AGRAVO REGIMENTAL. NULIDADE. INEXISTENTE. PLANO DE SAÚDE. ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULAS AMBÍGUAS E GENÉRICAS. INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DO ADERENTE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO. SÍNDROME CARCINOIDE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AGRAVAMENTO PSICOLÓGICO. VALOR ARBITRADO. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS RECURSAIS. LIMITE MÁXIMO ATINGIDO.

[…]

4. A Segunda Seção do STJ decidiu que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo.

5. A avaliação acerca da abusividade da conduta da entidade de autogestão ao negar cobertura ao tratamento prescrito pelo médico do usuário atrai a incidência do disposto no art. 423 do Código Civil, pois as cláusulas ambíguas ou contraditórias devem ser interpretadas em favor do aderente.

6. Quando houver previsão contratual de cobertura da doença e respectiva prescrição médica do meio para o restabelecimento da saúde, independente da incidência das normas consumeristas, é dever da operadora de plano de saúde oferecer o tratamento indispensável ao usuário.

7. O médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde - é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta. Precedentes.

8. Esse entendimento decorre da própria natureza do Plano Privado de Assistência à Saúde e tem amparo no princípio geral da boa-fé que rege as relações em âmbito privado, pois nenhuma das partes está autorizada a eximir-se de sua respectiva obrigação para frustrar a própria finalidade que deu origem ao vínculo contratual.

[…]

(REsp 1639018/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 02/03/2018) (grifou-se)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. OBESIDADE MÓRBIDA. INTERNAÇÃO EM CLÍNICA MÉDICA ESPECIALIZADA. POSSIBILIDADE. INSUCESSO DE TRATAMENTOS MULTIDISCIPLINARES AMBULATORIAIS. CONTRAINDICAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA. DOENÇA COBERTA. SITUAÇÃO GRAVE E EMERGENCIAL. FINALIDADE ESTÉTICA E REJUVENESCEDORA. DESCARACTERIZAÇÃO. MELHORIA DA SAÚDE. COMBATE ÀS COMORBIDADES. NECESSIDADE. DISTINÇÃO ENTRE CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO E SPA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

[…]

7. Mesmo que o CDC não se aplique às entidades de autogestão, a cláusula contratual de plano de saúde que exclui da cobertura o tratamento para obesidade em clínica de emagrecimento se mostra abusiva com base nos arts. 423 e 424 do CC, já que, da natureza do negócio firmado, há situações em que a internação em tal estabelecimento é altamente necessária para a recuperação do obeso mórbido, ainda mais se os tratamentos ambulatoriais fracassarem e a cirurgia bariátrica não for recomendada.

8. A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde - é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta.

[…]

(REsp 1645762/BA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017) (grifou-se)

Pois bem, da análise do Decreto Estadual nº 9.552/2005, verifica-se que não há falar-se em ausência de cobertura do exame pretendido, porque prevista a realização de serviços auxiliares de diagnóstico pelo PLANSERV, segundo se depreende dos seus art. 14, que dispõe:

Art. 14 - Os serviços a serem prestados pelo PLANSERV aos seus beneficiários englobam assistência médico-ambulatorial, serviços auxiliares de diagnóstico e tratamento e internações hospitalares no Estado da Bahia,...

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