Capital - 2ª vara do sistema dos juizados especiais da fazenda pública

Data de publicação23 Maio 2023
Número da edição3337
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
SENTENÇA

8032154-19.2020.8.05.0001 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Marinelia Alves Dos Santos
Advogado: Antonio Jorge Falcao Rios (OAB:BA53352-D)
Reu: Estado Da Bahia

Sentença:

Poder Judiciário - Fórum Regional do Imbuí

2ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, sala 103

Rua Padre Cassimiro Quiroga, Loteamento Rio das Pedras, Qd.01, Imbuí – CEP: 41.720-400

Fax (71) 3372-7361 email: ssa-2vsje-fazenda@tjba.jus.br


Processo nº 8032154-19.2020.8.05.0001

Classe - Assunto: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) - [Férias]

Reclamante: AUTOR: MARINELIA ALVES DOS SANTOS

Reclamado(a): REU: ESTADO DA BAHIA

SENTENÇA - L

Trata-se de Ação Ordinária, na qual o demandante, acima nominado, pleiteia com a presente demanda indenização por férias não usufruídas.

Oportuno, de logo, apreciar os pressupostos de existência e validade do processo, para regular tramitação e julgamento do feito.

Observa-se que o autor propôs ações idênticas à presente as quais foram distribuídas entre as duas Unidades Fazendárias deste sistema, cuja única distinção entre elas é o período que faz nascer o direito ao benefício almejado, ex vi, processo nº 8032166-33.2020.8.05.0001.

Ainda que direito subjetivo de todo sujeito de direito pleitear em juízo pretensão resistida, tal direito, como qualquer outro no ordenamento jurídico, não é absoluto, pois quem o exerce, deve fazê-lo em conformidade com a licitude formal e os preceitos éticos jurídicos expressos nos princípios gerais da boa-fé objetiva e solidariedade social.

O novo Código de Processo Civil, no Capítulo que trata das Normas Fundamentais do Processo Civil – aplicável, portanto, subsidiariamente, a este subsistema-, estabelece como parâmetro de conduta de todos que participam do processo a atuação segundo a boa-fé objetiva, assim como impõe o dever de cooperação entre eles, a fim de que obtenham decisão justa e efetiva, assim normatizado:

Art. 5º - Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6º - Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”

Agir em conformidade com a boa-fé objetiva nada mais é, segundo a doutrina, o dever de agir com lealdade, segundo um standard de conduta que se espera de uma pessoa honesta, proba.

No caso em tela, o autor, ao fracionar em ações idênticas um mesmo pedido, num claro intento de não ultrapassar o teto estabelecido para o pagamento por meio de RPV ou não ultrapassar o teto deste Juizado, atua em franco abuso do direito de ação. Isto porque, a sua atuação rompe com alguns interesses sociais concorrentes ao seu interesse individual e fere o princípio da cooperação entre as partes.

Os interesses sociais concorrentes, acima mencionados, são: oneração do Estado-Juiz com propositura de diversas demandas idênticas, as quais poderiam ser reunidas em uma única, com significativa economia de atos processuais, além de diminuição do número de processos, fatos que melhorariam a prestação judicial substancialmente, além de torná-la mais eficiente.

Oportuno, salientar que, com o propósito de diminuir o número de demandas e tornar a prestação jurisdicional mais eficiente, o CPC em seu art. 327 estabeleceu que é lícita a cumulação de diversos pedidos contra um mesmo réu em uma única ação. A existência de tal norma demonstra a relevância deste propósito no ordenamento jurídico.

Demais disso, há risco de ofensa ao regime de pagamento pela Fazenda Pública de débitos resultantes de condenações judiciais, estabelecido no art. 100 da CF.

Isto é, o autor, desdobrando um único pedido em mais de uma demanda, garante o pagamento mais célere de seu crédito, sem sofrer as limitações estabelecidas pela lei, ou seja, via precatório que está atrelado ao orçamento do ente público.

O sistema dos Juizados da Fazenda Pública foi criado para solução de conflitos, cujo valor econômico não ultrapasse 60 salários-mínimos. Do mesmo modo, o pagamento por RPV é para aqueles créditos cujo valor não ultrapasse o limite estabelecido pelos entes da federação, classificados de menor monta. Portanto, aquele que opta pelo sistema mais célere dos Juizados, renuncia ao valor que eventualmente exceda a 60 salários-mínimos, bem como aquele que queira receber seu crédito pela Fazenda imediatamente, sem se submeter à fila do precatório, do mesmo modo, deve renunciar ao que sobejar.

Portanto, utilizar-se de um direito subjetivo, de modo a burlar interesses sociais tão caros (eficiência da justiça, economicidade de atos processuais, e ordem dos precatórios), configura abuso de direito, que deve ser coibido pelo magistrado em atenção ao princípio da cooperação (art. 6º, CPC), já mencionado anteriormente, a fim de garantir a legalidade do processo e um resultado justo.

Ademais, o Juiz por se tratar do condutor da relação processual, tem como dever inibir atos lesivo que atentem contra a dignidade da justiça.

Sobre o tema, nos valeremos das preciosas lições de Cândido Rangel Dinamarco em sua obra “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. II:

Há sempre uma relação de legítima adequação entre as diversas situações jurídicas que levam o sujeito a valer-se do Poder Judiciário e as técnicas mediante as quais, segundo a ordem jurídico-processual, o serviço jurisdicional deve ser realizado. Essa relação tem forte conotação de ordem pública, porque as inúmeras variáveis processuais são instituídas também com a finalidade de propiciar ao Estado-Juiz a possibilidade de exercer seu mister de modo eficiente e em benefício da comunidade em geral – e não somente para beneficiar o sujeito concretamente necessitado da tutela jurisdicional. Daí a exigência de que, ao vir a juízo, o sujeito peça adequadamente e provoque somente as medidas processuais adequadas ao caso segundo a lei (...). Pedindo inadequadamente ou mediante vias processuais inadequadas, em princípio o processo será extinto sem julgamento de mérito (a inadequação produz a falta de interesse de agir (...).” (Grifos nossos).

Pois bem, no caso concreto, a parte requerente, ao desdobrar um único pedido em outras ações, não escolhe a via mais adequada a fim de propiciar ao Estado-Juiz uma atuação mais eficiente e em benefício da comunidade em geral, o que resulta na falta de interesse processual, na modalidade inadequação do pedido, com fundamento no art. 485, VI, CPC.

Vale salientar, ainda, que tal entendimento não está isolado na jurisprudência, mas, ao contrário, já existem precedentes em diversos Tribunais, a exemplo do TJRS, TJSP e TJRJ. A seguir, transcreveremos algumas ementas de Acórdãos para ilustrar o posicionamento aqui adotado.

APELAÇÃO CÍVEL. PISO SALARIAL DO MAGISTÉRIO. AJUIZAMENTO DE DIVERSAS AÇÕES COM PEDIDOS BASEADOS NA MESMA CAUSA DE PEDIR, ALTERANDO APENAS O PERÍODO CORRESPONDENTE À PRETENSA CONDENAÇÃO DAS PARCELAS EM ATRASO. DESCABIDO FRACIONAMENTO DA PRETENSÃO COM CLARO INTUITO DE FRACIONAMENTO DO CRÉDITO PARA RECEBIMENTO DESTE ATRAVÉS DE VÁRIAS RPVS, O QUE É VEDADO POR LEI. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO QUE IMPÕE A UNICIDADE DA DEMANDA PARA PEDIDOS DE IDÊNTICA NATUREZA E MESMA CAUSA DE PEDIR EM FACE DO MESMO RÉU. DESNECESSÁRIA MULTIPLICAÇÃO DE PROCESSOS, TODOS COM PEDIDO DE AJG, REPASSANDO O CUSTO DE TRAMITAÇÃO A TODA A SOCIEDADE. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAL. DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INCIAL DESATENDIDA. INDEFERIMENTO DESTA POR AUSÊNCIA DE LEGÍTIMO INTERESSE PROCESSUAL QUE SE CONFIRMA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO MANTIDA. APELO DESPROVIDO.” (TJ/RS. 25ª Câmara Cível: Apelação Cível Nº 70074912478. Relator: DES. RICARDO PIPPI SCHMIDT. 31/10/2017).

Processual. Valor de Alçada. Fracionamento do Pedido. Competência. Competência absoluta dos juizados Especiais. Fracionamento do pedido. Inadmissibilidade. Servidor público inativo: pedido de conversão em pecúnia de dias de licença-prêmio não usufruídas. Evidente a intenção de fracionamento do pedido em várias ações de maneira a burlar o sistema dos juizados especiais (art. 2º da lei nº 12.153) e regra de pagamento dos precatórios (art. 100 da CF). Renúncia ex vi legis: ao optar por ajuizar a sua demanda no sistema dos juizados especiais, o recorrido-autor renunciou ao crédito excedente ao limite de alçada dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Incidência do art. 27 da lei 12.153 de 2009 c.c art. 3º, § 3º, da lei n. 9.099 de 1995. Sentença de procedência reformada. Recurso provido para julgar totalmente improcedente a demanda.” (TJ – SP – RI: 10092777-73.2014.8.26.0053. Relator: Rubens Hideo Arai, data de julgamento 28.11.2016, 3ª Turma da Fazenda).

Observe no caso dos autos que a parte autora não se manifestou sobre despacho que questionava a existência de demais demandas similares, porém foi possível localizar tais demandas através de pesquisa pelo nome da autora no PJE, utilizado nas Unidades Fazendárias deste sistema, o que ao nosso entendimento, em tese, tem o nítido objetivo em fugir do teto do sistema ou receber o pagamento do crédito em eventual êxito através RPV, tendo em vista os valores que são atribuídos às causas, quando poderia reuni-las em uma só demanda, trazendo economicidade aos cofres do Tribunal e redução de trabalho dos servidores.

Não se pode olvidar que o papel do Juiz é interpretar e aplicar as leis, tanto que a própria Lei de Introdução às Normas do Direito...

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