Capital - 2ª vara do sistema dos juizados especiais da fazenda pública

Data de publicação10 Agosto 2023
Número da edição3391
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
SENTENÇA

8014916-16.2022.8.05.0001 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Pedro Ney Borges
Advogado: Uendel Ribeiro Martinez (OAB:BA20830)
Reu: Estado Da Bahia

Sentença:


Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EMERGENCIAL, proposta com o ESTADO DA BAHIA, onde o Autor alega que é contribuinte do plano de assistência à saúde – PLANSERV e foi diagnosticado com câncer de próstata. Diante disto, necessita, com urgência, da realização da cirurgia de prostatectomia.

Ocorre que, o Planserv não autorizou a cirurgia.

Desta forma, requereu a concessão de liminar, para que o Réu autorize e realize a cirurgia, nos termos do relatório médico. Ao final, pleiteou a confirmação da liminar, eventualmente, concedida e indenização por danos morais.

Apresentado parecer técnico pelo Núcleo de Assistência Técnica do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – NAT.

Pedido liminar deferido.

Realizada a citação e intimação.

Estado apresentou contestação.

Voltaram os autos conclusos.

É o breve relatório. Decido.

DO MÉRITO

Cinge-se o mérito da presente demanda à insurgência do Autor contra a recusa do Réu, através do PLANSERV, em lhe garantir da realização de cirurgia de PROSTATECTOMIA.

Inicialmente, impende-se destacar a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre o Estado da Bahia, na qualidade de gestor do PLANSERV, e os beneficiários deste plano de saúde, pois submetido à modalidade de autogestão.

Com efeito, faz-se necessário observar o precedente vinculante firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que definiu:

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

(Súmula 608, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018)

Nesta senda, embora as normas consumeristas não sejam mais aplicáveis às relações entre o PLANSERV e seus beneficiários, sabe-se que não se pode restringir a cobertura do plano de saúde quando o respectivo regulamento sequer prevê tal limitação, especificamente, por se tratar de contrato de adesão – como é o caso dos autos –, pois estabelecido, unilateralmente, pelo Estado da Bahia, através do Decreto Estadual nº 9.552/2005.

Desta forma, na hipótese de ambiguidade ou contradição entre as cláusulas do contrato de adesão, deve-se realizar a interpretação favorável ao aderente. Além disto, impõe-se a decretação da nulidade das cláusulas que impliquem renúncia antecipada de direitos inerentes ao contrato de assistência à saúde.

A respeito do assunto, ressaltam-se os enunciados normativos dos arts. 423 e 424 do Código Civil, a saber:

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

A corroborar com o exposto acima, convém destacar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. DECISÃO UNIPESSOAL. AGRAVO REGIMENTAL. NULIDADE. INEXISTENTE. PLANO DE SAÚDE. ENTIDADE DE AUTOGESTÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULAS AMBÍGUAS E GENÉRICAS. INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DO ADERENTE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO. SÍNDROME CARCINOIDE. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AGRAVAMENTO PSICOLÓGICO. VALOR ARBITRADO. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS RECURSAIS. LIMITE MÁXIMO ATINGIDO.

[…]

4. A Segunda Seção do STJ decidiu que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo.

5. A avaliação acerca da abusividade da conduta da entidade de autogestão ao negar cobertura ao tratamento prescrito pelo médico do usuário atrai a incidência do disposto no art. 423 do Código Civil, pois as cláusulas ambíguas ou contraditórias devem ser interpretadas em favor do aderente.

6. Quando houver previsão contratual de cobertura da doença e respectiva prescrição médica do meio para o restabelecimento da saúde, independente da incidência das normas consumeristas, é dever da operadora de plano de saúde oferecer o tratamento indispensável ao usuário.

7. O médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde - é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta. Precedentes.

8. Esse entendimento decorre da própria natureza do Plano Privado de Assistência à Saúde e tem amparo no princípio geral da boa-fé que rege as relações em âmbito privado, pois nenhuma das partes está autorizada a eximir-se de sua respectiva obrigação para frustrar a própria finalidade que deu origem ao vínculo contratual.

[…]

(REsp 1639018/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 02/03/2018) (grifou-se)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. OBESIDADE MÓRBIDA. INTERNAÇÃO EM CLÍNICA MÉDICA ESPECIALIZADA. POSSIBILIDADE. INSUCESSO DE TRATAMENTOS MULTIDISCIPLINARES AMBULATORIAIS. CONTRAINDICAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA. DOENÇA COBERTA. SITUAÇÃO GRAVE E EMERGENCIAL. FINALIDADE ESTÉTICA E REJUVENESCEDORA. DESCARACTERIZAÇÃO. MELHORIA DA SAÚDE. COMBATE ÀS COMORBIDADES. NECESSIDADE. DISTINÇÃO ENTRE CLÍNICA DE EMAGRECIMENTO E SPA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

[…]

7. Mesmo que o CDC não se aplique às entidades de autogestão, a cláusula contratual de plano de saúde que exclui da cobertura o tratamento para obesidade em clínica de emagrecimento se mostra abusiva com base nos arts. 423 e 424 do CC, já que, da natureza do negócio firmado, há situações em que a internação em tal estabelecimento é altamente necessária para a recuperação do obeso mórbido, ainda mais se os tratamentos ambulatoriais fracassarem e a cirurgia bariátrica não for recomendada.

8. A jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o médico ou o profissional habilitado - e não o plano de saúde - é quem estabelece, na busca da cura, a orientação terapêutica a ser dada ao usuário acometido de doença coberta.

[…]

(REsp 1645762/BA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017)

(Grifou-se)

Pois bem, da análise do Decreto Estadual nº 9.552/2005, verifica-se que não há falar-se em ausência de cobertura para o tratamento pretendido, porque inexistente qualquer vedação relativa ao presente pleito, segundo se depreende do seu art. 16, que dispõe:

Art. 16 - Não estão cobertos pelo PLANSERV:

I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental, assim definido pela autoridade competente;

II - cirurgia plástica, tratamento clínico ou cirúrgico com finalidade estética ou social ? mesmo que justificados por uma causa médica ? exceto quando necessários à restauração das funções de algum órgão ou membro decorrente de tratamento cirúrgico de neoplasia maligna e desde que comprovadas por laudo anatomopatológico;

III - cirurgia de mudança de sexo, impotência sexual, tratamentos de disfunção erétil e de esterilidade, de inseminação ou fecundação artificial, métodos anticonceptivos e suas reversões, ginecomastia masculina e abortamento provocado e suas conseqüências e quaisquer outras internações hospitalares cuja finalidade seja a de exclusivo controle da saúde;

IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;

V - fornecimento de medicamentos de uso continuado quando o beneficiário se encontre em regime ambulatorial, exceto quando se tratar de Programas instituídos pelo PLANSERV;

VI - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico ou com finalidade estética;

VII - procedimentos odontológicos;

VIII - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas sociedades competentes, e tratamentos cirúrgicos para alteração do corpo;

IX - casos decorrentes de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente;

X - procedimentos diagnósticos e terapêuticos não reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina;

XI - internações clínicas ou cirúrgicas e procedimentos de diagnose e terapia não prescritos ou solicitados pelo médico assistente;

XII - procedimentos decorrentes de doenças ocupacionais e suas conseqüências;

XIII - procedimentos decorrentes de acidentes de trabalho e suas conseqüências;

XIV - sessões e tratamentos ou qualquer outro procedimento de medicina alternativa, psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, exceto quando se tratar de Programas instituídos pelo PLANSERV;

XV - despesas com acompanhantes, exceto para pacientes menores de 18 (dezoito) anos e com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, e despesas extra-hospitalares, tais como telefonemas, consumo de frigobar, lavanderia, refeições,...

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