Capital - 2ª vara de relações de consumo
Data de publicação | 30 Julho 2020 |
Número da edição | 2666 |
Seção | CADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL |
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA
8050020-74.2019.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Maria Cristina Farias Gomes
Advogado: Eduardo Lima Conceicao (OAB:0030378/BA)
Advogado: Sandra Silva Sampaio Conceicao (OAB:0051367/BA)
Réu: Associacao De Protecao Veicular E Servicos Sociais
Advogado: Danilo Short Sotero (OAB:0036704/BA)
Advogado: Flachs Willians Bicalho Junior (OAB:0125588/MG)
Sentença:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
2ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8050020-74.2019.8.05.0001 | ||
Órgão Julgador: 2ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR | ||
AUTOR: MARIA CRISTINA FARIAS GOMES | ||
Advogado(s): SANDRA SILVA SAMPAIO CONCEICAO (OAB:0051367/BA), EDUARDO LIMA CONCEICAO (OAB:0030378/BA) | ||
RÉU: ASSOCIACAO DE PROTECAO VEICULAR E SERVICOS SOCIAIS | ||
Advogado(s): FLACHS WILLIANS BICALHO JUNIOR (OAB:0125588/MG), DANILO SHORT SOTERO (OAB:0036704/BA) |
SENTENÇA |
“Quem é fiel nas coisas mínimas também o é nas maiores; e quem é injusto nas coisas médias também o é nas maiores.” Lucas, XVI, 10
Vistos etc.,
Tratam os presentes autos da pretensão de MARIA CRISTINA FARIAS GOMES em face de ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR E SERVIÇOS SOCIAIS.
Afirma a requerente que ao tentar realizar compras no comércio local foi surpreendida com a informação de que seu nome estava negativado pela Ré, em razão do inadimplemento de uma parcela no valor de R$ 73,00 relativa ao contrato de nº 0000000004733897. Assevera que solicitou à Ré a cópia do alegado contrato, o que não foi atendido.
Ressalta, ainda, que mesmo se não realizasse o pagamento de alguma mensalidade, a restrição no CPF não poderia ocorrer, visto que a mesma só mantinha com a Ré um contrato de prestação de serviços de seguro de proteção veicular, onde a falta de pagamento de alguma mensalidade deste acarretaria a suspensão dos serviços e não a negativação do CPF.
Nestes termos, requer a exclusão do seu CPF dos órgãos de proteção ao crédito, a declaração de inexistência da dívida e condenação da requerida na compensação dos danos morais sofridos, bem como a condenação em 20% de honorários advocatícios. Requer, também, a concessão do benefício de justiça gratuita.
A inicial foi instruída com documentos, conforme ID 35814766
Deferido o benefício de justiça gratuita e liminar de exclusão do CPF nos órgãos de proteção no ID 36057063.
Audiência de conciliação sem êxito, ID 41081863.
A Acionada ofereceu contestação, ID 43834702. Requereu, inicialmente, a não aplicação do CDC. No mérito, afirma que a autora associou-se a Ré mediante termo de associação, tendo dentre os vários benefícios oferecidos pela associação o Programa de Proteção Veicular. Afirma que a Requerente foi notificada em 27.06.2019 da mora do débito vencido em 20.03.2019, contudo, não adotou nenhuma providência para pagar ou questionar o débito, razão pela qual teve seu CPF incluído nos órgãos de proteção ao crédito. Asseverou, ainda, que a cobrança se refere à utilização do seguro no mês de fevereiro/2019 e que, para realização do cancelamento da apólice, não basta o não pagamento pela autora, mas sim a manifestação por escrito à ré informando o seu desinteresse em manter-se associada. Assim, afirmou que a inserção se deu devidamente, e não praticou qualquer ato ilícito, pugnando pela improcedência dos pedidos.
Réplica à contestação apresentada no ID 49974682, ratificando os fatos da inicial e requerendo a procedência dos pedidos.
É o que importa relatar, pelo que li dos autos.
Passo eu a decidir:
Consigne-se que a questão de mérito é de direito e de fato, sem necessidade, todavia, de produção de prova diversa da documental, suficientes ao convencimento do julgador, à vista da teoria da causa madura.
A título de prelúdio, insta situar a questão ora ventilada no espectro das relações de consumo, à guisa dos preceptivos dos artigos 2º e 3º do CDC, de modo a apresentar-se a parte autora como destinatária final dos serviços prestados pela ré, e esta, por sua vez, fornecedora de tais serviços.
Ademais, nesse sentido é o entendimento da jurisprudência dos tribunais:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO E DANOS MATERIAIS, DA-NOS MORAIS E LUCROS CESSANTES -ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS - FORNECEDORA DE SERVIÇOS SECURITÁRIOS - INCIDÊNCIA DO CDC - ATRASO NO PAGAMENTO - SUSPENSÃO DE COBERTURA - CLÁUSULA ABUSIVA - MITIGAÇÃO DO PACTA SUNT SER-VANDA - LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO CONTRATUAL E AUSÊNCIA DE PROVAS DA PERDA SOFRIDA - INDENIZAÇÃO INDEVIDA - DANO MORAL - NÃO CON4FIGURAÇÃO - RESPONSABILIDADE SOLI-DÁRIA DA OFICINA - AUSÊNCIA. Sendo a associação pessoa jurídica de direito privado que oferece a prestação de serviços securitários mediante remuneração, nos termos do art. 2º , § 2º do CDC , caracteriza-se esta como fornecedora de serviços, razão pela qual não há óbice à aplicação do CDC na análise do feito. Deve ser declarada nula a cláusula que determina que o atraso no pagamento das parcelas do prêmio acarreta em suspensão imediata da cobertura do seguro, por ser flagrantemente abusiva, devendo ser reconhecido o direito da contratante à percepção da indenização integral prevista no contrato celebrado. Diante da exclusão expressamente prevista no regulamento do associado, bem como da ausência de provas acerca da perda sofrida, indevida a indenização por lucros cessantes pretendida. A negativa em efetuar a cobertura, frustrando o regulamento do associado, constitui-se como descumprimento contratual suficiente para causar grande aborrecimento, mas sem capacidade para dar ensejo à configuração de um legítimo dano moral. Limitando-se a falha na prestação e serviços analisada nos autos na negativa indevida de pagamento da cobertura securitária, cujo juízo decisório recai tão somente sobre a associação seguradora, mostra-se mais que evidente a impossibilidade de se imputar a oficina ré a responsabilidade pelos danos su-portados pelo consumidor, vez que a esta incumbia tão somente o conserto dos veículos sinistrados.( TJ-MG - Apelação Cível AC 10313150108592001 MG (TJ-MG)
CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS C/C DANOS MORAIS. SEGURO. NEGATIVA DE COBERTURA. PAGAMENTO EM ATRASO. AUSÊNCIA DE ADEQUADA INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS - ELEMENTOS DE NATUREZA SECURITÁRIA - PRESENÇA DO FORNECEDOR DO SERVIÇO E DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . PARTES QUE SE ENQUADRAM NO CONCEITO JURÍDICO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR. COBERTURA DEVIDA. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-PR - PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO Recursos Re-curso Inominado RI 000384322201381601870 PR 0003843-22.2013.8.16.0187/0 (Acórdão) (TJ-PR).
Na forma que preconiza o art 6º, VIII do CDC, ônus da prova invertido, conforme decisão proferida no ID 36057063.
De acordo com tais premissas, fixadas para o exercício de convencimento do quanto estou eu a decidir, verifico que inobstante a Requerida acostar aos autos termo de inclusão assinado pela Requerente no Programa de Proteção Veicular oferecido pela Associação, certo é que este, por si só, não é suficiente para determinar a inclusão do CPF da Requerente nos órgãos de proteção ao crédito.
Isto porque, o contrato de proteção securitária trata-se de uma obrigação de prestação continuada, onde para usufruir dos serviços o segurado precisa prosseguir adimplindo as prestações; por outro lado, a ausência de pagamento destas prestações implica no cancelamento do contrato, vez que, tendo a natureza de contrato aleatório, a sua consumação se dá na ocorrência do risco previsto no contrato.
Nesse sentido, o doutrinador Pablo Stolze Gagliano (2017, p. 741 – 742) conceitua o contrato de seguro como "o negócio jurídico por meio do qual, mediante o pagamento de um prêmio, o segurado, visando a tutelar interesse legítimo, assegura o direito de ser indenizado pelo segurador em caso de consumação de riscos predeterminados".
Assim, no caso dos autos, observo que a Requerente não fez uso dos serviços prestados pela Ré, razão pela qual não cabia à Acionada a negativação da parcela que se encontrava em atraso, mas, tão somente, o cancelamento da apólice contratada, uma vez que a ausência de adimplemento pela autora demonstra o seu desinteresse no prosseguimento do contrato.
Nesse diapasão, em face da ausência de demonstração da realização do débito negativado, resta indubitável a falha na prestação do serviço, a ensejar a responsabilidade da Ré, na esteira do art. 20, do CDC.
Deste modo, é inexigível o débito objeto da lide, restando vedado, ainda, à parte ré a realização de suas cobranças deste à parte autora.
No que diz respeito ao dano moral, sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re ipsa, ou seja, nas palavras do festejado Sérgio Cavalieri Filho: "deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa... está demonstrado o dano moral"(Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).
Mas, também, pelo viés punitivo e da prevenção de danos, a repercussão da conduta da ré merece ser sancionada.
Estou convencido de que o "paradigma reparatório", calcado na teoria de que a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui...
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